Não entregar Battisti à sanha de Berlusconi

Não entregar Battisti à sanha de Berlusconi

Os doutos jurisconsultos de direita e de extrema-direita que pontificam no STF ingerem-se acintosamente nos assuntos políticos sem perder a pose de sacerdotes da norma constitucional. Entretanto, um jurista do mesmo campo ideológico dos supra referidos, mas com certeza incomensuravelmente mais douto do que eles, Hans Kelsen, reconheceu enfaticamente em sua Teoria Pura do Direito que “a interpretação jurídico-científica nada mais pode fazer do que estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica. Enquanto conhecimento de seu objeto, ela não pode tomar qualquer decisão entre as possibilidades por si mesma reveladas, mas tem de deixar tal decisão ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o Direito”. A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação ‘correta’[...]”.

Aqueles que imaginam de boa fé que a perseguição cruel desencadeada pelos meretíssimos do STF contra Battisti, desde que o governo Lula lhe concedeu refúgio político, é mera “aplicação” da lei, ganhariam em meditar essas linhas do liberal Kelsen. Uma Corte Constitucional séria não pode fingir que as normas jurídicas têm “sempre e em todos os casos, uma só interpretação”. Ao tomar decisões, está escolhendo entre as interpretações possíveis de determinada norma, no caso, as que regem o asilo político. Essa escolha será política ou ideologicamente motivada, já que no plano jurídico, por hipótese, todas as opções estão fundamentadas na análise “jurídico-científica” da lei. Até alguns anos atrás, o STF tinha uma posição fixada por longa jurisprudência, inspirada nas declarações universais dos direitos do homem e do cidadsão, na Carta da ONU e em textos conexos a respeito do refúgio e do asilo, reconhecendo notadamente que esse estatuto ecponhecendo notadamente  impede a extradição, que concedê-lo é atributo do Presidente e que crimes comuns conexos com o crime político dele fazem parte.  

A proteção a refugiados e perseguidos começou a ser sabotada nos últimos anos, por iniciativa dos dois ministros mais reacionários do STF, Gilmar Mendes e Cézar Peluso. Aquele, que já vinha revelando a que tinha vindo desde sua nomeação por FHC, mostrou-se execrável ao exercer a presidência daquele órgão. Arrogante, exibicionista, provocador, falastrão, não deixou passar nenhuma ocasião de agredir a esquerda e os movimentos sociais. Peluso não apresenta essas taras comportamentais do colega, mas até por isso pode ser mais eficiente e ideologicamente mais consistente. Sua formação, com efeito, é muito preocupante. Começou seus estudos de pós-graduação com o integralista Miguel Reale e fez sua tese de doutorado em Direito Processual Civil sob a orientação de Alfredo Buzaid, um dos mais abomináveis partidários da ditadura militar terrorista. Com tal curriculum, seria de supor que o autor da indicação de Peluso para o STF fosse um Sarney, um Colllor, um FHC. Infelizmente, o autor foi Lula, muito mal aconselhado não somente por seu então ministro da Justiça, Marcio Tomas Bastos, mas sobretudo, enorme ironia, por um homem que tinha se ilustrado na defesa dos direitos humanos, o cardeal Paulo Evaristo Arns, que escreveu uma carta a Lula recomendando seu protegido. A Igreja é a Igreja: o fato de Peluso ser catolicíssimo certamente influiu na iniciativa do bondoso cardeal. 

Lula foi infeliz na escolha, mas teve a lucidez e a honradez de confirmar o asilo a Battisti, concedido inicialmente por seu novo ministro da Justiça Tarso Genro. O atual ministro, Cardozo, nomeado por Dilma, vem mantendo até agora a mesma posição. Veremos.

Não é só, entretanto da extrema-direita que vêm os linchadores de Battisti. Almir Pazzianotto Pinto, um desses espertalhões que fez carreira dizendo-se amigo do trabalho, mas que na verdade estava na tropa do capital, emergiu do banho de formol onde repousa para expelir na seção “Espaço Aberto” do Estadão (22 de janeiro de 2011) uma desabrida diatribe contra “os terroristas”. O editor da seção colocou em destaque uma frase, mais cretina do que injuriosa, em que Pinto dá livre curso à estultice reacionária que sempre o inspirou: “Entre o Direito italiano e um criminoso comum sanguinário e foragido, Lula optou pela Camorra”.
Mas esse pinto de mau agouro não é o único basbaque a encher a boca para reverenciar o Estado de Direito na Itália. Muitos outros, que não são imbecis, sabem que há algo errado numa sociedade que persiste em colocar no poder um desclassificado moral, aliado a fascistas explícitos e a outros cafagestoni. Para justificar sua sanha contra Battisti, eles acham mais apropriado não se referir a Berlusconi, chefe do governo e “dono do pedaço”, mas a Giorgio Napolitano, presidente decorativo de uma República gangrenada. Sem confundi-lo com o rei dos cafagestoni, Napolitano é um desses ex-“eurocomunistas”, em quem a direita gosta de fazer cafuné porque capitularam diante do dólar e do Pentágono. Foi parceiro do renegado D’Alema quando este, em 1999, exercendo a chefia do governo, violou a Constituição italiana, que proibia guerras ofensivas, para abrigar em território italiano os pistoleiros da OTAN afundassem a Sérvia sob uma chuva de mísseis. Capachos do imperialismo como este não têm moral para nos molestar com suas ameaças.

A triste verdade é que a Itália de hoje está carcomida pela corrupção e pelo vírus neofascista. Vejam o que diz a esse respeito próprio Estadão (13/9/2009, p.16-19) na reportagem “Itália mira os ilegais”, com sub-título expressivo: “Contra imigração, país flerta com o fascismo”. Noventa anos “após Benito Mussolini”, a Itália está novamente diante do racismo”. Ela já foi condenada até pela submissa ONU por seus métodos criminosos de bloqueio de imigrantes clandestinos nas águas do Mediterrâneo.
É para a “vendetta” desse regime em deliqüescência que os Peluso e consertes querem enviar Battisti.

J.Quartim Moraes
Escritor e Professor Universitário

Texto recebido via mail para a Esk

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