CASAS DE PENHORES - Também conhecidas como " PREGO "

O regresso das casas de penhores- " O prego "

O texto do jornal britânico The Independent que hoje publicamos, ao tentar legitimar o negócio das casas de prego, é uma involuntária denúncia de como a classe no poder se aproveita das dificuldades da população

 
Quando Rodion Raskolnikov, o estudante empobrecido de S. Petersburgo, decide perpetrar o crime perfeito em «O Crime e Castigo» de Dostoievsky, o alvo da sua acção é a dona da casa de penhores local. A morte dela, raciocina Raskolnikov, iria livrar o mundo de uma parasita sem préstimo e portanto ele não sentiria quaisquer remorsos. Consegue despachar a idosa agiota com um machado e é só quando a meia-irmã dela aparece de repente no local do crime, e portanto ele também tem que a matar, que Raskolnikov começa a ser atormentado pela culpa.

Este é um episódio que demonstra claramente a opinião em que era tido outrora o penhorista. Afinal de contas, não passavam de tubarões dos empréstimos – gordos gatos locais que prestavam maus negócios aos pobres desgraçados. Eram personagens de Dickens, sombrias, que funcionavam à margem da lei e só o facto de ser visto à porta deles era considerado um enorme estigma.

Mas será que, agora que os tempos difíceis voltaram e os bancos continuam a recusar-se a emprestar, será que a nossa atitude para com o penhorista está a começar a alterar-se? Embora não seja a mais sofisticada, do modo como estão a correr os serviços financeiros do século XXI, o que é certo é que o penhorista não receia conceder crédito mesmo no clima económico mais difícil. Agora que os stocks dos banqueiros se encontram tão em baixo, terá chegado a altura de eles gozarem um certo renascimento?

A verdade é que ultimamente tem havido um forte crescimento na indústria. «Em 1980 havia apenas cerca de 50 penhoristas na Grã-Bretanha – era uma profissão que quase tinha desaparecido», diz Des Milligan da Associação Nacional dos Penhoristas. «Agora temos mais de 1.200 nos nossos registos».

Também é verdade que ultimamente tem havido uma mudança subtil na clientela dos penhoristas. «Por causa dos tempos económicos difíceis vemos que actualmente há mais pessoas relativamente abastadas a utilizá-los porque não conseguem crédito em mais parte nenhuma», diz Milligan. «Também assistimos a uma subida no número de pequenos negócios que se dirigem aos penhoristas para arranjar dinheiro que lhes permita pagar salários e comprar mercadorias».

De facto, é uma indústria considerada actualmente tão respeitável que a Tesco [1] decidiu avançar com o lançamento do seu novo serviço Troca de Ouro, que oferece dinheiro – actualmente £ 10 por grama de ouro de 9 carates – em troca de jóias disponibilizadas pelos seus clientes. «Na verdade, não é uma actividade de penhorista propriamente dita», diz um porta-voz da Tesco – mas está a oferecer dinheiro por bens que já não são desejados, por isso partilha nitidamente um terreno comum com os penhoristas tradicionais.

É um passo bastante invulgar a ser dado por um supermercado, já que negociar com bens em segunda mão e frequentemente sentimentais levantará sempre dificuldades. Mas o que a Tesco compreendeu é que o preço do ouro – de longe o artigo de penhor mais popular que sempre existiu – mais que triplicou nos últimos cinco anos, por isso há ali muito dinheiro a ganhar. Recentemente, tem havido muita controvérsia sobre empresas on-line de má reputação que trocam dinheiro por ouro e espoliam as pessoas, por isso a Tesco quer ser vista como entrando nisto para proporcionar uma alternativa transparente e digna de confiança.

«Ainda é cedo para avaliar se este serviço será competitivo, mas se não vier a ser um bom negócio as únicas pessoas que vão perder serão os seus clientes habituais», diz Dan Moore, que é um investigador sénior na revista Which? «Mas a Tesco tem muita experiência; identificou isto numa área em que outras pessoas estão a tirar proveitos».

O que explica em parte o que tem motivado ultimamente esta revolução na indústria dos penhores. Sorrateiramente, o penhorista mudou-se para as avenidas. Carl Murray, o director-executivo de Capital Cash, que possui 22 lojas Cash Converters em Londres e arredores, diz que os lucros não param de subir. «Nos últimos oito anos temos assistido a um crescimento de dois dígitos, mesmo por entre os altos e baixos da economia», afirma. «E, em termos de retalho, temos assistido a um crescimento acima dos 10 por cento».

O Cash Converters começou por ser uma pequena loja em Perth que foi aberta por um australiano esperto chamado Brian Cumins em 1984. Teve a esperteza de perceber que, se a entrega de artigos em segunda mão fosse feita numa loja profissional e bem dirigida, os lucros iriam disparar. O Cash Converters é actualmente o maior retalhista do mundo de artigos em segunda mão e encontramos hoje a extravagante fachada amarela e vermelha em 170 avenidas em toda a Grã-Bretanha.

Outras cadeias de penhoristas – a H&T, a maior do país, e a Albemarle & Bond – acompanharam essa tendência, percebendo que ou se modernizavam ou morreriam. «Investiram dinheiro em lojas modernas, bem iluminadas, nas avenidas», diz Milligan. Antes disso, o penhorista estava situado numa rua secundária no extremo pobre da cidade. A tomada de consciência das casas de penhores começou a despertar apenas porque agora se situavam no radar das pessoas.

As lojas também começaram a diversificar-se, oferecendo tudo desde desconto de cheques a compra de ouro e a empréstimos a curto prazo, para além dos «reembolsos», da casa de penhores no seu sentido tradicional. Funciona como sempre funcionou. O cliente e o penhorista acordam um preço pelos artigos que estão a ser propostos. O cliente recebe o empréstimo e depois tem seis meses para recuperar o seu artigo, durante os quais se acumulam mensalmente os juros. «Quase 70 a 75 por cento de todos os nossos penhores são recuperados pelo cliente»”, diz Murray.

Parece tudo muito simples, mas no balcão de penhores do Cash Converters no Bethnal Green de Londres (que não é um departamento gerido pelo Capital Cash) ouvem-se algumas queixas. Em três horas, apareceram três pessoas com aparelhos estéreo de automóvel, Sonny, idênticos, pedindo £ 30 por eles. «Pareceu-me um bocado suspeito», diz o homem ao balcão, «mas quem sou eu para questionar?»

Outro cliente, separado dos outros por um cortinado de plástico, protesta em voz alta que o colar que mereceu a oferta de £ 27 é de ouro de 18 carates e não é falso, conforme o penhorista que o observou está a insinuar. Parece ser uma espécie de campo minado mas, com dois tipos de identificação e uma fotografia exigida a cada cliente para uma base de dados a que a polícia tem acesso, estão a tentar assegurar que tudo seja feito sem aldrabices.

E, é preciso dizer, encontram-se imensas pechinchas espantosas. Uma placa giratória por £ 19, máquinas fotográficas digitais por £ 30, um antigo IMac verde por £ 14.99 e, instalado orgulhosamente à entrada da loja, uma cadeira de elevação (com cabeça rebaixada para um acesso mais fácil, com encostos articulados para os braços!) por £ 329. Lá fora, Daniel, que dirige um clube cómico local, gaba as virtudes das prateleiras de DVD do Cash Converters «Vendem caixas da série dos Friends por £ 2, comprei o lote, o que significa que fiquei com todos os episódios dos Friends por £ 20».

E Roy, um cozinheiro local que trocou o seu estéreo por £ 60, diz-me que a caixa Freeview que ele arranjou por dez notas há quatro anos ainda funciona na perfeição.

Esta compra e venda e empréstimos é uma coisa que fazemos há milénios e as origens das casas de penhores podem ser seguidas a mais de 3.000 anos até aos chineses. A palavra penhores deriva da palavra latina pignus, que significa «garantia». A encarnação moderna do penhorista remonta à família Médici da Itália do século quinze. Os Médicis eram uma potência financeira dominante da época – metade deles trabalhava na banca, a outra metade nos penhores. O símbolo do penhorista – três esferas douradas suspensas duma barra, que ainda hoje subsistem penduradas no exterior das lojas – foi tirada do brasão da família Médici.

Hoje em dia muitos penhoristas acham que têm que agradecer ao eBay a recente viragem na sua sorte. O Web-site forneceu uma aura de respeitabilidade quanto a comprar e vender artigos em segunda mão. Encorajou-nos a ver dinheiro em coisas que já não queremos e a livrar-nos do estigma de sermos vistos a usar vestuário usado por outras pessoas. Podemos ver como o nosso pensamento mudou, quando termos como «recuperação» e «poupança» têm vindo a substituir gradualmente palavras como «segunda-mão», «indesejado» e «rejeitado».

Murray diz, «O eBay foi sem dúvida uma das coisas mais positivas para nós nos últimos anos. Há milhões de pessoas que antigamente nunca teriam pensado em comprar coisas em segunda mão mas que arranjaram algumas coisas no eBay e mudaram totalmente a sua maneira de pensar. Claro, o eBay é um concorrente, mas sem sombra de dúvida também fez muito para legalizar o mercado».

Em Agosto do ano passado Sharon Collard e David Hayes da Universidade de Bristol fizeram uma das primeiras peças de investigação a sério sobre a indústria dos penhores.
A maior parte das suas conclusões não foram lá muito surpreendentes.
Descobriram que cerca de dois terços dos clientes das casas de penhores eram mulheres com famílias jovens, a idade média do cliente andava pelos 39 anos, e a dimensão dos empréstimos andava por volta das £ 100. A maior parte eram pessoas de baixos rendimentos ou benefícios e quase todas precisavam de algum dinheiro para gastar durante a semana. Descobriram que o custo de pedir emprestado a um penhorista era alto, com juros anuais que variavam entre 70 a 200 por cento, mas curiosamente, parecia que muitos dos clientes não se importavam com isso.

«Mais de 70 por cento disseram que achavam que estavam a obter um preço justo dadas as circunstâncias», diz Milligan. «É preciso ver que são pessoas que não têm um bom risco de crédito e normalmente receberam uma recusa dos bancos, por isso conseguir algum crédito para eles é uma proeza».

Dado que muitos dos emprestadores on-line que actualmente anunciam na televisão têm taxas de juros anuais superiores a 2.689 por cento sobre os seus empréstimos, também destinados a pessoas que não conseguem obter crédito dos bancos, parece que empenhar artigos é uma forma mais lógica de obter dinheiro emprestado. Outra conclusão significativa foi que, embora muitas pessoas mais velhas ainda tenham problemas com o estigma da casa de penhores, parece que a geração mais nova está rapidamente a desembaraçar-se disso.

«Durante a depressão dos anos 30, havia uma casa de penhores praticamente em todas as esquinas e as pessoas eram forçadas a empenhar coisas só para poderem comer», diz Milligan. «Por isso a casa de penhores ficou associada na cabeça das pessoas a dificuldades e depressão. Os mais novos não têm esse conceito».

A investigação também revelou que se considera que o penhorista local ocupa um lugar especial na sociedade – desenvolvendo frequentemente uma forte ligação pessoal com o seu cliente. «Normalmente a mesma pessoa volta mais do que uma vez ao longo dos anos e por isso torna-se numa relação fortemente pessoal», diz Milligan. «É muito diferente da total falta de relação que as pessoas têm com os seus bancos».

Embora todos nós tenhamos aderido alegremente ao eBay, mantém-se o facto de que ainda há apenas uma pequena percentagem de pessoas que se atrevem a atravessar a porta do agiota local. «O estigma vai desaparecendo», conclui Milligan. «Suspeito que com o tempo acabaremos por encarar o penhorista apenas como mais uma forma de emprestar».

Portanto se a estação festiva lhe deixou uma grande pilha de presentes indesejáveis e uma conta no cartão de crédito ainda maior, o melhor é juntar tudo e ver-se livre disso na casa de penhores mais próxima.

Quem sabe: pode ser o início de uma longa relação pessoal.

N.T.
[
1] A Tesco é uma cadeia internacional de hipermercados baseada no Reino Unido.

* The Independent, diário britânico

Tradução de Margarida Ferreira

Texto em ODiário.info http://www.odiario.info/?p=1966

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