A luta do movimento comunista contra o oportunismo na Europa
A dimensão europeia do oportunismo contemporâneo e a luta do movimento comunista*
por Kostas Papadakis
Membro do CC do KKE e da Secção de Relações Internacionais
As recentes eleições europeias e as eleições nacionais consecutivas na Alemanha, Portugal e Grécia, provocaram um debate, que, se aprofundarmos os seus motivos, não é nada inocente. Um debate que se centraliza e que intenta reforçar a ideia de que, hoje em dia, os Partidos Comunistas já não fazem falta. A burguesia e os seus porta-vozes põem de novo em evidência a indiscutível opção de todos os Partidos Comunistas realmente marxistas-leninistas terem como objectivo estratégico a derrota do poder dos monopólios e a construção do socialismo-comunismo.
Os analistas burgueses “interpretam” os resultados eleitorais por forma a exercerem uma pressão ideológica e política sobre os Partidos Comunistas. Ao mesmo tempo, apresentam esta incorporação na estratégia do capital e nos organismos imperialistas como algo novo e renovador, difundindo uma variada propaganda da “nova esquerda”. Entretanto, aparecem de forma massiva formações que não constituem qualquer risco para o sistema capitalista e a plutocracia.
A nossa ideologia mostra o vínculo particular entre o imperialismo e a corrente política do oportunismo. A grande rentabilidade dos monopólios garante ao capital a possibilidade de subornar alguns sectores da classe trabalhadora, convencendo-os de que os seus interesses são os da burguesia.
A formação de uma “aristocracia operária” constitui a base social de classe da corrente política do oportunismo. Esta especial conexão entre o desenvolvimento dos monopólios e o oportunismo impõe-nos novas tarefas políticas concretas, pois não se pode falar de luta política consequente que não implique a luta contra o oportunismo, em todas as suas formas. Não importa argumentar que os principais agentes do oportunismo têm pouca força enquanto os resultados da sua mistificação do povo beneficiar de várias formas a burguesia. Em condições de crise capitalista, as forças oportunistas e os seus partidos servem de válvula de escape do sistema político burguês. São uma alternativa aos principais partidos do capital “recomendada” e, por isso, favorecida , sem que envolva qualquer tipo de conflito com o poder do capital. Em condições de pressão para a adaptação, de dilemas vários e da expansão da ideia do “mal menor”, tornam-se muito úteis à burguesia, consoante o “espaço” que, em cada país, lhes seja deixado pela socialdemocracia.
Dois campos: Confrontação versus Assimilação
O dilema entre confrontação e assimilação torna-se cada vez mais premente. Esta é a questão central para os Partidos Comunistas, quer dizer, se o programa, as linhas de acção, as declarações, os objectivos e as reivindicações dos Partidos Comunistas confrontam o problema central de cada país, que é o de “que classe está no poder”, e se construirão, com a luta de classes diária, a única saída do sistema capitalista, que é a revolução socialista.
Precisamente com as eleições europeias veio ao de cima uma contradição já em curso sobre a orientação do Movimento Comunista Internacional (MCI).
Nestas eleições encontrou-se, por um lado, a estratégia de incorporação nos objetivos do grande capital no contexto da UE, como base para o abandono da teoria marxista-leninista, a mutação e a socialdemocratização dos Partidos Comunistas. O Partido da Esquerda Europeia (PEE) é uma ferramenta para a construção deste polo de oportunismo na Europa.
No outro lado, encontram-se as forças de confrontação com o imperialismo, a UE, a estratégia do capital: são os Partidos Comunistas e Operários, que consideram que a luta pelo socialismo é indiscutível e não se submetem às directivas do capital. Estes partidos, apesar de ainda estarem em processo de reflexão sobre as causas da queda do bloco soviético,questionam um poder diferente, defendem de acordo com os seus princípios, o socialismo que temos conhecido,crêem no socialismo e promovem-no como objectivo estratégico.
A colaboração e o comunicado conjunto de 21 Partidos Comunistas e Operários, as iniciativas pré- eleitorais que levaram a cabo, sublinhando o direito de cada povo a escolher a sua própria via de desenvolvimento e, em certos casos, o direito de divergir. Destacaram o carácter imperialista da UE, assim como o problema fundamental, o poder dos monopólios que é o problema fundamental de todos os países.
Pelo contrário, o PEE lutou pela incorporação das forças populares no sistema capitalista, no imperialismo, na UE e na estratégia do capital, inclusivé nas eleições europeias. Em particular, o seu papel é o de arrastar, principalmente os Partidos Comunistas, para a aceitação da via única da UE, a construção de obstáculos à acção dos partidos revolucionários como o KKE, de caluniar as suas posições políticas.
Uma operação com um precedente histórico
Historicamente, já haviam sido criadas as condições prévias para o desenvolvimento desta operação contra os Partidos Comunistas. Já há décadas que na Europa o movimento comunista sofre uma crise muito profunda. Já há décadas que a corrente oportunista, o eurocomunismo, dominava no Movimento Comunista Europeu, mesmo antes da derrocada contrarrevolucionária.
Alguns Partidos Comunistas dissolveram-se ou foram assimilados por outras formações políticas, ou, inclusivamente mantiveram o nome de comunistas mas renegaram o socialismo que conhecemos no século XX. Negaram o seu carácter operário e a sua missão, negaram a sua ideologia comunista. Deixaram de ser a vanguarda ideológica e política da classe operária e renunciaram à luta de classes. Seguiram a estratégia do capital e da colaboração de classes, destruindo os laços que anteriormente mantinham com a classe operária do seu país. E os laços que restaram mostraram-se muito úteis à burguesia, na última década.
De imediato, aqueles Partidos Comunistas receberam propostas da burguesia do seu país para colaborarem com a socialdemocracia, em governos de gestão do capitalismo (como, por exemplo, em França, Itália e Espanha). Naquela altura, foi imperioso para o capital “comprar” mais tempo, já que era evidente que as ideias de bem estar social para todos e de paz eterna que acompanharam a destruição do socialismo constituíram uma mentira. Por isso, o papel dos Partidos Comunistas foi realmente útil para o capital, prestando-lhe preciosos serviços em países motores da Europa capitalista, que ajudariam à aprovação de reestruturações capitalistas de importância estratégica, com o maior consenso popular possível. Como resultado da participação de Partidos Comunistas em governos burgueses, alguns comunistas adulterados chegaram a liderar, a partir de postos de responsabilidade governamental, a aplicação destas reestruturações, impostas pelas necessidades do capital e previstas no Tratado de Maastricht, nas directivas antipopulares da UE e na Estratégia de Lisboa.
Na guerra da Juguslávia, foram esses mesmos Partidos Comunistas que mancharam as suas mãos com o sangue dos povos, participando em governos de coalisão com os socialdemocratas e facilitando os bombardeamentos do povo juguslavo.
Consequentemente, “a corrente inovadora e de esperança que dominava a Europa” rapidamente perdeu a sua auréola. A bancarrota ideológica e política do Partido Comunista Francês, assim como a perda de prestígio dos Partidos Comunistas que saíram do Partido Comunista de Itália ou do Partido Comunista de Espanha tiveram expressão também nas suas grandes perdas eleitorais, o que referimos porque, noutras alturas, o seu grande poder eleitoral tinha sido interpretado como confirmação da sua política.
Todos os Partidos Comunistas que quiseram seguir o exemplo dos Partidos Comunistas de França e de Espanha sufreram o mesmo efeito negativo na sua orientação e nas suas características comunistas. E quando esta fase terminou, tanto para aqueles Partidos Comunistas como para outros, que consideravam os primeiros como protótipos, não resultou nada de útil do ponto de vista de classe.
Um novo instrumento da socialdemocracia
Estes Partidos Comunistas foram deitados fora, como lixo, pelas classes dirigentes dos seus países. Mas era preciso encontrar rapidamente um substituto, o que não tardou muito a acontecer. De qualquer forma, os partidos oportunistas da chamada “esquerda” não surgiram de repente. Durante todos estes anos haviam tido um papel destacado nos acontecimentos que levaram o movimento comunista a uma situação ainda mais desfavorável.
Após a derrota, alguns grupos oportunistas tentaram causar danos aos Partidos Comunistas, utilizando conceitos como “a unidade da esquerda”, a promoção da ilusão de que uma parte da socialdemocracia era “de esquerda e a favor do povo”, assim como a ideia da participação em governos burgueses. Estas forças tiveram um impacto político-ideológico nos Partidos Comunistas, reproduzindo a ideologia burguesa e as suas alterações pequeno-burguesas, escondidas por trás do conceito de “uma esquerda diferente”.
A tendência de socialdemocratização dos Partidos Comunistas aumentou sob a influência dos mecanismos imperialistas e dos meios de comunicação burgueses. Para isso muito contribuíu a campanha anticomunista organizada, que logo se constatou ter uma importância estratégica para o capital no seu confronto de classe com o movimento comunista e operário.
PEE - Um factor de mutação dos partidos comunistas
A transformação e o percurso do PEE, em que participa activamente o Synaspismos (SYN),confirma a avaliação do XVIII Congresso do KKE, segundo a qual “ele é, desde a sua fundação, um elemento institucional da UE e um factor de coordenação do esforço para a mutação do carácter dos Partidos que mantêm o título de comunistas, ou mantêm, mesmo que superficialmente, uns restos das suas cqaracterísticas”i.
O PEE, como centro do oportunismo em toda a Europa, utiliza o conflito interno de alguns Partidos Comunistas, entre a linha de ruptura revolucionária com o imperialismo e a da assimilação, tenta agrupar todos os Partidos Comunistas que se comprometem com a política e a ideologia burguesas. Por isso utiliza de forma adequada os vazios, as debilidades e os atrasos na elaboração de uma estratégia revolucionária nas condições actuais, com que se debatem alguns Partidos Comunistas. Tenta influenciar a formulação do carácter e do percurso actual dos Partidos Comunistas, alterando a sua percepção do socialismo, com o objectivo de que se integrem na corrente oportunista e na colaboração de classes. Quer integrar a argumentação anticomunista no pensamento dos Partidos Comunistas, referindo, por exemplo, Stalin - quer dizer, o período em que se consolidaram os alicerces da construção socialista na URSS.
Simultâneamente, o PEE tenta intervir também fora das fronteiras da UE. Com o apoio económico da UE e com uma rede de ONG, das quais se destaca a fundação “Rosa Luxemburgo”, que pertence à “esquerda” alemã, o PEE montou centros de estudo e de promoção de posições teóricas do oportunismo em alguns países como Polónia, Rússia, Brasil, México, África do Sul, Israel, Palestina, Vietname e, recentemente, na Índiaii. Com a sua intervenção apoia as forças oportunistas e o seu papel negativo no movimento comunista internacional.
PEE – Força para a colaboração de classes no movimento operário sindical
As forças do PEE apoiaram a colaboração de classes, a conciliação, o sindicalismo patronal e o compromisso, inclusive no movimento operário. Enquanto o capital se torna cada vez mais agressivo, a coberto das condições de crise, as forças do PEE, como o “Die Linke” (esquerda) na Alemanha, ou o “Bloco de Esquerda” em Portugal, encarregaram-se de travar toda a organização operária sindicalista com reivindicações radicais. Durante o Verão, quadros sindicalistas propuseram cortes de salários e de horários e despedimentos, supostamente para que as multinacionais se recuperassem. No estado de Berlim, com o apoio dos sindicalistas amarelos, a sua colaboração governamental com a socialdemocracia anunciou o congelamento dos salários e os aumentos dos horários para os funcionários públicos, baixando desta forma ainda mais o preço da força de trabalho.
Dito de outra forma, deixam os funcionários e os operários indefesos perante a reivindicação patronal de flexibilidade e de diminuição do preço da força de trabalho. Difundem a ideia de que através de “novas” propostas de adaptação dos trabalhadores é possível satisfazer a “sede de novas ganâncias” dos capitalistas e evitar as consequências da crise para os trabalhadores. Efectivamente, o resultado é a adopção da exploração capitalista na sua forma superior.
A sua posição agressiva face ao movimento sindical de classe, a sua tentativa de travar todas as exigências frente ao patronato, expressa-se de diversas formas, seja constituindo comissões de empresa totalmente controladas pelos patrões (como na Alemanha), seja criando centrais sindicais manipuladas pela socialdemocracia, com o conceito de colaboração de classes. Em grandes greves, por exemplo no ramo da indústria automóvel, funcionaram como “quinta coluna” (Wolkswagen em Portugal, Continental na Alemanha, etc.).
Declaração de concordância com o imperialismo
A declaração do PEE para as eleições europeias não deixa nenhuma dúvida sobre o seu objectivo: “À luz da crise actual, a Esquerda Europeia é chamada a desempenhar um papel efectivo que dê lugar a uma acção política comum contra a hegemonia política e cultural da direita. As políticas neoliberais na UE foram possíveis, entre outras razões, porque se deu uma espécie de Grande Coalisão entre os partidos das forças conservadoras da Europa e os Socialistas europeus. Este consenso é uma das razões da crise política que existe na forma como a Europa funciona e cria grandes contradições no interior dos partidos socialdemocratas.”iii
Na sua plataforma eleitoral, o PEE não refere o tema do poder dos monopólios. Quer dizer, oculta-se o problema político básico, ao mesmo tempo que se iliba a UE do seu carácter imperialista. O socialismo nem sequer é referido no texto, o que significa, desde logo, que os Partidos Comunistas que assinam a declaração juntamente com os oportunistas, renunciam ou sofrem pressões para renunciar à sua missão principal, determinada pelo seu próprio carácter, limitam ou forçam-se a limitar a sua estratégia face ao sistema de exploração.
Entretanto, ocultam-se as contradições fundamentais, as leis que regem a produção capitalista. A gestão neoliberal do capitalismo aparece como causa tanto da crise como das reformas capitalistas. Além disso, a declaração do PEE faz uma apreciação... “profunda”: “O mundo foi arrastado para esta crise global pela política hegemónica dos Estados Unidos, em especial pela Administração Bush”iv. A crise do sistema capitalista parece resultado da função “descontrolada” do sistema financeiro e a crise na UE resultado da sua “dependência dos Estados Unidos”, tal como se afirma enganosamente nesta declaração.
Também esconde que a dependência entre vários centros imperialistas é um risco do capitalismo na sua fase imperialista, tal como a exportação de capital, o entrelaçamento, na composição do capital, de sectores juntos em diversos mercados. E esconde-se o fundamental, que é dizer que se trata de uma crise de sobreprodução do próprio sistema capitalista, que, por sua vez, se deve à relação exploradora da força de trabalho pelo capital.
Não há nenhum ponto de clara confrontação com as organizações imperialistas e sobretudo com a UE; pelo contrário, assume-se deliberadamente que “a UE está numa encruzilhada” entre rechaçar a gestão neoliberal ou não, entre optar por um caminho popular ou antipopular. Tenta esconder que a UE é uma união interestadual europeia do domínio do capital; portanto, não se pode mudar, só se pode combater através do movimento operário, tal como o poder dos monopólios em cada estado membro da UE. A gestão neoliberal ou socialdemocrata do capitalismo, as distinções obsoletas de décadas anteriores, “como esquerda e direita” , que, na prática, apoiam a alternativa bipartidária e bipolar, o papel enganoso da socialdemocracia na manipulação das massas trabalhadoras e populares e escondem a linha divisória mínima que pode separar os monopólios da maioria popular. Perante este conflito, cada partido tem que tomar posição e os Partidos comunistas são aqueles que, pelo seu próprio carácter, se posicionam contra os monopólios e a favor da aliaqnça popular da classe operária com os pequenos e médios agricultores, os pequenos comerciantes e os independentes.
A consigna central da declaração do PEE “as pessoas antes dos lucros” não tem sentido de classe. Segundo esta consigna, tem-se por adquirido que haverá benefícios capitalistas, alimentando ilusões de que, de vez em quando, se podem satisfazer as necessidades populares. Ao mesmo tempo alimentam-se ilusões socialdemocratas sobre uma “redistribuição justa”, enquanto o poder está nas mãos do capital.
Na declaração do PEE expressa-se também a preocupação sobre o “crescimento do conflito entre o interesse europeu pela segurança e a estratégia das intervenções militares e da expansão da NATO (…) Teremos que sublinhar o seu papel negativo, não só em termos militares, como também em termos políticos, de acordo com os interesses americanos na Europa (…) A NATO prosseguiu e desenvolveu-se como uma ferramenta operativa dos governos dos EUA e das suas estratégias hegemónicas”v. Dentro de pouco tempo absolver-se-á a UE e apresentar-se-á como contrapeso aos EUA. Está a promover-se a ideia de que a NATO pode mudar uma vez que se liberte da “hegemonia americana”.Na declaração do PEE explana-se que “...a UE tem de ser aberta à participação de todos os humanos porque senão não há futuro”, o que proporciona um a posição conciliadora entre a UE e a NATO.
Oculta-se, assim, o carácter dos centros de ataque contra os povos, independentemente da correlação entre si e do antagonismo interimperialista.
As posições da plataforma eleitoral do PEE sobre a reforma ou a democratização do Banco Central Europeu seguem na mesma direcção. “Criticamos os objectivos e as actuais políticas do Banco Central Europeu (BCE), a sua absoluta independência de qualquer forma de orientação política e a falta de transparência das suas decisões e actuações (…). O papel do BCE deve mudar , de acordo com os critérios de desenvolvimento social e do emprego, assim como do desenvolvimento ambiental, através de uma diminuição selectiva dos lucros. O BCE deve submeter-se ao controle público e democrático, pelo que os seus estatutos devem ser alterados.”vi
As suas posições sobre o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional “...para a revisão dos Programas de Ajuste Estrutural do BM e do FMI”vii são semelhantes.
Para tanto, o oportunismo “baptiza” de potencialmente populares todas as ferramentas estratégicas para a expoliação dos povos. Trata-se de uma tentativa consciente de logro, que aponta para a aceitação e legitimidade das ditas medidas na consciência popular. Esta posição do PEE face às organizações imperialistas promove o cosmopolitismo do capital, no conceito de uma “Europa cosmopolita”.
Falando da União Euromediterrânica, o espírito da posição do PEE é similar. “Um processo democrático e transparente para iniciar uma relação entre os países do Norte e do Sul do Mediterrâneo. Este é o único caminho para evitar que o ambicioso projecto político que é a União Mediterrânica se converta numa estrutura política de desigualdade”viii. Quer dizer que o PEE defende a existência de uma União Euromediterrânica a favor dos povos, enquanto no seu seio dominam estados capitalistas competidores, como a França e a Alemanha. Não é por acaso que os organismos internacionais imperialistas se apresentam perante o PEE sem o seu carácter de classe, como organismos comerciais e de colaboração internacional “neutrais”, que só tomaram algumas decisões por engano, que, sem problemas, podem ser retiradas e substituídas por outras que sejam populares. Esta posição do PEE quanto aos organismos imperialistas promove o cosmopolitismo do capital no âmbito de uma “Europa cosmopolita”ix.
O mesmo se passa quanto à referência do PEE à OSCE. “Mais do que nunca a segurança europeia deve basear-se em princípios de paz e segurança, desarmamento e impossibilidade estrutural de assalto, pela solução política e civil através da OSCE”x. A OSCE apresenta-se como “pomba da paz”.
Pelo contrário, trata-se de um organismo imperialista que reconheceu o pseudo-estado do Kosovo, alargando a política de intervenção imperialista e a dissolução dos Balcãs. Permaneceu mudo durante o massacre da Faixa de Gaza imposto pelas forças israelitas durante semanas. Um mês depois das eleições europeias, a assembleia parlamentar da OSCE confirmou o seu papel reaccionário, aprovando a vergonhosa resolução anticomunista. Apesar disso, o PEE não se perturbou com a acção anticomunista da OSCE, que não só não condenou, como adoptou toda a argumentação anticomunista, proporcionando um alibi “de esquerda” à histeria anticomunista. Cabe aqui assinalar que, no texto do PEE, refere-se a campanha anticomunista juntamente com muitas outras coisas, entre elas a “luta contra a homofobia”.
Quanto ao tratado de Lisboa e de Maastricht, é patente que não são condenados na sua totalidade; apenas, para desorientar, se criticam umas cláusulas, enquanto a totalidade do seu conteúdo reaccionário e a sua importância estratégica para as necessidades do grande capital ficam na obscuridade. De qualquer forma, esta táctica de criticar somente algumas cláusulas contribuíu significativamente para a desorientação do povo irlandês, uma vez que referia que somente algumas cláusulas do Tratado de Lisboa eram problemáticas e, com umas modificações – que, na sua essência, não afectam o seu carácter antipopular – teriam de dizer “SIM”; e foram obrigados a fazê-lo com um segundo referendo.Com tais posições, o PEE ajudava os imperialistas Europeus e minava a luta do povo irlandês para uma segunda derrota do Eurotratado.
Iniciativa para uma plataforma da GUE/EVN
Deve mencionar-se agora que, além do PEE, também a GUE/EVN, grupo técnico confederal do Parlamento Europeu, publicou uma plataforma eleitoral para as eleições europeias e adoptou a sua própria declaração, como acontece desde 1999. Sublinhe-se que esta declaração se opõe ao carácter da GUE, já que converte a cooperação técnica no seio do Parlamento Europeu em cooperação política e de orientações programáticas e que obrigam os seus subscritores a defendê-las tanto no seu país como no resto da Europa.Também não é por acaso que este texto se apresentou em vários países como um texto de cooperação de Partidos Comunistas com partidos da “nova esquerda”.
É claro que o KKE não assinou a Declaração, cujo conteúdo político segue na linha da incorporação e de enganosa humanização e já o temos apresentado de forma crítica.Nesta declaração omite-se que as reformas capitalistas promovidas pela UE não são simplesmente resoluções de governos neoliberais, antes expressam a necessidade profunda do capital reforçar a rentabilidade capitalista e, portanto, é necessária a ruptura e a derrota a nível do poder.
Formações auxiliares e reservas para a socialdemocracia
Por uma coincidência temporal, no espaço de duas semanas houve eleições em três países onde, nos últimos anos, se formaram partidos da “nova esquerda” (Alemanha - “Die Linke”, Portugal - “Bloco de Esquerda”, Grécia – SYN/SYRIZA). Apesar de algumas diferenças entre eles, a sua orientação geral coincide com a do PEE, tal como foi descrita anteriormente. A quantidade da retórica pseudo- revolucionária das citadas formações é determinada pelas condições particulares de cada país e, primordialmente, pelo impacto do Partido Comunista e da frente de luta contra ele.
Além disso, há que ter em conta que, nas eleições na Alemanha e em Portugal, as forças oportunistas defrontavam uma socialdemocracia em retrocesso, que, afinal, sofreu uma derrota grave na Alemanha e um dano importante em Portugal. As grandes percentagens do “Die Linke” na Alemanha e do “Bloco de Esquerda” em Portugal foram demasiado extremadas pelos meios de comunicação burgueses. E esta apresentação exagerada demonstra que, nas condições em que os partidos socialdemocratas, base do sistema político burguês, enfrentam dificuldades em dominar consciências de forma eficaz como o faziam antes, sentem-se seguros tendo esta reserva nas suas mãos.
Em condições de crise, tal tipo de reserva é útil, independentemente de saber se o capital as vai utilizar ou não para formar governo, porque ajudam a travar o movimento operário e popular, promover as reformas e reforçar mais facilmente a rentabilidade do capital em fase de revitalização.
Os partidos tipo PEE, como o “Die Linke”, da Alemanha, funcionam como o espaço mais seguro de reserva e de renovação de forças para a socialdemocracia. O espaço do oportunismo que é adjacente à socialdemocracia comporta facilmente forças que ainda têm esperança na socialdemocracia, que mantém a ilusão da sua futura renovação, depois de ser “castigada” com perdas eleitorais.
Formações “ de esquerda” como pressão oportunista sobre os partidos comunistas
As principais forças que se juntam aos partidos oportunistas consistem, basicamente, em sectores pequeno-burgueses e quadros médios que antevêem a deterioração da sua posição de classe num futuro próximo e querem evitá-la negociando, sem qualquer intenção de uma derrota mais profunda.
Os sectores com estas características afectam as forças trabalhadoras populares e, sobretudo, a juventude, que tem pouca experiência social.
Objectivamente, os partidos deste tipo têm uma capacidade limitada de afectar as forças verdadeiramente populares e trabalhadoras, de conquistar para a radicalização a parte da classe operária que desempenha o papel de vanguarda. Estas limitações provêm da própria base social do oportunismo e do facto de não serem partidos que vão substituir os partidos do poder, ainda que queiram melhorar a sua posição no seio do sistema político burguês.
Os partidos da “nova esquerda” tentam atingir o representante político do movimento operário, quer dizer, o Partido Comunista, independentenente da sua influência eleitoral.
Em nome do “partido operário” e invocando a sua procedência ex-comunista, apresentam-se como uma versão diferente do Partido Comunista. Promovem a política socialdemocrata utilizando um vocabulário “de esquerda, comunista” e apresentam-se como os partidos que expressam os interesses do movimento operário. Substituem os Partidos Comunistas que apenas se intitulam comunistas, enquanto exercem pressão sobre os Partidos Comunistas que seguem uma linha revolucionária. O seu impacto deve ser analisado não só pelas percentagens eleitorais e as forças que englobam, mas também pelo seu papel em dificultar a radicalização e o aprofundamento da consciência política face à emancipação.
Hoje em dia é necessário combater o oportunismo que cresce nas fileiras de alguns Partidos Comunistas. Não chega defender o nome comunista e os símbolos para impedir a mutação. A sua defesa deve ser acompanhada por uma luta incessante pela elaboração de uma estratégia revolucionária, para o que é necessário que estejam conscientes de que a luta eficaz contra o oportunismo implica uma estratégia clara que tenha como objectivo o socialismo, avaliando através do marxismo-leninismo a construção socialista do sec. XX e defendendo a sua contribuição, sem escamotear os seus erros. A experiência tem demonstrado que o compromisso e a negociação com o oportunismo levam ao abandono dos princípios e à renúncia da luta pelo socialismo.
Por isso, as instituições burguesas apoiam sistematicamente o oportunismo, juntamente com o anticomunismo exercido pelos meios de comunicação, para marginalizar os Partidos Comunistas consequentes e travar a sua dinâmica na luta para enfrentar e desestabilizar o poder burguês.
Apesar do fortalecimento eleitoral de partidos como o “Die Linke”, na Alemanha, e o “Bloco”, em Portugal, o objectivo é submeter os Partidos Comunistas a uma estratégia de assimilação. Sobretudo na Alemanha o “Die Linke” tem uma importância com dimensões europeias, visto que para o enfrentar não há um Partido Comunista forte. Pouco depois das eleições, o seu papel real confirmou- se, já que, além da cooperação governamental com a socialdemocracia no estado de Berlim, depois das eleições expressou a sua vontade de colaborar tanto a nível estadual como federal.
Apesar do aumento fictício das percentagens de SYN/SYRIZA até aos 20% nas sondagens, exercia-se uma grande pressão sobre o KKE na lógica de uma “grande tendência maioritária de esquerdas que estava a formar-se”, com o objectivo de indicar uma solução governamental com um perfil popular, mas sem tocar no poder do capital.
Nesta perspectiva, os resultados eleitorais de “todos os partidos da esquerda” foram somados e apresentaram-se como a “percentagem da esquerda”. Este objectivo encontrou um terreno fértil, dado que alguns Partidos Comunistas tinham abrandado a sua luta contra o oportunismo. A “preocupação” pelo “resultado total da esquerda” liga-se à “preocupação” do aumento do impacto eleitoral do KKE, com o fim de abandonar a sua firme linha antimonopolista e anti-imperialista de alianças e a estratégia para o socialismo.
Em Portugal e Itália existem pressões semelhantes. No Verão, a Refundação Comunista, juntamente com o Partido dos Comunistas Italianos e um grupo socialdemocrata chegaram à fundação da chamada “federação esquerda alternativa”. Todos os processos se orientam para a destruição progressiva dos Partidos Comunistas e a sua fusão numa “aliança de esquerdas” e a formação de um partido tipo “Die Linke” da Alemanha.
Apesar de toda a reserva possível sobre o resultado destes acontecimentos, já que há forças que manifestam a necessidade de defender a sua identidade comunista e estabelecem como cláusula essencial a preservação do Partido Comunista, a situação no país vizinho é preocupante.
Num comentário sobre as eleições europeias, num diário italiano, Grassi e Sterri, quadros da Refundação Comunista, escrevem: “Propomos uma aliança para uma resposta eficaz à crise capitalista, de conflito social e de protecção da classe operária (…) além disso, confirmamos que o guião europeu oferece umas quantas soluções impossíveis para a coexistência da esquerda. Não falamos necessariamente de um só partido, mas sim da coexistência de diversas formações. Sem dúvida que a diferenciação relativamente às políticas neoliberais tem de ser clara. E é neste ponto que vemos a renovação essencial do Partido Democrático”xi.
Não há forma mais clara de descrever que, a partir do momento em que os comunistas diminuem a polémica e o conflito com o oportunismo, seguindo na senda da “coexistência” com ele, seja no âmbito do mesmo partido, seja em cooperação com o seu representante político organizado, chega necessariamente à traição dos seus princípios comunistas e não lhe resta outro caminho senão o da socialdemocratização. As percentagens elevadas não são prova de uma política a favor do povo. Está demonstrado que forças burguesas e oportunistas podem ter o apoio e o consenso da classe operária e dos sectores populares pobres que não se aperceberam da sua posição de classe, do carácter explorador do imperialismo e da necessidade de lutar pelo poder.
As forças oportunistas na Europa e noutros pontos do mundo aproveitam-se das debilidades do movimento comunista e exploram a fraqueza da sua frente político-ideológica e da sua insuficiente luta contra as forças do oportunismo. Aproveitam-se dos problemas dos Partidos Comunistas quanto à sua estratégia e táctica, das suas débeis ligações à classe operária, aos sectores populares e à juventude (por exemplo, na Alemanha). Toda a colaboração ou apoio a estes partidos terá consequências catastróficas para os Partidos Comunistas. E, por outro lado, o envolvimento destes últimos com linhas antiquadas de décadas passadas que reproduzem a ideia da “esquerda”, na realidade servem os partidos tipo PEE.
Passos na luta comum dos partidos comunistas contra o oportunismo
Não pode haver nem tolerância nem coexistência por parte dos comunistas com o oportunismo e a socialdemocracia. O movimento comunista deve reforçar a sua frente ideológica contra o ataque que tem como objectivo a sua suposta adaptação contemporânea, através da destruição das “ideias comunistas sobre o socialismo real”, etc. Para tanto, é necessário reforçar a sua luta contra o oportunismo, o PEE e as suas forças em cada país.
Na base desta discussão está um passo positivo: a Declaração conjunta de 21 Partidos Comunistas e Operários de países da UE para as eleições europeias de Junho de 2009. Esta declaração expressava as posições comuns quanto ao carácter da UE e ao conteúdo do conflito que deve ter lugar em toda aEuropa.
Além disso, naquela altura, o Partido Comunista Húngaro abandonou o PEE, o que constituíu um facto positivo.Como escreveu na sua carta: “Estamos convencidos de que não necessitamos de uma nova cultura política europeia, mas de uma consequente luta contra o capitalismo, pelos direitos das massas trabalhadoras. Não temos só de criticar o capitalismo, mas também temos que organizar a luta diária das massas trabalhadoras. Queremos acabar com o capitalismo, a Esquerda Europeia quer melhorá-lo (…) Temos tentado influenciar e mudar estes processos, mas temos que reconhecer que é impossível.
A linha política da maioria dos partidos membros do PEE e do próprio PEE vão numa direcção que viola os interesses básicos da classe operária, do movimento comunista internacional (…) Pensamos que o revisionismo e o oportunismo são agora o maior perigo que ameaça o movimento comunista. É mau que sejamos pobres e é mau que não tenhamos dinheiro, mas perderemos tudo se abandonarmos a nossa convicção ideológica, se abandonarmos o marxismo-leninismo”xii.
Hoje, muito mais do que antes, é necessário mostrar que a participação no PEE é incompatível com o cumprimento da missão revolucionária de um Partido Comunista: organizar a classe operária na direcção do confronto com o poder burguês.
A acção comum, a solidariedade e a coordenação desenvolvida nos meses anteriores pelos Partidos Comunistas e Operários da Europa é um grande passo. Contribui para a orientação do desenvolvimento do movimento comunista em cada país, para que se reforce a acção dos comunistas em condições de grande ataque político-ideológico e de puro anticomunismo.
Isto ficou também provado no caso da dura e difícil batalha em que esteve envolvido o povo irlandês no recente referendo, em que, apesar do “SIM” final, uma grande parte do povo irlandês, 33%, votou “NÃO” e expressou-se como força de resistência. O apelo à solidariedade com o povo irlandês feito pelos Partidos Comunistas e Operários, revelou a necessidade de derrotar o Tratado Europeu e combater a posição do PEE e dos seus colaboradores ao afirmarem que poderia haver uma versão do Tratado Europeu a favor do povo.
É evidente que a UE, no seu recente referendo, não se limitou apenas ao “SIM” ou ao “NÃO” ao Tratado Europeu - pôs no centro da sua propaganda toda a sua estratégia. Tornou claro ao povo irlandês que o “NÃO” ao Tratado Europeu era um “NÃO” à UE. Então, quando o inimigo utiliza toda a sua estratégia, os comunistas devem opor a sua própria estratégia e revelar o carácter imperialista da UE, serventuária dos monopólios e a necessidade de derrotá-la. Têm que criar uma frente ideológica e política contra as forças que procuram apenas pequenos ajustes, que, mais tarde ou mais cedo, levam as forças radicais à desmobilização e as forças populares à desilusão e ao consenso.
Na Grécia, o KKE enfrenta coerentemente o SYN/SYRIZA, o PEE e as demais forças do oportunismo.
A sua estratégia bem elaborada e a recente resolução sobre o socialismo são uma bússula infalível, uma garqantia para que não surtam efeito as diversas manobras tanto dos burgueses como dos oportunistas. Por isso a força e a resistência do KKE não é uma coincidência.
Hoje em dia, o movimento comunista internacional tem que tirar as conclusões necessárias e generalizar a experiência positiva e negativa de décadas de confrontação com o oportunismo. Para que a luta tenha profundidade, continuidade e perspectiva é imprescindível a elaboração de uma estratégia revolucionária comum dos Partidos Comunistas contra o imperialismo.
Num futuro próximo, o KKE, juntamente com outros Partidos Comunistas, será capaz de dar passos decisivos nesta direcção.
* Artigo publicado no n.º 6 da revista teórica do KKE “Revista Comunista”, em 2009.
i “XVIII Congresso do KKE, Documentos”, publicação do CC do KKE, pg. 297.
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ii Ver o sítio da rede “Fundação Rosa Luxembourg” , www.rosalux.de.
iii Plataforma Eleitoral – 2009, “Todos juntos para a mudança na Europa!”
iv Plataforma Eleitoral – 2009, “Todos juntos para a mudança na Europa!”
v Plataforma Eleitoral – 2009, “Todos juntos para a mudança na Europa!”
vi Plataforma Eleitoral – 2009, “Todos juntos para a mudança na Europa!”
vii Plataforma Eleitoral – 2009, “Todos juntos para a mudança na Europa!”
viii Plataforma Eleitoral – 2009, “Todos juntos para a mudança na Europa!”
ix Plataforma Eleitoral – 2009, “Todos juntos para a mudança na Europa!”
x Plataforma Eleitoral – 2009, “Todos juntos para a mudança na Europa!”
xi Jornal “O Manifesto”, 6 de outubro de 2009.
xii Declaração do Partido Comunista dos Trabalhadores Húngaros, sobre a sua saída do PEE
Texto original em www.pelosocialismo.net
Veja Blog completo do Mafarrico em http://www.mafarricovermelho.blogspot.com/
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