EUA: Messianismo imperialista

Obama e o messianismo imperialista
Por Miguel Urbano Rodrigues

O discurso de Obama sobre o Estado da União desencadeou na Europa uma torrente de elogios.

Portugal não foi excepção. Nos canais de televisão, nas rádios, e nos jornais os analistas da burguesia reagiram com entusiasmo à fala do presidente dos EUA. Identificam em Barack Obama o estadista providencial que ao leme da Casa Branca vai salvar a humanidade. Registam que foi interrompido 75 vezes pelos aplausos dos congressistas e que o esboço da sua nova estratégia impressionou favoravelmente a oposição.

É compreensível a satisfação dos republicanos que dispõem agora de maioria na Câmara dos Representantes. E também os elogios dos magnatas de Wall Street e das grandes empresa. O discurso de Barack Obama assinalou uma acentuada guinada à direita da sua política. O balanço e as promessas do presidente justificam o temor de que na segunda metade do seu mandato não somente renuncie aos projectos sociais de matiz humanista que geraram esperança em milhões de estadounidenses como favoreça mais ostensivamente o capital financeiro e radicalize uma política externa marcada pela agressividade e a ambição de hegemonia planetária.

Despojado da sua retórica populista, o que sobra do discurso presidencial – um exercício de hipocrisia – de uma hora sobre o Estado da União?

Cito alguns itens importantes:
  • Propõe-se a manter a «liderança que fez dos EUA não somente um ponto no mapa, mas a luz do mundo» (sublinhado nosso).
  •  Euforia porque «a bolsa se recuperou com fervor e os lucros das grandes empresas são mais elevados».
  • O desejo de «fazer dos EUA o melhor lugar do mundo para negócios».
  • Muita preocupação por a China ter construído «o mais rápido computador do mundo» e fabricar «comboios mais rápidos» do que os americanos.
  • Temor do desenvolvimento económico da Índia e da China.
  • Intenção de reduzir os impostos pagos pelas grandes empresas.

Escalada de agressões no mundo

O conceito dos EUA como «luz do mundo» retoma o mito da nação predestinada, a única capaz de salvar a humanidade.

Obama, na síntese do que se fez e não fez no terreno da política internacional clarifica bem esse conceito ao manifestar orgulho pela missão cumprida no Iraque «onde quase 100 000 dos nossos homens e mulheres saíram com a cabeça erguida». Omitiu obviamente que dezenas de milhares de soldados americanos continuam a ocupar aquele país saqueado e vandalizado.
Aliás, no mesmo dia em que pronunciava o seu discurso mais de 50 iraquianos morriam em Bagdad em consequência da explosão de uma bomba. Nas vésperas morreram outros tantos. Imagens da pax americana.

Orgulho idêntico expressa pelo rumo das coisas no Afeganistão, uma das prioridades da sua política externa, país agredido onde um exército de mais de 100 000 soldados e mercenários americanos (apoiado por 60 000 da NATO) travam uma guerra genocida responsável pela morte de dezenas de milhares de civis afegãos.

É de satisfação igualmente o sentimento do presidente por «termos revitalizado a NATO e aumentado a nossa cooperação em tudo, desde o antiterrorismo à defesa antimíssil».
Traduzido para linguagem comum, que não distorça a realidade, Obama alegra-se por o novo conceito estratégico da NATO lhe permitir actuar em escala planetária onde e quando Washington quiser. Militarizar o espaço sob hegemonia norte-americana é para ele outro objectivo que encara como projecto merecedor da gratidão dos seus compatriotas.

Não falou das sete novas bases que os EUA vão instalar na Colômbia nem da presença da IV Frota da US NAVY em águas sul-americanas, repudiada pelos povos da Região.

Anunciou para Março deste ano viagens ao Brasil, ao Chile e a El Salvador para «forjar novas alianças em todo o continente americano», mas não esclareceu que tipo de alianças, expressando, porém satisfação pelos acordos bilaterais assinados com o Panamá e a Colômbia, dois países semicolonizados pelos EUA.

A leitura do discurso sobre o Estado da União confirma que o presidente Obama dará continuidade a uma política externa menos ruidosa mas não menos perigosa para a humanidade do que a de Georges Bush.

Falta sublinhar que muitos minutos do seu discurso retórico e grandiloquente foram dedicados à evocação de êxitos individuais de desconhecidos jovens estadounidenses que apontou como exemplos da superioridade do american way of life.

O fecho não destoa do espírito messiânico da mensagem. Inspirado pelos pais da pátria, Barack Obama, invocando o seu exemplo, afirma a sua convicção de que é «graças à nossa gente que o nosso futuro está cheio de esperança».

E conclui:

«Obrigado, que Deus os abençoe e que Deus abençoe os Estados Unidos da América».

Estranha é a concepção do divino perfilhada pelo presidente dos EUA, glorificado pela grande burguesia europeia.

Texto original no Jornal Avante-PT http://avante.pt/pt/1940/internacional/112440/

 
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