Escola republicana e laica - A sua importância nos nossos dias
Escola republicana e laica - A sua importância nos nossos dias
por Jorge Pires
No confronto político e ideológico que tem vindo a acentuar-se nos últimos anos em Portugal, o sistema educativo e particularmente o papel da Escola Pública têm assumido destaque relevante. E não é por acaso.
É que tal como aconteceu nos finais do século XIX e início do século XX com a derrota da monarquia e a implantação da República, a questão central que se coloca hoje é a do confronto entre duas perspectivas de sistema educativo: a que tem na sua matriz e como objectivo central a formação integral dos indivíduos, capaz de os preparar para uma intervenção activa e consciente na sociedade transformando-os em agentes da mudança, perspectiva que só pode ser concretizada a partir de uma Escola Pública, gratuita e de qualidade, uma Escola para todos, ou a que apenas procura transformar os jovens em máquinas, sem vontade própria, sempre à mercê de quem os conduza, nunca senhores do seu próprio destino.
Já nessa altura o debate era entre os que defendiam a ideia de que a escola, como aparelho ideológico central, procura viabilizar um determinado projecto de sociedade; e os que procuravam subtrair à escola quaisquer tentações de ideologização ou endoutrinamento. Estes últimos são os mesmos que defendem a ideia de uma escola apolítica mas que a utilizam exactamente como um instrumento de reprodução das condições ideológicas necessárias à perpetuação do sistema capitalista.
Marx definiu o capitalismo como uma sistema de acumulação e não de manutenção e por isso o capital tudo fará em cada momento da sua existência para encontrar os instrumentos que lhe permitam acumular cada vez mais riqueza formando os indivíduos que melhor o podem servir. Luís Vicente, num artigo publicado em O Militante (n.º 309, Novembro/Dezembro – «A Escola no Centenário da República») desenvolveu com grande clareza esta ideia ao escrever: «Em qualquer sociedade a persistência das suas relações de produção depende, entre outros factores, da reprodução das componentes ideológicas. Além da continuidade das condições da sua produção material, as sociedades necessitam de mecanismos e instituições que garantam o status quo. A ideologia desempenha um papel fulcral nesta garantia.» A diferença está, como é desenvolvido por Luís Vicente no seu texto, em avaliar-se em cada momento da História «se os princípios ideológicos servem o bem-estar da generalidade da população, então essa reprodução é desejável», ou «se são anti-sociais, contra os direitos e a liberdade do povo, então é perversa e deve ser combatida».
A História contemporânea portuguesa confirma não apenas esta tese, como nos momentos mais marcantes da vida nacional o sistema educativo foi sendo alterado em função da correlação de forças que no plano político se foi estabelecendo.
Não há de facto um ensino politicamente neutro. Foi assim no final da monarquia, em que imperava um ensino jesuítico, que subvertia a consciência livre dos portugueses em prol da obediência cega aos poderes religiosos e à realeza, situação que se alterou com a instauração da República em 1910 e a implementação de uma educação racionalmente dirigida, abrangendo todos os níveis da actividade humana: política, económica, social e cultural. Foi assim a partir da revisão constitucional em 1935, já em pleno período fascista, com a retoma da tutela religiosa. Foi assim com o processo revolucionário iniciado em Abril de 1974, em que é consagrada a responsabilidade do Estado garantir a progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino e garantir o acesso dos portugueses a todos os níveis do conhecimento independentemente das condições económicas e sociais de cada um. E, mais recentemente, tem sido assim com as alterações que foram sendo introduzidas na legislação, decorrentes do processo de recuperação capitalista em curso, e que tiveram por objectivo fragilizar a Escola Pública e elitizar o acesso e o sucesso escolares.
Em todos estes momentos as classes dominantes nunca perderam a perspectiva e nunca abandonaram o objectivo de transformar o ensino, não apenas num instrumento de reprodução ideológica, mas também num instrumento para melhor servir o processo de acumulação capitalista.
A reconfiguração do sistema educativo a partir da Cimeira de Lisboa em 2000
e o ataque à Escola Pública
Sob a tutela da União Europeia, particularmente a partir da Cimeira de Lisboa em 2000, foi claramente definida uma orientação que procura colocar os sistemas educativos ao serviço dos interesses e das prioridades do grande capital financeiro e industrial. Em Portugal, os sucessivos governos têm procurado, através de um conjunto de alterações avulsas introduzidas no sistema educativo, desvalorizar a Escola Pública, colocando-a em pé de igualdade com as respostas privadas.
O argumento é sempre o mesmo – num regime de liberdade as famílias, no que à educação diz respeito, devem ter a opção de escolher entre a escola privada e a pública. A tal argumento falacioso, juntou-se, mais recentemente, a tese do necessário «emagrecimento» do Estado.
David Justino, Ministro da Educação do XV Governo Constitucional (um governo PSD/CDS-PP), foi o mais fiel intérprete das orientações da UE para a reconfiguração dos sistemas educativos na Europa, ao elaborar o projecto de Lei de Bases da Educação aprovado pela maioria de direita na Assembleia da República e que só não entrou em vigor porque foi vetado em 2003 pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio. David Justino chegou mesmo a afirmar que a Lei de Bases da Educação pretendia substituir o paradigma da Escola da Igualdade pela da Escola da Liberdade, o que traduzido na linguagem dos arautos da política de direita significava que a Lei, a ser promulgada, consagraria a «liberdade de escolha» entre público e privado, com o Estado a ter de assumir financeiramente a opção.
Como se referiu, em 2003 PSD e CDS procuraram, a partir da alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, introduzir a chamada liberdade de escolha, passo primeiro da política do «cheque ensino», outra das formulações que têm sido avançadas para impor ao Estado o papel de financiador do ensino privado. Isto porque o capital repudia o Estado na gestão das políticas educacionais mas não no seu financiamento, directa ou indirectamente. Mas não pode esquecer-se que, também com o PS no governo, o caminho foi o da introdução de sucessivas alterações através de legislação avulsa, levando a que, praticamente sem mexer na Lei de Bases, no essencial o objectivo tivesse sido o mesmo – desvalorizar a Escola Pública, elitizar o acesso e o sucesso escolares.
O programa do actual Governo para a educação
Perante mais um ataque de grande envergadura contra os direitos constitucionais na área da Educação, a resposta só pode ser uma: a luta em defesa da Escola Pública gratuita e de qualidade, como um instrumento capaz de garantir a todos, independentemente das condições sócio-económicas a que estão sujeitos, o acesso a todos os níveis do conhecimento e ao sucesso escolar. Numa sociedade que se quer desenvolvida e mais justa, a Educação, e sobretudo a sua componente escolar, não pode ficar capturada por aqueles cujos interesses estão centrados no aumento da exploração e das injustiças sociais.
O país precisa de um ensino de alta qualidade, que cubra o objectivo da democratização e as necessidades educativas individuais e sociais e da economia, tal como o PCP propõe. Contudo, este objectivo requer uma coerente linha de construção de uma escola pública, gratuita e de qualidade e para todos que deve mobilizar as vontades intervenientes no processo educativo.
O direito à educação e ao ensino é o direito de todos e de cada um ao conhecimento e à criatividade.
Se recuarmos até meados do século XIX e ao tempo dos primeiros anos da República, verificamos, apesar das diferenças naturais dos períodos em análise, que também nessa altura as grandes preocupações republicanas incidiam sobre a necessidade de garantir o aumento da escolaridade através de uma escola pública e gratuita que contribuísse para a formação integral do indivíduo, capaz de transformar o súbdito em cidadão.
Nesta altura importa por isso relembrar algumas das principais propostas do PCP na defesa do direito à educação e ao ensino:
1 – O desenvolvimento de uma política educativa que assuma a educação como um valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do País e para o reforço da identidade nacional, com prioridade para um efectivo combate ao abandono escolar e ao insucesso escolar educativo e à exclusão social e escolar;
2 – O investimento numa Escola Pública de qualidade, com a gratuitidade de todo o ensino público como prioridade estratégica;
3 – A expansão da rede pública de estabelecimentos de educação e ensino, a generalização da oferta pública e a consequente adequação da rede escolar de forma a assegurar a concretização do direito à educação, independentemente de iniciativas de entidades particulares ou cooperativas;
4 – A aprovação de uma Lei sobre Financiamento da Educação Pré-escolar e dos Ensino Básico e Secundário que clarifique responsáveis e responsabilidades e garanta o normal funcionamento das escolas públicas financiadas, essencialmente, por verbas consagradas em Orçamento de Estado;
5 – A aplicação do princípio constitucional da gestão democrática, segundo o qual os órgãos directivos devem legitimar-se democraticamente, de forma a acolher o pluralismo de interesses e opções dos elementos constituintes da comunidade escolar e garantir a autonomia dos estabelecimentos de ensino;
6 – O incremento do apoio social escolar em todos os níveis de escolaridade com crescimento considerável das capitações para atribuição dos respectivos apoios e dos montantes limite previstos para as diversas áreas;
7 – A garantia de transportes, alojamento e alimentação para os estudantes que, vivendo afastadas da escola, ou por outros motivos, careçam total ou parcialmente desses benefícios socais;
8 – A gratuitidade dos manuais escolares;
9 – O desenvolvimento da resposta pública às necessidades educativas especiais, sendo garantidos os apoios indispensáveis no âmbito da educação especial, numa perspectiva de escola inclusiva, com incidência na formação especializada de professores, na descentralização das respostas e no reforço de pessoal docente e não docente em número e com formação adequada;
10 – Uma efectiva revisão curricular de modo a corresponder às necessidades do desenvolvimento actual das sociedade e da formação integral dos estudantes, segundo o princípio da igual dignificação das diversas vias do ensino secundário;
11 – A aprovação de novos modelos de avalição dos alunos assentes em princípios de avaliação contínua, incompatíveis com a existência de exames decisivos e determinantes na selecção;
12 – A criação de condições de estabilidade profissional e de emprego para todos os trabalhadores das escolas, docentes e não docentes, a par da aprovação de medidas que visem a sua valorização e dignificação.
por Jorge Pires
No confronto político e ideológico que tem vindo a acentuar-se nos últimos anos em Portugal, o sistema educativo e particularmente o papel da Escola Pública têm assumido destaque relevante. E não é por acaso.
É que tal como aconteceu nos finais do século XIX e início do século XX com a derrota da monarquia e a implantação da República, a questão central que se coloca hoje é a do confronto entre duas perspectivas de sistema educativo: a que tem na sua matriz e como objectivo central a formação integral dos indivíduos, capaz de os preparar para uma intervenção activa e consciente na sociedade transformando-os em agentes da mudança, perspectiva que só pode ser concretizada a partir de uma Escola Pública, gratuita e de qualidade, uma Escola para todos, ou a que apenas procura transformar os jovens em máquinas, sem vontade própria, sempre à mercê de quem os conduza, nunca senhores do seu próprio destino.
Já nessa altura o debate era entre os que defendiam a ideia de que a escola, como aparelho ideológico central, procura viabilizar um determinado projecto de sociedade; e os que procuravam subtrair à escola quaisquer tentações de ideologização ou endoutrinamento. Estes últimos são os mesmos que defendem a ideia de uma escola apolítica mas que a utilizam exactamente como um instrumento de reprodução das condições ideológicas necessárias à perpetuação do sistema capitalista.
Marx definiu o capitalismo como uma sistema de acumulação e não de manutenção e por isso o capital tudo fará em cada momento da sua existência para encontrar os instrumentos que lhe permitam acumular cada vez mais riqueza formando os indivíduos que melhor o podem servir. Luís Vicente, num artigo publicado em O Militante (n.º 309, Novembro/Dezembro – «A Escola no Centenário da República») desenvolveu com grande clareza esta ideia ao escrever: «Em qualquer sociedade a persistência das suas relações de produção depende, entre outros factores, da reprodução das componentes ideológicas. Além da continuidade das condições da sua produção material, as sociedades necessitam de mecanismos e instituições que garantam o status quo. A ideologia desempenha um papel fulcral nesta garantia.» A diferença está, como é desenvolvido por Luís Vicente no seu texto, em avaliar-se em cada momento da História «se os princípios ideológicos servem o bem-estar da generalidade da população, então essa reprodução é desejável», ou «se são anti-sociais, contra os direitos e a liberdade do povo, então é perversa e deve ser combatida».
A História contemporânea portuguesa confirma não apenas esta tese, como nos momentos mais marcantes da vida nacional o sistema educativo foi sendo alterado em função da correlação de forças que no plano político se foi estabelecendo.
Não há de facto um ensino politicamente neutro. Foi assim no final da monarquia, em que imperava um ensino jesuítico, que subvertia a consciência livre dos portugueses em prol da obediência cega aos poderes religiosos e à realeza, situação que se alterou com a instauração da República em 1910 e a implementação de uma educação racionalmente dirigida, abrangendo todos os níveis da actividade humana: política, económica, social e cultural. Foi assim a partir da revisão constitucional em 1935, já em pleno período fascista, com a retoma da tutela religiosa. Foi assim com o processo revolucionário iniciado em Abril de 1974, em que é consagrada a responsabilidade do Estado garantir a progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino e garantir o acesso dos portugueses a todos os níveis do conhecimento independentemente das condições económicas e sociais de cada um. E, mais recentemente, tem sido assim com as alterações que foram sendo introduzidas na legislação, decorrentes do processo de recuperação capitalista em curso, e que tiveram por objectivo fragilizar a Escola Pública e elitizar o acesso e o sucesso escolares.
Em todos estes momentos as classes dominantes nunca perderam a perspectiva e nunca abandonaram o objectivo de transformar o ensino, não apenas num instrumento de reprodução ideológica, mas também num instrumento para melhor servir o processo de acumulação capitalista.
A reconfiguração do sistema educativo a partir da Cimeira de Lisboa em 2000
e o ataque à Escola Pública
Sob a tutela da União Europeia, particularmente a partir da Cimeira de Lisboa em 2000, foi claramente definida uma orientação que procura colocar os sistemas educativos ao serviço dos interesses e das prioridades do grande capital financeiro e industrial. Em Portugal, os sucessivos governos têm procurado, através de um conjunto de alterações avulsas introduzidas no sistema educativo, desvalorizar a Escola Pública, colocando-a em pé de igualdade com as respostas privadas.
O argumento é sempre o mesmo – num regime de liberdade as famílias, no que à educação diz respeito, devem ter a opção de escolher entre a escola privada e a pública. A tal argumento falacioso, juntou-se, mais recentemente, a tese do necessário «emagrecimento» do Estado.
David Justino, Ministro da Educação do XV Governo Constitucional (um governo PSD/CDS-PP), foi o mais fiel intérprete das orientações da UE para a reconfiguração dos sistemas educativos na Europa, ao elaborar o projecto de Lei de Bases da Educação aprovado pela maioria de direita na Assembleia da República e que só não entrou em vigor porque foi vetado em 2003 pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio. David Justino chegou mesmo a afirmar que a Lei de Bases da Educação pretendia substituir o paradigma da Escola da Igualdade pela da Escola da Liberdade, o que traduzido na linguagem dos arautos da política de direita significava que a Lei, a ser promulgada, consagraria a «liberdade de escolha» entre público e privado, com o Estado a ter de assumir financeiramente a opção.
Como se referiu, em 2003 PSD e CDS procuraram, a partir da alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, introduzir a chamada liberdade de escolha, passo primeiro da política do «cheque ensino», outra das formulações que têm sido avançadas para impor ao Estado o papel de financiador do ensino privado. Isto porque o capital repudia o Estado na gestão das políticas educacionais mas não no seu financiamento, directa ou indirectamente. Mas não pode esquecer-se que, também com o PS no governo, o caminho foi o da introdução de sucessivas alterações através de legislação avulsa, levando a que, praticamente sem mexer na Lei de Bases, no essencial o objectivo tivesse sido o mesmo – desvalorizar a Escola Pública, elitizar o acesso e o sucesso escolares.
O programa do actual Governo para a educação
Duas das medidas plasmadas no programa do actual Governo para o sector da educação que melhor traduzem a matriz reaccionária do projecto educativo de PSD e CDS-PP, são a de colocarem em pé de igualdade o ensino público e privado, como se da mesma coisa se tratasse e, por outro lado, uma afirmação clara da intenção de empurrar para o ensino profissionalizante desvalorizado um maior número de estudantes, o que, a ser concretizado, aumentará a estratificação social à saída da escola, que já é grande à entrada.
Os argumentos são os habituais: o Estado está demasiado gordo; o privado faz melhor e mais barato e é mais exigente; é preciso criar um novo trabalhador, ideia justificada com as mudanças na base técnica do trabalho. A direita mais retrógrada, fiel depositária dos interesses do grande capital, entrega a este Governo não apenas a definição das políticas educacionais que melhor defendem os seus interesses, como lhes permite entrar em força numa área de «negócio» que movimenta em Portugal mais de 12 000 milhões de euros.
Esta «preocupação» com a criação de um novo trabalhador não se destina exactamente à formação para o trabalho nas suas formas mais sofisticadas, mas ao emprego precário, ao sub-emprego, ao aprofundamento da assimetria entre capital e trabalho nas relações de produção.
Por uma lado, faz-se o apelo a uma maior oferta da escolaridade, mas depois desvaloriza-se a força de trabalho quando se trata de garantir direitos e melhores salários.
No fundo o que se pretende são futuros trabalhadores dóceis e resignados face às alterações nas relações laborais impostas pelo capital, nomeadamente a mobilidade, a adaptabilidade, a flexibilidade e a aceitação de novos critérios de remuneração.
Chamo a atenção ainda para o facto de estar a ser tomado um conjunto de medidas, na linha do que já vinha sendo concretizado pelos anteriores governos do PS, que vai no sentido da desvalorização social e profissional dos docentes e da sua profissão e que deve ser avaliado como parte integrante de uma intenção que é colocar o professor no sistema educativo não como o seu elo principal, mas como um instrumento de formatação de consciências, na perspectiva e de acordo com os interesses que é o dos mandantes da política de direita, o grande capital.
Um imperativo nacional: a luta por uma Escola Pública, gratuita e de qualidade,
uma escola para todos
Os argumentos são os habituais: o Estado está demasiado gordo; o privado faz melhor e mais barato e é mais exigente; é preciso criar um novo trabalhador, ideia justificada com as mudanças na base técnica do trabalho. A direita mais retrógrada, fiel depositária dos interesses do grande capital, entrega a este Governo não apenas a definição das políticas educacionais que melhor defendem os seus interesses, como lhes permite entrar em força numa área de «negócio» que movimenta em Portugal mais de 12 000 milhões de euros.
Esta «preocupação» com a criação de um novo trabalhador não se destina exactamente à formação para o trabalho nas suas formas mais sofisticadas, mas ao emprego precário, ao sub-emprego, ao aprofundamento da assimetria entre capital e trabalho nas relações de produção.
Por uma lado, faz-se o apelo a uma maior oferta da escolaridade, mas depois desvaloriza-se a força de trabalho quando se trata de garantir direitos e melhores salários.
No fundo o que se pretende são futuros trabalhadores dóceis e resignados face às alterações nas relações laborais impostas pelo capital, nomeadamente a mobilidade, a adaptabilidade, a flexibilidade e a aceitação de novos critérios de remuneração.
Chamo a atenção ainda para o facto de estar a ser tomado um conjunto de medidas, na linha do que já vinha sendo concretizado pelos anteriores governos do PS, que vai no sentido da desvalorização social e profissional dos docentes e da sua profissão e que deve ser avaliado como parte integrante de uma intenção que é colocar o professor no sistema educativo não como o seu elo principal, mas como um instrumento de formatação de consciências, na perspectiva e de acordo com os interesses que é o dos mandantes da política de direita, o grande capital.
Um imperativo nacional: a luta por uma Escola Pública, gratuita e de qualidade,
uma escola para todos
Perante mais um ataque de grande envergadura contra os direitos constitucionais na área da Educação, a resposta só pode ser uma: a luta em defesa da Escola Pública gratuita e de qualidade, como um instrumento capaz de garantir a todos, independentemente das condições sócio-económicas a que estão sujeitos, o acesso a todos os níveis do conhecimento e ao sucesso escolar. Numa sociedade que se quer desenvolvida e mais justa, a Educação, e sobretudo a sua componente escolar, não pode ficar capturada por aqueles cujos interesses estão centrados no aumento da exploração e das injustiças sociais.
O país precisa de um ensino de alta qualidade, que cubra o objectivo da democratização e as necessidades educativas individuais e sociais e da economia, tal como o PCP propõe. Contudo, este objectivo requer uma coerente linha de construção de uma escola pública, gratuita e de qualidade e para todos que deve mobilizar as vontades intervenientes no processo educativo.
O direito à educação e ao ensino é o direito de todos e de cada um ao conhecimento e à criatividade.
Se recuarmos até meados do século XIX e ao tempo dos primeiros anos da República, verificamos, apesar das diferenças naturais dos períodos em análise, que também nessa altura as grandes preocupações republicanas incidiam sobre a necessidade de garantir o aumento da escolaridade através de uma escola pública e gratuita que contribuísse para a formação integral do indivíduo, capaz de transformar o súbdito em cidadão.
Nesta altura importa por isso relembrar algumas das principais propostas do PCP na defesa do direito à educação e ao ensino:
1 – O desenvolvimento de uma política educativa que assuma a educação como um valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do País e para o reforço da identidade nacional, com prioridade para um efectivo combate ao abandono escolar e ao insucesso escolar educativo e à exclusão social e escolar;
2 – O investimento numa Escola Pública de qualidade, com a gratuitidade de todo o ensino público como prioridade estratégica;
3 – A expansão da rede pública de estabelecimentos de educação e ensino, a generalização da oferta pública e a consequente adequação da rede escolar de forma a assegurar a concretização do direito à educação, independentemente de iniciativas de entidades particulares ou cooperativas;
4 – A aprovação de uma Lei sobre Financiamento da Educação Pré-escolar e dos Ensino Básico e Secundário que clarifique responsáveis e responsabilidades e garanta o normal funcionamento das escolas públicas financiadas, essencialmente, por verbas consagradas em Orçamento de Estado;
5 – A aplicação do princípio constitucional da gestão democrática, segundo o qual os órgãos directivos devem legitimar-se democraticamente, de forma a acolher o pluralismo de interesses e opções dos elementos constituintes da comunidade escolar e garantir a autonomia dos estabelecimentos de ensino;
6 – O incremento do apoio social escolar em todos os níveis de escolaridade com crescimento considerável das capitações para atribuição dos respectivos apoios e dos montantes limite previstos para as diversas áreas;
7 – A garantia de transportes, alojamento e alimentação para os estudantes que, vivendo afastadas da escola, ou por outros motivos, careçam total ou parcialmente desses benefícios socais;
8 – A gratuitidade dos manuais escolares;
9 – O desenvolvimento da resposta pública às necessidades educativas especiais, sendo garantidos os apoios indispensáveis no âmbito da educação especial, numa perspectiva de escola inclusiva, com incidência na formação especializada de professores, na descentralização das respostas e no reforço de pessoal docente e não docente em número e com formação adequada;
10 – Uma efectiva revisão curricular de modo a corresponder às necessidades do desenvolvimento actual das sociedade e da formação integral dos estudantes, segundo o princípio da igual dignificação das diversas vias do ensino secundário;
11 – A aprovação de novos modelos de avalição dos alunos assentes em princípios de avaliação contínua, incompatíveis com a existência de exames decisivos e determinantes na selecção;
12 – A criação de condições de estabilidade profissional e de emprego para todos os trabalhadores das escolas, docentes e não docentes, a par da aprovação de medidas que visem a sua valorização e dignificação.
Publicado originalmente na Revista O Militante
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