Reflexões sobre democracia, crise e demagogia
Reflexões sobre democracia, crise e demagogia
A complexa e preocupante situação política nacional e internacional que se vive nos dias de hoje requer que dela se faça uma lúcida e desapaixonada análise por forma a encontrar as respostas mais adequadas à situação. Uma correcta caracterização e avaliação de cada momento é, e deverá sempre ser, o ponto de partida das nossas decisões porque as respostas de hoje não serão iguais às de ontem e tão pouco servirão para amanhã. É a dialéctica que tal nos ensina e nela se fundamenta esta afirmação.
Estamos actualmente perante uma ofensiva generalizada do capitalismo selvagem, ou seja, da cada vez maior selvajaria do sistema capitalista. O elenco das formas dessa ofensiva é longo e diversificado mas todas elas têm de comum e as atravessa uma política que dá a volta ao planeta. Apoiando e defendendo esta política, ou opondo-se a ela e contra ela lutando, o facto é que a todos ela de uma forma ou de outra atinge, isto é, vai gradualmente batendo a todas as portas em todo o mundo.
Uns, porque através dessa política se apoderam da imensa e prodigiosa riqueza que os homens são hoje capazes de produzir, outros porque são as vítimas directas e imediatas do sistema. Há ainda aqueles que, ilusória e ingenuamente, acreditam irem ser poupados, sem conseguirem compreender que é tudo uma questão de tempo, e que já se encontram em lista de espera para, forçosa e forçadamente, se juntarem ao exército dos já sacrificados.
Mas uma nova e perigosa questão se coloca no momento presente – a de esta política e as medidas que ela impõe nos serem apresentadas e aplicadas como fazendo natural e inevitavelmente parte do regime democrático, como normais exigências da democracia e como tal incontestadas e incontestáveis.
Diversa da demagogia e manipulação usada pelas políticas fascistas, impostas por um eficaz e omnipresente aparelho de repressão, as actuais medidas surgem-nos inseridas num contexto pretensamente democrático, ou seja, fazendo parte e decorrendo do curso normal de funcionamento das instituições democráticas.
Na busca de legitimidade para aplicar tais políticas e tais medidas, o poder político invoca falsas razões democráticas, e servindo-se muita vezes dos imprescindíveis fazedores de opinião justifica-as como o «mal necessário», consequência lógica e corolário das actuais exigências de economia, logo inquestionáveis.
Outras vezes, consciente das grandes dificuldades de aceitação e prevendo a sua natural contestação social, invocam-se compromissos internacionais inalienáveis, decisões exteriores inultrapassáveis, como se delas não se tivesse feito parte, alijando deste modo qualquer responsabilidade pela decisão.
Mais recentemente uma nova e demagógica justificação foi encontrada – a da crise –, uma crise que nos é «vendida» como se resultante de um cataclismo natural e imprevisível, tentando esconder a todo o custo que ela é justamente consequência das medidas tomadas e das políticas seguidas.
E estes gravemente perigosos e ardilosos argumentos vão percorrendo mundo e de forma cada vez mais preocupante ganhando espaço um pouco por todo o lado, incluindo também, e principalmente, na Europa onde estamos inseridos.
Com eles se pretende dois objectivos diferentes: por um lado, levar as populações a aceitar pacificamente medidas gravosas altamente lesivas das mais elementares expectativas em democracia e atingir mesmo direitos duramente conquistados ao longo de décadas e juridicamente garantidos. Por outro, responsabilizar essas mesmas populações pelas decisões, já que resultantes das suas opções políticas, mais concretamente consequência da sua opção de voto.
Mas um outro e monstruosamente muito mais perverso fim é atingido – o próprio conceito de democracia. Ou seja, usando um simulacro de democracia tenta-se desacreditar a verdadeira democracia, atingi-la na sua essência, e mostrar que ela não serve nem resolve os interesses e anseios das pessoas. Usa-se a democracia para combater a democracia.
Esta escandalosa artimanha do capitalismo leva a que camadas mais incautas de população, política e ideologicamente menos apetrechadas, se sintam baralhadas, desiludidas com a democracia e tentadas a procurar outros caminhos, admitindo ilusoriamente que neles poderão encontrar as respostas e as saídas que a democracia não tem conseguido dar-lhes.
As tendências eleitorais verificadas na Europa nos últimos anos são o reflexo dessa situação.
Em nome de «modernas» opções por políticas económicas neoliberais e seguindo máximas de «deixem funcionar os mercados» e de «auto-regulação dos mercados», mas na realidade cedendo e dando resposta às exigências da classe económica dominante, o poder político aliena cada vez mais as bases económicas do Estado e, consequentemente, demite-se, alegando impossibilidades financeiras, das suas responsabilidades no campo da satisfação dos direitos sociais, longamente aspirados, e justa exigência dos povos.
Mas o «menos Estado melhor Estado» apenas serve ao poder político instituído para aplicação aos sectores rentáveis da economia, os menos rentáveis ou mesmo deficitários ficam nas mãos do Estado que se encarrega de socializar os respectivos prejuízos. Ou seja, no primeiro caso, e para acérrima e despudorada protecção dos interesses dos detentores do poder económico, defendem-se e aplicam-se os princípios de modelos económicos não intervencionistas, para o segundo caso defende-se a aplicação de modelos exactamente opostos, ou seja, um Estado interventor e regulador.
E porque tanta demagogia se vai tornando cada vez menos aceitável e a consequente contestação social vai crescendo, o poder político teve necessidade de encontrar uma nova explicação – agora é a das exigências dos mercados financeiros – estes mercados são-nos apresentados como entidades abstractas, sem rosto, com vontade própria, como que obedecendo a incontornáveis leis da física, da mecânica ou da economia – nada mais mistificador – estes mercados têm um rosto, dão pelo nome de capital financeiro especulativo e têm «donos» sobejamente conhecidos que se chamam capitalismo imperialista multinacional.
Dispendiosos raciocínios e emaranhadas e técnicas explicações, muitas vezes intencionalmente pouco acessíveis e pouco perceptíveis, vão-nos sendo dadas através dos «media» para a actual situação, que nos é sempre apresentada pelo poder politico como inevitável e necessária à boa saúde do regime democrático, bastando para tal que com ela pacificamente nos conformemos.
Mas não será com aprofundados estudos e exaustivos relatórios sobre a vertente das intenções psicológicas do poder que se encontrarão as razões objectivas dos factos que são causa das nossas fundadas preocupações.
Sabemos e aprendemos numa longa e dura experiência, que situações de complexa conflitualidade social, extremadas por uma situação económica aparentemente sem saída, são campo propício ao surgimento de perigosas aspirações de ordem e disciplina social – e que o aparecimento de «salvadores da pátria», prometedores de «paraísos perdidos», noutras circunstâncias liminarmente rejeitados, se tornam nestas facilmente aceitáveis, quase desejáveis, já que aparente e exequível solução para uma situação que se apresenta aos olhos dos povos como não tendo saída.
Independentemente do nome por que são conhecidos, a alternância de poder tem sido feita no nosso país, nos últimos trinta anos, entre dois partidos que defendem de igual modo políticas oriundas da social democracia, ainda que entre eles seja possível encontrar pequenas diferenças, por assim dizer, alguns cambiantes. É a esta social-democracia que temos de pedir contas não só pela situação em que o nosso país se encontra, mas igualmente pela situação em que a Europa se encontra. É a social-democracia a grande responsável pelo descrédito da democracia, mas também por esta Europa sem destino, sem rumo, sem projecto de futuro.
Quando estas políticas são tomadas por partidos que se reclamam da esquerda, não é só a esquerda que fica desacreditada, como é a própria democracia que se degrada. É o que vem acontecendo no nosso país com a política do Partido Socialista, e também na Europa com alguns dos partidos auto-proclamados da esquerda. Também a esses é necessário responsabilizar pela actual situação e pelas consequências que dela podem advir.
E este poder político responsável pelas malfeitorias de que quase todos temos sido vítimas, reclamando-se o guardião dos mais puros princípios democráticos nem tão pouco consegue conviver com o exercício da democracia. Assim, perante vozes dissonantes, quando não consegue pela sua dimensão e visibilidade simplesmente silenciá-las, tenta ridicularizá-las, deturpá-las e ridicularizar os seus autores.
E quando essas vozes vêm do nosso Partido logo surgem os preconceitos ideológicos, logo se ouvem as desgastadas afirmações da decadência das teorias marxistas da sua incapacidade de resposta aos novos desafios das sociedades modernas. Esquecem-se, ou preferem não se lembrar, que o chamado neoliberalismo, tão em moda, tem por fundamento as velhas teorias liberalistas, logo cronologicamente mais velhas que as teorias marxistas.
E por ignorância, má fé, ou defesa dos seus interesses individuais recusam reconhecer que as teorias económicas de Karl Marx são o pensamento económico mais inovador até hoje surgido, o que permite uma maior justiça, o mais solidário, o único capaz de responder de forma cabal às necessidades da sociedade moderna no seu conjunto.
E quando nos acusam de análises enviesadas, eivadas de anacrónicos tropismos ideológicos, e simultaneamente preconizam o fim das ideologias, nada de mais falacioso e enganador. Num assombroso recurso à demagogia manipuladora apenas pretendem esconder que são eles próprios os paladinos da ideologia da classe dominante, os arautos do discurso hegemónico dos detentores do poder económico. Não existem opções políticas ideologicamente isentas e imparciais, e sem maniqueismos arriscamos dizer – ou se está do lado da maior parte da humanidade ou se está contra ela. As ideologias irão sempre existir enquanto existir o pensamento, enquanto existirem seres no planeta.
E não é por ingenuidade que se preconiza o fim das ideologias, nem tão pouco por puro exercício académico. Ao fazê-lo e, ressuscitando as patéticas e conservadoras teorias de Fukuyama (O fim da História), pretende-se apresentar as democracias liberais capitalistas como um modelo acabado, como o patamar superior de desenvolvimento da sociedade a que o homem pode aspirar, logo, com o consequente fim da luta de classes.
Desengane-se quem tal pensar, a luta de classes vai continuar a existir enquanto existir capitalismo, enquanto existir a exploração de uma classe sobre outra, porque os interesses da classe dominante não só são divergentes como são e serão sempre inconciliáveis com o das classes exploradas. Essa é uma luta de que apenas conhecemos o princípio, e que sabemos irá continuar.
A democracia moderna, elaborada ao longo de muitos séculos, construção dos povos em torno da defesa de aspirações possíveis, justas, já realizadas e historicamente legitimadas, adquiriu uma nova abrangência no século vinte.
Com a Revolução de Outubro, a experiência de criação de sociedades socialistas, a importante vitória do socialismo na II Guerra Mundial, e a vaga revolucionária surgida no pós-guerra, o capitalismo foi forçado a ceder, ainda que a contra-gosto. Os direitos cívicos reconhecidos pela Revolução Francesa como «Direitos do Homem e do Cidadão» foram alargados aos direitos sociais que passaram a fazer na Europa parte integrante dos direitos humanos. Este processo só chegou a Portugal com a Revolução de Abril.
Pretender quase um século depois limitar a democracia ao exercício do direito de voto, restringi-la a uma escolha mais ou menos pendular, sem garantia do exercício de direitos sociais, é desacreditar a democracia é esvaziá-la de conteúdo, e é acima de tudo pô-la perigosamente em risco.
A democracia é uma criação política dos seres humanos e para os seres humanos. A sua manutenção carece e pressupõe a participação livre e dinâmica dos cidadãos a todos os níveis decisórios.
Em nome de uma estabilidade a que o poder político sistematicamente apela, e cujos objectivos são por demais evidentes, pedem-nos que sejamos dóceis, que abdiquemos de participar na democracia, que nos conformemos e tornemos politicamente amorfos.
Mas a estabilidade que nos oferecem não é uma estabilidade democrática, é exactamente o seu oposto, e a ela temos e devemos dizer não.
O esvaziamento democrático, a substituição da discussão de ideias e projectos por soluções demagógicas que se sucedem impunemente, a manipulação cada vez mais afrontosa da opinião pública, a arrogância face a opiniões discordantes, a desculpabilização perante a má gestão de recursos públicos, a protecção jurídica e política da classe dominante e dos seus interesses de classe, em detrimento das aspirações de vastas camadas da população, faz com que este poder apareça com quase indisfarçável despudor como mandatário de um outro poder, bem mais poderoso, perante o qual verdadeiramente responde, e ao qual invariavelmente obedece.
O nosso Partido lutou estoicamente durante décadas contra uma hedionda ditadura fascista, lutou para que o povo português um dia pudesse viver em liberdade, pudesse conhecer a democracia. Os militantes de hoje são os naturais herdeiros dessa luta. É imperioso que preservemos e honremos tão importante herança recebida, o que, na presente conjuntura política nacional, significa defender com determinação a Constituição da República Portuguesa e o regime democrático nela consagrado, que, apesar de todos os empobrecimentos e limitações, continua a ser o mais avançado da Europa.
A grande exigência que nos impõe o tempo presente é a da luta pela democracia. Reabilitá-la, evitar o seu esvaziamento, assegurar-lhe o crédito das populações, assegurar o exercício dos direitos políticos ao prosseguimento e garantia dos direitos sociais, é tão importante quanto urgente.
Esta deve ser a principal e quotidiana preocupação de cada militante em particular e de todos no seu conjunto, tendo sempre presente o Programa do Partido de uma Democracia Avançada, ou seja uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural num Portugal independente e soberano.
Uma verdadeira democracia é possível, necessária e urgente. Garanti-lo é obrigação e tarefa de todos.
A complexa e preocupante situação política nacional e internacional que se vive nos dias de hoje requer que dela se faça uma lúcida e desapaixonada análise por forma a encontrar as respostas mais adequadas à situação. Uma correcta caracterização e avaliação de cada momento é, e deverá sempre ser, o ponto de partida das nossas decisões porque as respostas de hoje não serão iguais às de ontem e tão pouco servirão para amanhã. É a dialéctica que tal nos ensina e nela se fundamenta esta afirmação.
Estamos actualmente perante uma ofensiva generalizada do capitalismo selvagem, ou seja, da cada vez maior selvajaria do sistema capitalista. O elenco das formas dessa ofensiva é longo e diversificado mas todas elas têm de comum e as atravessa uma política que dá a volta ao planeta. Apoiando e defendendo esta política, ou opondo-se a ela e contra ela lutando, o facto é que a todos ela de uma forma ou de outra atinge, isto é, vai gradualmente batendo a todas as portas em todo o mundo.
Uns, porque através dessa política se apoderam da imensa e prodigiosa riqueza que os homens são hoje capazes de produzir, outros porque são as vítimas directas e imediatas do sistema. Há ainda aqueles que, ilusória e ingenuamente, acreditam irem ser poupados, sem conseguirem compreender que é tudo uma questão de tempo, e que já se encontram em lista de espera para, forçosa e forçadamente, se juntarem ao exército dos já sacrificados.
Mas uma nova e perigosa questão se coloca no momento presente – a de esta política e as medidas que ela impõe nos serem apresentadas e aplicadas como fazendo natural e inevitavelmente parte do regime democrático, como normais exigências da democracia e como tal incontestadas e incontestáveis.
Diversa da demagogia e manipulação usada pelas políticas fascistas, impostas por um eficaz e omnipresente aparelho de repressão, as actuais medidas surgem-nos inseridas num contexto pretensamente democrático, ou seja, fazendo parte e decorrendo do curso normal de funcionamento das instituições democráticas.
Na busca de legitimidade para aplicar tais políticas e tais medidas, o poder político invoca falsas razões democráticas, e servindo-se muita vezes dos imprescindíveis fazedores de opinião justifica-as como o «mal necessário», consequência lógica e corolário das actuais exigências de economia, logo inquestionáveis.
Outras vezes, consciente das grandes dificuldades de aceitação e prevendo a sua natural contestação social, invocam-se compromissos internacionais inalienáveis, decisões exteriores inultrapassáveis, como se delas não se tivesse feito parte, alijando deste modo qualquer responsabilidade pela decisão.
Mais recentemente uma nova e demagógica justificação foi encontrada – a da crise –, uma crise que nos é «vendida» como se resultante de um cataclismo natural e imprevisível, tentando esconder a todo o custo que ela é justamente consequência das medidas tomadas e das políticas seguidas.
E estes gravemente perigosos e ardilosos argumentos vão percorrendo mundo e de forma cada vez mais preocupante ganhando espaço um pouco por todo o lado, incluindo também, e principalmente, na Europa onde estamos inseridos.
Com eles se pretende dois objectivos diferentes: por um lado, levar as populações a aceitar pacificamente medidas gravosas altamente lesivas das mais elementares expectativas em democracia e atingir mesmo direitos duramente conquistados ao longo de décadas e juridicamente garantidos. Por outro, responsabilizar essas mesmas populações pelas decisões, já que resultantes das suas opções políticas, mais concretamente consequência da sua opção de voto.
Mas um outro e monstruosamente muito mais perverso fim é atingido – o próprio conceito de democracia. Ou seja, usando um simulacro de democracia tenta-se desacreditar a verdadeira democracia, atingi-la na sua essência, e mostrar que ela não serve nem resolve os interesses e anseios das pessoas. Usa-se a democracia para combater a democracia.
Esta escandalosa artimanha do capitalismo leva a que camadas mais incautas de população, política e ideologicamente menos apetrechadas, se sintam baralhadas, desiludidas com a democracia e tentadas a procurar outros caminhos, admitindo ilusoriamente que neles poderão encontrar as respostas e as saídas que a democracia não tem conseguido dar-lhes.
As tendências eleitorais verificadas na Europa nos últimos anos são o reflexo dessa situação.
Em nome de «modernas» opções por políticas económicas neoliberais e seguindo máximas de «deixem funcionar os mercados» e de «auto-regulação dos mercados», mas na realidade cedendo e dando resposta às exigências da classe económica dominante, o poder político aliena cada vez mais as bases económicas do Estado e, consequentemente, demite-se, alegando impossibilidades financeiras, das suas responsabilidades no campo da satisfação dos direitos sociais, longamente aspirados, e justa exigência dos povos.
Mas o «menos Estado melhor Estado» apenas serve ao poder político instituído para aplicação aos sectores rentáveis da economia, os menos rentáveis ou mesmo deficitários ficam nas mãos do Estado que se encarrega de socializar os respectivos prejuízos. Ou seja, no primeiro caso, e para acérrima e despudorada protecção dos interesses dos detentores do poder económico, defendem-se e aplicam-se os princípios de modelos económicos não intervencionistas, para o segundo caso defende-se a aplicação de modelos exactamente opostos, ou seja, um Estado interventor e regulador.
E porque tanta demagogia se vai tornando cada vez menos aceitável e a consequente contestação social vai crescendo, o poder político teve necessidade de encontrar uma nova explicação – agora é a das exigências dos mercados financeiros – estes mercados são-nos apresentados como entidades abstractas, sem rosto, com vontade própria, como que obedecendo a incontornáveis leis da física, da mecânica ou da economia – nada mais mistificador – estes mercados têm um rosto, dão pelo nome de capital financeiro especulativo e têm «donos» sobejamente conhecidos que se chamam capitalismo imperialista multinacional.
Dispendiosos raciocínios e emaranhadas e técnicas explicações, muitas vezes intencionalmente pouco acessíveis e pouco perceptíveis, vão-nos sendo dadas através dos «media» para a actual situação, que nos é sempre apresentada pelo poder politico como inevitável e necessária à boa saúde do regime democrático, bastando para tal que com ela pacificamente nos conformemos.
Mas não será com aprofundados estudos e exaustivos relatórios sobre a vertente das intenções psicológicas do poder que se encontrarão as razões objectivas dos factos que são causa das nossas fundadas preocupações.
Sabemos e aprendemos numa longa e dura experiência, que situações de complexa conflitualidade social, extremadas por uma situação económica aparentemente sem saída, são campo propício ao surgimento de perigosas aspirações de ordem e disciplina social – e que o aparecimento de «salvadores da pátria», prometedores de «paraísos perdidos», noutras circunstâncias liminarmente rejeitados, se tornam nestas facilmente aceitáveis, quase desejáveis, já que aparente e exequível solução para uma situação que se apresenta aos olhos dos povos como não tendo saída.
Independentemente do nome por que são conhecidos, a alternância de poder tem sido feita no nosso país, nos últimos trinta anos, entre dois partidos que defendem de igual modo políticas oriundas da social democracia, ainda que entre eles seja possível encontrar pequenas diferenças, por assim dizer, alguns cambiantes. É a esta social-democracia que temos de pedir contas não só pela situação em que o nosso país se encontra, mas igualmente pela situação em que a Europa se encontra. É a social-democracia a grande responsável pelo descrédito da democracia, mas também por esta Europa sem destino, sem rumo, sem projecto de futuro.
Quando estas políticas são tomadas por partidos que se reclamam da esquerda, não é só a esquerda que fica desacreditada, como é a própria democracia que se degrada. É o que vem acontecendo no nosso país com a política do Partido Socialista, e também na Europa com alguns dos partidos auto-proclamados da esquerda. Também a esses é necessário responsabilizar pela actual situação e pelas consequências que dela podem advir.
E este poder político responsável pelas malfeitorias de que quase todos temos sido vítimas, reclamando-se o guardião dos mais puros princípios democráticos nem tão pouco consegue conviver com o exercício da democracia. Assim, perante vozes dissonantes, quando não consegue pela sua dimensão e visibilidade simplesmente silenciá-las, tenta ridicularizá-las, deturpá-las e ridicularizar os seus autores.
E quando essas vozes vêm do nosso Partido logo surgem os preconceitos ideológicos, logo se ouvem as desgastadas afirmações da decadência das teorias marxistas da sua incapacidade de resposta aos novos desafios das sociedades modernas. Esquecem-se, ou preferem não se lembrar, que o chamado neoliberalismo, tão em moda, tem por fundamento as velhas teorias liberalistas, logo cronologicamente mais velhas que as teorias marxistas.
E por ignorância, má fé, ou defesa dos seus interesses individuais recusam reconhecer que as teorias económicas de Karl Marx são o pensamento económico mais inovador até hoje surgido, o que permite uma maior justiça, o mais solidário, o único capaz de responder de forma cabal às necessidades da sociedade moderna no seu conjunto.
E quando nos acusam de análises enviesadas, eivadas de anacrónicos tropismos ideológicos, e simultaneamente preconizam o fim das ideologias, nada de mais falacioso e enganador. Num assombroso recurso à demagogia manipuladora apenas pretendem esconder que são eles próprios os paladinos da ideologia da classe dominante, os arautos do discurso hegemónico dos detentores do poder económico. Não existem opções políticas ideologicamente isentas e imparciais, e sem maniqueismos arriscamos dizer – ou se está do lado da maior parte da humanidade ou se está contra ela. As ideologias irão sempre existir enquanto existir o pensamento, enquanto existirem seres no planeta.
E não é por ingenuidade que se preconiza o fim das ideologias, nem tão pouco por puro exercício académico. Ao fazê-lo e, ressuscitando as patéticas e conservadoras teorias de Fukuyama (O fim da História), pretende-se apresentar as democracias liberais capitalistas como um modelo acabado, como o patamar superior de desenvolvimento da sociedade a que o homem pode aspirar, logo, com o consequente fim da luta de classes.
Desengane-se quem tal pensar, a luta de classes vai continuar a existir enquanto existir capitalismo, enquanto existir a exploração de uma classe sobre outra, porque os interesses da classe dominante não só são divergentes como são e serão sempre inconciliáveis com o das classes exploradas. Essa é uma luta de que apenas conhecemos o princípio, e que sabemos irá continuar.
A democracia moderna, elaborada ao longo de muitos séculos, construção dos povos em torno da defesa de aspirações possíveis, justas, já realizadas e historicamente legitimadas, adquiriu uma nova abrangência no século vinte.
Com a Revolução de Outubro, a experiência de criação de sociedades socialistas, a importante vitória do socialismo na II Guerra Mundial, e a vaga revolucionária surgida no pós-guerra, o capitalismo foi forçado a ceder, ainda que a contra-gosto. Os direitos cívicos reconhecidos pela Revolução Francesa como «Direitos do Homem e do Cidadão» foram alargados aos direitos sociais que passaram a fazer na Europa parte integrante dos direitos humanos. Este processo só chegou a Portugal com a Revolução de Abril.
Pretender quase um século depois limitar a democracia ao exercício do direito de voto, restringi-la a uma escolha mais ou menos pendular, sem garantia do exercício de direitos sociais, é desacreditar a democracia é esvaziá-la de conteúdo, e é acima de tudo pô-la perigosamente em risco.
A democracia é uma criação política dos seres humanos e para os seres humanos. A sua manutenção carece e pressupõe a participação livre e dinâmica dos cidadãos a todos os níveis decisórios.
Em nome de uma estabilidade a que o poder político sistematicamente apela, e cujos objectivos são por demais evidentes, pedem-nos que sejamos dóceis, que abdiquemos de participar na democracia, que nos conformemos e tornemos politicamente amorfos.
Mas a estabilidade que nos oferecem não é uma estabilidade democrática, é exactamente o seu oposto, e a ela temos e devemos dizer não.
O esvaziamento democrático, a substituição da discussão de ideias e projectos por soluções demagógicas que se sucedem impunemente, a manipulação cada vez mais afrontosa da opinião pública, a arrogância face a opiniões discordantes, a desculpabilização perante a má gestão de recursos públicos, a protecção jurídica e política da classe dominante e dos seus interesses de classe, em detrimento das aspirações de vastas camadas da população, faz com que este poder apareça com quase indisfarçável despudor como mandatário de um outro poder, bem mais poderoso, perante o qual verdadeiramente responde, e ao qual invariavelmente obedece.
O nosso Partido lutou estoicamente durante décadas contra uma hedionda ditadura fascista, lutou para que o povo português um dia pudesse viver em liberdade, pudesse conhecer a democracia. Os militantes de hoje são os naturais herdeiros dessa luta. É imperioso que preservemos e honremos tão importante herança recebida, o que, na presente conjuntura política nacional, significa defender com determinação a Constituição da República Portuguesa e o regime democrático nela consagrado, que, apesar de todos os empobrecimentos e limitações, continua a ser o mais avançado da Europa.
A grande exigência que nos impõe o tempo presente é a da luta pela democracia. Reabilitá-la, evitar o seu esvaziamento, assegurar-lhe o crédito das populações, assegurar o exercício dos direitos políticos ao prosseguimento e garantia dos direitos sociais, é tão importante quanto urgente.
Esta deve ser a principal e quotidiana preocupação de cada militante em particular e de todos no seu conjunto, tendo sempre presente o Programa do Partido de uma Democracia Avançada, ou seja uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural num Portugal independente e soberano.
Uma verdadeira democracia é possível, necessária e urgente. Garanti-lo é obrigação e tarefa de todos.
Publicado originalmente na revista teórica do PCP - O Militante
http://www.blogdadilma.blog.br/tecnologia/115-redes-sociais/1429-twitaco-marca-1-ano-do-assassinato-do-blogueiro-edinaldofilgueira.html
ResponderExcluirNesta sexta-feira, 15, diversas atividades marcam um ano do assassinato do 3º blogueiro e ativista social em todo o mundo (antes de #EdinaldoFilgueira foram mortos por seu ativismo o iraniano Omid Reza Mir Sayafi e o Bahraini Zakariya Rashid Hassan al-Ashiri).
A Deputada Federal Fátima Bezerra (PT-RN) apresentará projeto de lei idealizado no III Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, haverá passeata e missa em sua cidade Natal, além de um twitaço com a hashtag #EdinaldoFilgueira. Edinaldo Filgueira foi um lutador social, filho de agricultores que nem sobrenome possuíam. Foi militante no movimento estudantil, cultural, adquiriu formação superior, jornalista, blogueiro, presidente do PT em sua cidade, e é um mártir na luta pela democratização das comunicações.
"Despite legislative progressive and some success in combating impunity, Brazil can still be dangerous for journalists, especially in the north and northeast. As in other countries, organized crime continues to be the main direct source of threats. Handicapped by conflicts of interest, Brazil’s media are also increasingly exposed to political and judicial harassment, while Internet journalists are often subject to preventive censorship.[1]
Em tradução livre, o texto acima transcrito, contido no sitio da organização internacional Reporters Without Borders, diz o seguinte: “A despeito do progresso legislativo e algum sucesso no combate à impunidade, o Brasil pode, ainda, ser perigoso para jornalistas, especialmente no norte e nordeste. Tal qual em outros países, o crime organizado continua a ser a principal fonte direta de ameaças. Aleijados por conflitos de interesses, a mídia brasileira está também, cada vez mais, exposta a assédio político e judicial, enquanto jornalistas na Internet são frequentemente submetidos à censura preventiva”.
[1] http://en.rsf.org/report-brazil,169.html