UE, um modelo de capitalismo dependente

UE, um modelo de capitalismo dependente
por Daniel Vaz de Carvalho [*]


"A adesão ao euro foi propagandeada pela troika interna como um novo "el dorado"; falências e desemprego foram considerados vantajosos: tratava-se da "destruição criadora" que iria permitir a convergência real. Os partidos da troika propagandeavam que o que era obsoleto na indústria e agricultura daria lugar ao "novo e dinâmico". Os portugueses teriam salários e pensões iguais aos de outros países. Foi a mentira mil vezes repetida…muitos acreditaram, hoje abstêm-se e dizem mal de "os políticos".


Os tratados da UE e do euro representaram estagnação e empobrecimento, provisoriamente mascarado pelo endividamento do Estado, empresas e famílias. Desde a sua introdução o euro, já de si valorizado em relação à moeda nacional, valorizou-se mais de 30% relativamente ao dólar, enquanto a economia portuguesa – evidentemente – estagnava ou regredia. Será possível um país desenvolver-se, sobreviver mesmo, ancorado a uma moeda deste tipo? Para não contrariar o dogma neoliberal da "moeda neutra" os propagandistas do neoliberalismo atribuem os problemas às prestações sociais.

O que se verifica é a distorção da estrutura produtiva por atividades exportadoras de baixo valor acrescentado (pelo baixo nível tecnológico ou pelos processos de sub e sobrefaturação das transnacionais) mas também pelo crescimento desproporcionado das atividades terciárias e das não transacionáveis. Desta forma a integração dos países "periféricos" da UE, entre os quais Portugal, é uma mera falácia que se faz num processo de "desenvolvimento do subdesenvolvimento" (Samir Amim, referindo-se ao neocolonialismo). "



Quando Marx nota que "o comércio livre é a forma de uns países enriquecerem à custa de outros" ele sublinha que o comércio livre é o meio de que se serve o capital para destruir os entraves nacionais e constituir-se ao nível da economia mundial. [1] 


Podemos imaginar que os historiadores no futuro se interrogarão verdadeiramente espantados como foi possível tanta irracionalidade, tanta insanidade na gestão das economias. É certo que "os poderosos têm sempre admiradores imbecis que se esforçam por se lhes assemelhar pelos lados maus". [2] O imperialismo, os países dominantes, também vivem disto… 

A anunciada e mais que prevista crise foi sempre negada pela troika nacional até ao limite quando se tratou de impor a austeridade, culpabilizando as vítimas da mesma. Devido às políticas da UE, Portugal encontrava-se fragilizado, com um aparelho produtivo depauperado pelas importações e privatizações. Entre 2000 e 2011 os défices da BC acumulados atingiram um total de 194 100 M€, uma média anual de 16 200 M€. Desde a entrada para o euro em 2000, os défices do Estado acumulados atingiram 118 200 M€, Estado pagou de juros 69 500 M€, porém a dívida pública passou de 61 500 para mais de 221 000 M€. 

Mais de metade do aumento da dívida correspondeu a pagamento de juros: 54% entre 2000 e 2009. A partir daqui a dívida disparou: com a "ajuda" da troika passou de 94% do PIB em 2010 para 134% e o défice, em termos reais, pode atingir este ano 10% do PIB! [3] 

Com o euro a indústria regrediu 15 pontos percentuais, o PIB ao nível de 2000, consumo privado ao nível de 2001; investimento ao nível de 1988. Eis o resultado da ação dos partidos autoproclamados de "responsáveis" e do "arco da governação" que nos conduziram a um retrocesso económico e civilizacional só imaginável num país sujeito a…um pacto de agressão. 

Não deixa de ser espantoso ver a ginástica mental que a clientela neoliberal faz para justificar "os cortes" e a austeridade deixando intocável o grande capital. Apresentadores televisivos (salvo raras exceções) pressurosos a interromper quem contrarie os dogmas neoliberais, escutam aleivosias com o ar dos provincianos de antanho de visita "à capital"… 

A graçola ignara vai ao ponto de se dizer que para resolver os problemas da Segurança Social seria necessário pôr a trabalhar pessoas com 80 anos. Isto num país em que o desemprego jovem, apesar da emigração em larga escala, atinge em termos reais atinge 500 mil jovens e 400 mil encontram-se em situação de precariedade. (comunicado da CGTP de 05-08-2014) 


Os tratados da UE e o euro são o culminar de um processo de relações de capitalismo dominado face a um centro dominante, em que são estabelecidos processos de troca desigual, devido aos desequilíbrios da estrutura produtiva, diferenças de produtividade e transferências de capitais, rendimentos e juros. 

Segundo relatórios do B de P o saldo dos movimentos de juros de privados, dividendos, lucros e transferências com a UE, atingiu de 2000 a 2013 um valor negativo de cerca de 11 000 M€, uma média anual de 766 M€, porém de 2007 a 2013, atingiu 1 430 M€. A estes valores somam-se os juros pagos pelo Estado: entre 2000 e 2013 uma média anual de 4 964 M€ ano, agravada nos anos da troika para 7 130 M€. Só em juros da dívida pública Portugal pagará em três anos e meio o que vai receber líquido da UE em sete, cerca de 26 000 M€ no quadro de apoio 2014-2017! 

A UE foi estabelecida de forma a criar a base necessária ao domínio e à exploração da "periferia" por um "centro", ampliando as desigualdades entre Estados e proporcionando uma repartição internacional de mais-valia da forma mais favorável aos países dominantes. 

A adesão ao euro foi propagandeada pela troika interna como um novo "el dorado"; falências e desemprego foram considerados vantajosos: tratava-se da "destruição criadora" que iria permitir a convergência real. Os partidos da troika propagandeavam que o que era obsoleto na indústria e agricultura daria lugar ao "novo e dinâmico". Os portugueses teriam salários e pensões iguais aos de outros países. Foi a mentira mil vezes repetida…muitos acreditaram, hoje abstêm-se e dizem mal de "os políticos". 

Os tratados da UE e do euro representaram estagnação e empobrecimento, provisoriamente mascarado pelo endividamento do Estado, empresas e famílias. Desde a sua introdução o euro, já de si valorizado em relação à moeda nacional, valorizou-se mais de 30% relativamente ao dólar, enquanto a economia portuguesa – evidentemente – estagnava ou regredia. Será possível um país desenvolver-se, sobreviver mesmo, ancorado a uma moeda deste tipo? Para não contrariar o dogma neoliberal da "moeda neutra" os propagandistas do neoliberalismo atribuem os problemas às prestações sociais. 

O que se verifica é a distorção da estrutura produtiva por atividades exportadoras de baixo valor acrescentado (pelo baixo nível tecnológico ou pelos processos de sub e sobrefaturação das transnacionais) mas também pelo crescimento desproporcionado das atividades terciárias e das não transacionáveis. Desta forma a integração dos países "periféricos" da UE, entre os quais Portugal, é uma mera falácia que se faz num processo de "desenvolvimento do subdesenvolvimento" (Samir Amim, referindo-se ao neocolonialismo). 

Os países ditos periféricos da UE estão assim submetidos a uma terapia neoliberal tal como o FMI e Banco Mundial aplicam aos países siubdesenvolvidos. "Os credores privados e seus representantes conseguiram impor condições aos governos. Pressionam para que sejam postas em prática políticas brutais de ajustamento que se traduzem pela redução das despesas públicas e redução do poder de compra da população. Isto conduz as economias a uma situação de recessão permanente". [4] 


A irracional (para não dizer criminosa) adesão ao euro e ao Tratado Orçamental, visa a destruição do poder estatal e eliminar das Constituições o que de alguma forma possa interferir com os objetivos do país dominante. A UE constitui-se assim um espaço de domínio económico que se procura impor como domínio político a favor do país dominante. Esta a natureza da "integração". 

Os "europeístas" defendem um governo europeu, ou seja, um imperialismo dirigido pelo "centro", e nesse centro pelo mais forte, a Alemanha, que o vai gerir (como já o faz) em função dos seus exclusivos interesses, mas também das suas muitas fragilidades. 

Portugal torna-se, assim, um país de capitalismo dominado (contrariamente ao que prescreve a Constituição) por um centro decadente, em crise, eivado de interesses contraditórios. Mas este centro está ele próprio dependente dos EUA e das suas aspirações a império global. [5] Dizer que tudo isto é benéfico para o país coloca o raciocínio ao nível das superstições medievais. É como se Erasmo ou Espinosa nunca tivessem existido. 

As políticas da UE significam: sejam vocês mais pobres para a Alemanha (não o povo alemão) ficar cada vez mais rica e poderosa. A Alemanha impõe aos outros o que ela própria não conseguiu no passado apesar do seu potencial e em condições muito favoráveis. Mesmo agora só o vai conseguindo e mal pelas condições que impõe aos demais e pelo euro, a frágil moeda do seu frágil imperialismo. 

Este imperialismo procura constituir-se nos domínios económico, político e militar. Os pés de barro desta construção tentam ser disfarçados com tratados irrealistas, absurdos, que se impõem apenas pela propaganda, pela mistificação e ameaças políticas, isto é, pela chantagem. 

Os países dependentes ficam despojados do seu excedente, pelas privatizações, pelos juros, pela livre transferência de capitais, pelo domínio das transnacionais. O controlo do comércio, a regulação financeira, os contratos públicos, até os OE estão já sob o domínio das burocracias de Bruxelas e de Frankfurt. A vontade popular é sucessivamente rejeitada – caso dos referendos sobre tratados europeus – ou iludida por políticos ao serviço dos oligarcas. 

O funcionamento da UE reflete os interesses das oligarquias dos diversos países e suas clientelas com vistas à acrescida exploração dos trabalhadores. Nos países dependentes a oligarquia caracteriza-se por perder as referências nacionais (veja-se onde têm as sedes os seus grupos económicos e onde colocam os lucros). Tornam-se "correias de transmissão" dos centros imperialistas para conservar um certo domínio político e económico no país e partilhar os seus recursos. Uma "correia de transmissão" sem a qual a ação externa seria ineficaz ou não rentável. [6] Os governos ao seu serviço falam então em "ganhar a confiança dos mercados". Como se as oligarquias não se estabelecessem na antítese do teoricamente livre mercado liberal. 

Não compreender que o imperialismo é estrutural do modo de produção capitalista é imaginar um capitalismo "bom", altruísta (!) nas relações entre Estados e sem contradições; é não entender que os países dominantes procuram sempre resolver as suas próprias contradições à custa dos países dominados. No estádio monopolista o modo de funcionamento do modo de produção capitalista é o imperialismo, que exprime de acordo com a tese leninista a lei do desigual desenvolvimento capitalista à escala mundial. [7] 


Os problemas dos países periféricos têm de ser entendidos em termos de economia política, isto é, como se cria e se distribui o valor. Portanto, também o papel de cada país nas relações de troca internacionais e o seu posicionamento perante o sistema imperialista. A social-democracia/socialismo reformista subverte a noção de capitalismo dependente e de relações imperialistas com a de "nossos parceiros". Eis como qualificam a agiotagem e o neocolonialismo instituído. 

Pelo endividamento, banqueiros e grandes capitalistas pilham sem escrúpulos o bem comum, enquanto os partidos da troika e seus propagandistas fazem campanha para o pagamento da dívida "até ao último cêntimo", no dizer do sr. José Seguro em "consenso" com o PSD e CDS. 

Pela austeridade são impostos sacrifícios em benefício da especulação financeira. É este o mecanismo do enriquecimento pelo empobrecimento geral. Os países estão reféns dos juros, perdem a sua soberania e submetem-se a constrangimentos a troco de promessas que a vida permanentemente nega, num espaço político e económico decadente e afetado por uma crise crónica. 

As privatizações permitem aos monopólios obter um sobrelucro garantido politicamente – não pelo mercado! – para contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro, acentuada pela crise. O risco capitalista do grande capital é desta forma transferido para as MPME e para os contribuintes, em última análise para o povo. 

O excedente económico criado no país é livremente transferido para paraísos fiscais, vigorando o argumento que "se assim não fosse os mais ricos mudar-se-iam para a Suíça, Dubai, Nova Iorque, etc." Que sociedade e que "eficiência" é esta que se torna prisioneira da ganância dos "mais ricos"? 

As opções do governo PSD-CDS são claras: recusou uma posição comum sobre o tratamento das dívidas dos Estados, mesmo com governos de orientações idênticas, pois isso beliscaria as intenções do governo alemão. O secretário de Estado Bruno Maçães foi na altura qualificado em Atenas de "o alemão". 

Estão ainda na memória as imagens de subserviência do ministro Vítor Gaspar perante o ministro das finanças alemão. O ultra direitista deputado do CDS no PE, Nuno Melo afirmava em entrevista à RDP: "deve haver uma discriminação positiva para os países que cumprem as regras quanto ao défice e os que são incumpridores, relapsos." Alinhava assim com as intenções do governo alemão, exprimia a sua "solidariedade" com os interesses da agiotagem internacional. "Solidariedade" que, bem podemos dizer, sai da pele do povo português e nos condena ao atraso permanente. 

A libertação dos países dependentes depende da consciencialização e da luta dos seus povos, mas não só. A solidariedade internacional, a ligação aos povos e aos países com problemas comuns é essencial, as lutas do proletariado nos países dominantes são também fundamentais. 

O desenvolvimento exige que seja retomada a plena soberania do país, incluindo a monetária, orientando os seus recursos para o desenvolvimento industrial e tecnológico, na base de planos de curto, médio e longo prazo. Só saindo do colete-de-forças imposto pelos tratados da UE e do euro será possível o país entrar numa via de desenvolvimento económico e social.







[1] Christian Palloix, A economia Mundial Capitalista, Vol. II, p. 24 ,Ed. Estampa 
[2] Guy Breton, autor de Histoires d' Amour de L'Histoire de France, acerca da corte de Henrique III. 
[3] Devido a despesas de recapitalização financeira ,BES, BPN crédito, dívidas de EP's a privatizar, etc. (Relatório da UTAO agosto 2014) 
[5] Ver "Obama subjuga a Europa: Sanções aprofundam a recessão", resistir.info/petras/petras_23ago14_p.html
[6] Christian Palloix, obra citada, Vol. II, p. 282. 
[7] Christian Palloix, obra citada, Vol. I, p. 64. 



Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .



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