Aborto não é questão de opinião

Aborto não é questão de opinião 
por Lugar de Mulher - (Clara)


"Eu fico descaralhada quando vejo a cobertura do caso da Jandira com foco na “quadrilha que realizava abortos” e mais ainda com os comentários. “Mereceu”, “matou, morreu”, “na hora de abrir as pernas foi bom” e todas aquelas outras pérolas que vocês podem imaginar. Além da ignorância e da percepção de que a vida da mulher não vale nada, isso também demonstra uma atitude punitivista com a mulher que faz sexo. Deu? Agora aguenta. Ninguém pergunta onde está o homem que engravidou. Ninguém quer saber se ele se protegeu, se ele se preocupou. Diante dos olhos desse terrível senso comum, ao homem não cabe nenhuma responsabilidade quando o assunto é contracepção."

Temos mais uma vítima do aborto ilegal no Brasil. Jandira, 25 anos, mãe de dois, foi levada a uma clínica de aborto clandestina e “desapareceu”.

E é isso que acontece em um país que criminaliza a liberdade de escolha da mulher. 

Uma mulher que quer fazer um aborto não está interessada se sua tia Celina acha um crime, se o seu primo Robério considera a legalização genocídio, se você é contra porque acha que é uma vida e todos têm direito à vida. Uma mulher que quer fazer aborto vai fazer esse aborto. Ou vai tentar e se estrepar. Vai tentar numa clínica ou em casa com remédio ou enfiando uma agulha de tricô no útero e depois morrendo de medo de ir ao médico fazer uma curetagem, ser denunciada e presa. Uma mulher que estiver passando pelo desespero de uma gravidez indesejada vai colocar sua vida em risco porque o Estado não nos dá o direito de escolher legalmente o que queremos, então burlamos a lei. Não dá nem pra dizer que quem tem grana sempre vai na clínica limpinha, olha o que aconteceu com a Jandira. Ela pagou quatro mil e quinhentos reais e morreu. Imagina então o que acontece com quem não tem nenhum dinheiro. Com as mulheres negras, pobres, da periferia.

A sua opinião pessoal sobre aborto não importa. As mulheres vão continuar abortando e correndo risco de vida enquanto não for legal e seguro. Não é possível que seja tão difícil de entender.

A legalização do aborto não é uma questão de crenças, tabus ou religião, que sequer deveriam ser envolvidos nessa questão. É uma questão de saúde pública e deve ser tratada como tal.

A quem argumenta que “aborto vai virar método contraceptivo”: não sei nem o que dizer pra vocês. Ninguém acorda um dia e pensa “nossa, que dia lindo, acho que vou fazer sexo e engravidar pra fazer um abortinho”! Isso não é nem uma questão. Quem fala em “banalização do aborto” nunca parou nem pra pensar direito no assunto e nem pra ver os dados de países que legalizaram o aborto, como foi o caso do Uruguay. Sabe o que aconteceu? As mulheres que abortariam ilegalmente correndo risco de vida abortaram de forma legal e segura e não morreram. Nenhuma mulher morreu. 

Não gosta da ideia do aborto? Pois bem, não faça um. A sua opinião não vai mudar o fato de que mulheres abortam. Mulheres abortam todos os dias de forma insegura. Mulheres que são mães abortam ilegalmente. Mulheres que não querem ter filhos abortam diariamente. Mulheres religiosas “contra” o aborto abortam diariamente. Mães de família abortam, adolescentes abortam, mulheres pobres abortam, mulheres ricas abortam, mulheres casadas, mulheres solteiras, mulheres empregadas, desempregadas. Mulheres de todos tipos abortam e não há opinião alheia que vá fazer isso mudar.

Eu já fui essa mulher. Sei bem o que estou falando.

Quando fiz um aborto, em 2009, tinha a cabeça bem diferente de agora. Não foi sussa, não foi nada de boa e fiquei em frangalhos depois, tanto emocionalmente quanto hormonalmente, por vários motivos. Mas não dava. Eu não podia ter outro filho e depois de muita discussão com meu então namorado acordamos que assim seria. Não foi “descuido”, eu tomava pílula. Acontece. Aconteceu comigo.

E ainda bem que eu tive condições de encontrar um médico confiável e uma clínica boa. Ainda bem que eu não deixei qualquer coisa que eu acreditasse na época interferir na minha decisão, pois eu estaria hoje em uma lama inimaginável.

Eu fico descaralhada quando vejo a cobertura do caso da Jandira com foco na “quadrilha que realizava abortos” e mais ainda com os comentários. “Mereceu”, “matou, morreu”, “na hora de abrir as pernas foi bom” e todas aquelas outras pérolas que vocês podem imaginar. Além da ignorância e da percepção de que a vida da mulher não vale nada, isso também demonstra uma atitude punitivista com a mulher que faz sexo. Deu? Agora aguenta. Ninguém pergunta onde está o homem que engravidou. Ninguém quer saber se ele se protegeu, se ele se preocupou. Diante dos olhos desse terrível senso comum, ao homem não cabe nenhuma responsabilidade quando o assunto é contracepção.

Aliás, o assunto não deve nem cair pra esse lado: não estamos falando de contracepção e sim de quando ela falha.

O NY Times publicou hoje um gráfico incrível sobre as chances dos métodos contraceptivos falharem. Não é nem coisa pouca. Fica aí a reflexão pra quem acha que “não precisa” legalizar o aborto, é só “se cuidar”.

Dia 28 de setembro é o dia latino-americano pela descriminalização do aborto e algumas feministas fantásticas fizeram o blog “28 dias pela vida das mulheres”, com muitos textos e dados necessários. Vale a leitura diária.








Dados a respeito do Aborto




* Faltam 15 dias para o Dia Latino Americano de Descriminalização do Aborto *

:

:Uma pesquisa de 2012 mapeou como é a cara do aborto no Brasil e no Mundo.

CHAVES, José Humberto Belmino; PESSINI, Leo; BEZERRA, Antônio Fernando de Sousa; REGO, Guilhermina; NUNES, Rui ; 2012. “A interrupção da gravidez na adolescência: aspectos epidemiológicos numa maternidade pública no nordeste do Brasil”. Revista de Saúde Social, São Paulo, v. 21, p. 216-256. 

No Brasil, pesquisa de 2012. 

- aborto ocorre em 31% das gestações de mulheres de 15 a 49 anos.

- Estima-se que ocorram 1,4 milhões de abortos clandestinos no Brasil.

- a curetagem pós- abortamento representa o segundo procedimento obstétrico mais realizado nas unidades de internação da rede pública de serviços de saúde, superada apenas pelos partos normais.

- De 2010 a 2011 foram realizados 45.342 procedimentos de curetagens pós-aborto em mulheres abaixo de 19 anos. 

-Os métodos utilizados para provocar os abortos ilegais levam a quadros infecciosos e hemorrágicos graves. As complicações em decorrência desses quadros comprometem a saúde das mulheres e são a causa de 10% a 15% dos óbitos maternos no Brasil.

- A mortalidade decorrente do aborto é 2,5 vezes maior em menores de 20 anos. 

- Segundo a Organização Mundial de Saúde, no Brasil uma em cada nove mulheres recorre ao aborto como meio de pôr fim a uma gestação não planejada. 

- Pesquisa realizada com 223 adolescentes internadas com diagnóstico de interrupção de gravidez em Maceió (AL): nos abortamentos provocados – 60,20% eram pardas, seguidas das brancas 32,4% e 3,98% eram pretas. A maioria não fazia uso de álcool ou fumo. Em 81,59% das adolescentes do estudo a interrupção da gravidez foi provocada. 

- A contracepção é uma das ações previstas nas políticas de saúde desde a década de 1980, e consta como direito na Constituição Brasileira, no entanto sua implementação não assegura a efetividade. O aborto acaba sendo a única saída para que as mulheres arrisquem suas vidas no caso de uma gravidez indesejada, utilizando-se muitas vezes de pessoas não habilitadas e métodos rudimentares. É uma decisão vivida muitas vezes de forma solitária e clandestina, ou sobre pressão de parceiros ou familiares. 

Fonte: Maria Luiza Heilborn



- Dados da Organização Mundial de Saúde (2004) – 95% dos casos de aborto inseguro acontecem em países em desenvolvimento. 

- No Brasil, a Pesquisa acional de Aborto de 2010 aponta que 15% das mulheres alfabetizadas entre 18 e 39 anos , residentes em áreas urbanas, já realizaram ao menos um aborto ao longo da vida. 

- Na Argentina, Colômbia e Brasil o aborto induzido é crime. 

- Na América Latina apenas em Cuba , Cidade do México e no Uruguai o aborto é discriminalizado. 

Número de abortos realizados para cada 100 mulheres em idade fértil

Países em que o aborto foi legalizado:

Holanda- 0,53

Canadá – 1,2

Países que o aborto é criminalizado:

Brasil- 3,65

Peru- 5,19

Além de legalizar o aborto foram feitas políticas de amplo acesso aos métodos anticoncepcionais. 

Europa: taxa média de aborto a cada 1000 gestações é menor que 10. 

América Latina essa taxa é 37 abortos a cada 1000 gestações.

Legislações punitivas não garante baixo índice de abortamento. 








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