"O capital produz uma demanda por ordem e militarização"
"O capital produz uma demanda por ordem e militarização"
por Patrick Granja e José Ricardo Prieto | Jornal A Nova Democracia
Entrevista com a socióloga Vera Malaguti Batista
Vera Malaguti Batista também criticou veemente a política higienista de combate ao crack no Rio de Janeiro, adotada pelos gerenciamentos municipal e estadual. Atualmente, a linha do velho Estado diante dessa delicada questão de saúde pública tem sido as polêmicas internações compulsórias de usuários de crack.
— O crack não existia no Rio de Janeiro há 10 anos. E o curioso é que essa mesma empresa do tráfico varejista que impedia a entrada dessa droga na cidade é a mais perseguida pelo Estado. Ao mesmo tempo em que essa empresa começa a declinar, o crack começa a entrar de forma mais contundente no Rio. A nossa política criminal de drogas, baseada no modelo do USA, é uma política que finge ser contra as drogas, mas é uma geopolítica de ocupação com objetivos diferentes do ciclo latinoamericano de ditaduras militares. O crack é uma droga pouco estudada e nós estamos acompanhando a ignorância dessa figura lamentável que é o prefeito do Rio de Janeiro. Todo mundo está vendo que não adianta reprimir, não adianta ocupar, não adianta vir com essa conversa de recolher para protejer. Na década de 80 era a cola de sapateiro, agora é o crack, mas permanece o discurso higienista — denuncia.
— Nesse sentido, a iternação compulsória tem sido o discurso das pessoas mais obtusas. Surpreendentemente, nós estamos vendo até o presidente da OAB do Rio defendendo essa linha. Na mão contrária, o Conselho Regional de Psicologia e o de Serviço Social são os agentes que estão defendendo os direitos constitucionais, enquanto a OAB evoca o argumento higienista de que isso tem que ser feito em nome da saúde pública. Então, eu acho que o crack está sendo o gatilho para o recolhimento da população de rua. Agora o Estado tem um motivo para recolher com o suposto intuito de proteger. Nós não temos nenhuma estrutura de tratamento, de atenção, de recuperação e nem vamos ter, porque a saúde pública não é uma prioridade desse governo. Esse pessoal gosta de grandes compras, grandes construções, destrói Maracanã, constrói de novo. Como diz o Nilo Batista, o crime é plástico porque ele encobre toda a conflitividade social — explica.
Por fim, a socióloga falou sobre o julgamento dos réus do mensalão, convertido em show televisivo pelo monopólio dos meios de comunicação em conluio com os gerenciamentos de turno. Segundo Vera Malaguti, a conversão dos ministros do STF em heróis da nação — em especial, o ministro Joaquim Barbosa — pode representar um perigoso processo de deslocamento da realidade.
— O julgamento do mensalão foi um escândalo porque ele aconteceu às vésperas da eleição. Por isso que eu acho que a eleição em São Paulo foi uma lambada. O Brasil é o único lugar onde as seções do STF são televisionadas e isso não é bom. É o caso do ministro, que eu prefiro não citar o nome, que foi capa da revista Veja. Quando a pessoa é capa dessa revista, é porque o negócio está feio. Ele ainda foi elogiado pelo Fantástico, Jornal Nacional, etc.. Mas tudo isso aponta para uma coisa muito perigosa que é a judicialização da vida. Há um surto nos juízes, promotores, delegados e policiais de autoridade extrema, que eu acho que vai chegar a um ponto no qual eles vão se descolar da realidade, porque eles estão vivendo em um mundo virtual — alerta.
— O mensalão foi um escândalo televisionado que virou um show. O ministro que absolveu os mensaleiros foi hostilizado quando foi votar. Observa-se que a absolvição virou um crime. O ouro garantista, que é um pouco do ouro da Revolução Francesa, sem esconder a Comuna de Paris, não tratando a revolução como liberal, mas levando em consideração que ela começa com a demolição da Bastilha, que era a prisão absolutista, um símbolo da opressão absolutista; eu acho que nós estamos perdendo um pouco desse ouro. Por isso, eu acho que o surto jurídico e penal é tão grande, que, daqui a pouco, ele vai se descolar da realidade. Porque a realidade ali rompe, ela vaza. Não tem como você sufocar a realidade por muito tempo. Como pode aqueles juízes-ministros canastrões ficarem falando para a câmera como artistas? — conclui.
Fonte: Jornal O Rebate http://www.jornalorebate.com.br
Mafarrico Vermelho
por Patrick Granja e José Ricardo Prieto | Jornal A Nova Democracia
"O julgamento do mensalão foi um escândalo porque ele aconteceu às vésperas da eleição. Por isso que eu acho que a eleição em São Paulo foi uma lambada. O Brasil é o único lugar onde as seções do STF são televisionadas e isso não é bom. É o caso do ministro, que eu prefiro não citar o nome, que foi capa da revista Veja. Quando a pessoa é capa dessa revista, é porque o negócio está feio. Ele ainda foi elogiado pelo Fantástico, Jornal Nacional, etc.. Mas tudo isso aponta para uma coisa muito perigosa que é a judicialização da vida."
Entrevista com a socióloga Vera Malaguti Batista
No final de outubro, a socióloga Vera Malaguti Batista — professora de Criminologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Secretária Geral do Instituto Carioca de Criminologia — falou em entrevista exclusiva ao AND na sede do ICC, no bairro de Santa Teresa, região central do Rio de Janeiro. Um dos assuntos abordados com mais rigor pela especialista foi a militarização de favelas e bairros pobres no Rio de Janeiro, processo que tem se expandido para outros estados, como São Paulo, onde a favela de Paraisópolis encontra-se ocupada pelas forças de repressão do velho Estado. Enquanto isso, no Rio, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) seguem impondo autêntico regime de exceção às populações dessas localidades pobres.
— Eu acho que esse projeto de militarização é um projeto de ocupação do Rio de Janeiro, é um projeto que está no imaginário conservador nacional há muito tempo, visto que o Rio sempre foi uma cidade rebelde. Várias tentativas já foram feitas no sentido de militarizá-la, como a operação Rio 1, operação Rio 2, 1964, 1961, com fins de reprimir a rebeldia ilustrada muito bem no século 19, com as rebeliões escravas. Como dizia o Brizola, o Rio é um tambor que ressoa para o resto do país. O que mais me impressiona é o fato desse processo de militarização acontecer justamente na democracia, com a cobertura total dos meios de comunicação e impedindo o trabalho heróico de veículos como o jornal A Nova Democracia. E ainda tem gente que fala: 'não, mas os moradores estão gostando'. Se isso é verdade, eu fico mais assustada ainda, porque então o morador está gostando de ser ocupado — alerta.
— A recepção desse projeto vem sendo ardilosamente construída pelos grandes meios de comunicação desde o fim da ditadura, quando o inimigo interno sai da subversão e vai para o criminoso comum. Somado a isso, existe uma má compreensão da esquerda sobre a questão criminal, sobre o que essa questão representa para o capitalismo nos dias de hoje. O capital financeiro, o neoliberalismo produz uma demanda por ordem, por militarização, por ocupação de território, ele é um projeto devastador que destrói as redes coletivas de mútuo apoio, desde as estatais, até as locais. Além disso, é um projeto que constrói a figura do inimigo como o pobre, favelado, que criminaliza as estratégias de sobrevivência, como é o caso da “pirataria” e dos camelôs — explica.
socióloga Vera Malaguti Batista
— Nesse contexto, as favelas são os locais onde existe capacidade de produção, é a chamada classe C. Não é a toa que as UPPs entram nas favelas com a NET, a Sky e os bancos. Trata-se de uma ocupação e de um ordenamento brutal dessa potência que as áreas populares têm de estar sempre se reinventando, de estarem sempre bolando estratégias criativas de sobrevivência, que poderiam ter sentidos mais coletivos, mais socializantes. As “milícias” (não gosto desse nome), por exemplo, também são uma espécie de economia popular que cresceu no vácuo dessas políticas de ocupação que emergiram desde a saída da ditadura. São estratégias que proporcionam um tipo de dominação territorial e ocupação econômica, que em tempos de democracia, é um retrocesso à ditadura — analisa.
— Por outro lado, usando uma linguagem militar, o problema da segurança no Rio é um problema classificado, visto que os dados são todos maquiados. É obvio que a ocupação e a escolha de se combater somente uma das empresas do comércio varejista de drogas [o Comando Vermelho] favoreceu as outras empresas. E de uma certa forma, o Estado de polícia fez com que as empresas que tinham subterraneamente, ou mesmo na superfície, relações com as forças policiais, ficassem fortalecidas no comando do comércio de drogas — aponta.
— Eu acho que esse projeto de militarização é um projeto de ocupação do Rio de Janeiro, é um projeto que está no imaginário conservador nacional há muito tempo, visto que o Rio sempre foi uma cidade rebelde. Várias tentativas já foram feitas no sentido de militarizá-la, como a operação Rio 1, operação Rio 2, 1964, 1961, com fins de reprimir a rebeldia ilustrada muito bem no século 19, com as rebeliões escravas. Como dizia o Brizola, o Rio é um tambor que ressoa para o resto do país. O que mais me impressiona é o fato desse processo de militarização acontecer justamente na democracia, com a cobertura total dos meios de comunicação e impedindo o trabalho heróico de veículos como o jornal A Nova Democracia. E ainda tem gente que fala: 'não, mas os moradores estão gostando'. Se isso é verdade, eu fico mais assustada ainda, porque então o morador está gostando de ser ocupado — alerta.
— A recepção desse projeto vem sendo ardilosamente construída pelos grandes meios de comunicação desde o fim da ditadura, quando o inimigo interno sai da subversão e vai para o criminoso comum. Somado a isso, existe uma má compreensão da esquerda sobre a questão criminal, sobre o que essa questão representa para o capitalismo nos dias de hoje. O capital financeiro, o neoliberalismo produz uma demanda por ordem, por militarização, por ocupação de território, ele é um projeto devastador que destrói as redes coletivas de mútuo apoio, desde as estatais, até as locais. Além disso, é um projeto que constrói a figura do inimigo como o pobre, favelado, que criminaliza as estratégias de sobrevivência, como é o caso da “pirataria” e dos camelôs — explica.
socióloga Vera Malaguti Batista
— Nesse contexto, as favelas são os locais onde existe capacidade de produção, é a chamada classe C. Não é a toa que as UPPs entram nas favelas com a NET, a Sky e os bancos. Trata-se de uma ocupação e de um ordenamento brutal dessa potência que as áreas populares têm de estar sempre se reinventando, de estarem sempre bolando estratégias criativas de sobrevivência, que poderiam ter sentidos mais coletivos, mais socializantes. As “milícias” (não gosto desse nome), por exemplo, também são uma espécie de economia popular que cresceu no vácuo dessas políticas de ocupação que emergiram desde a saída da ditadura. São estratégias que proporcionam um tipo de dominação territorial e ocupação econômica, que em tempos de democracia, é um retrocesso à ditadura — analisa.
— Por outro lado, usando uma linguagem militar, o problema da segurança no Rio é um problema classificado, visto que os dados são todos maquiados. É obvio que a ocupação e a escolha de se combater somente uma das empresas do comércio varejista de drogas [o Comando Vermelho] favoreceu as outras empresas. E de uma certa forma, o Estado de polícia fez com que as empresas que tinham subterraneamente, ou mesmo na superfície, relações com as forças policiais, ficassem fortalecidas no comando do comércio de drogas — aponta.
Vera Malaguti Batista também criticou veemente a política higienista de combate ao crack no Rio de Janeiro, adotada pelos gerenciamentos municipal e estadual. Atualmente, a linha do velho Estado diante dessa delicada questão de saúde pública tem sido as polêmicas internações compulsórias de usuários de crack.
— O crack não existia no Rio de Janeiro há 10 anos. E o curioso é que essa mesma empresa do tráfico varejista que impedia a entrada dessa droga na cidade é a mais perseguida pelo Estado. Ao mesmo tempo em que essa empresa começa a declinar, o crack começa a entrar de forma mais contundente no Rio. A nossa política criminal de drogas, baseada no modelo do USA, é uma política que finge ser contra as drogas, mas é uma geopolítica de ocupação com objetivos diferentes do ciclo latinoamericano de ditaduras militares. O crack é uma droga pouco estudada e nós estamos acompanhando a ignorância dessa figura lamentável que é o prefeito do Rio de Janeiro. Todo mundo está vendo que não adianta reprimir, não adianta ocupar, não adianta vir com essa conversa de recolher para protejer. Na década de 80 era a cola de sapateiro, agora é o crack, mas permanece o discurso higienista — denuncia.
— Nesse sentido, a iternação compulsória tem sido o discurso das pessoas mais obtusas. Surpreendentemente, nós estamos vendo até o presidente da OAB do Rio defendendo essa linha. Na mão contrária, o Conselho Regional de Psicologia e o de Serviço Social são os agentes que estão defendendo os direitos constitucionais, enquanto a OAB evoca o argumento higienista de que isso tem que ser feito em nome da saúde pública. Então, eu acho que o crack está sendo o gatilho para o recolhimento da população de rua. Agora o Estado tem um motivo para recolher com o suposto intuito de proteger. Nós não temos nenhuma estrutura de tratamento, de atenção, de recuperação e nem vamos ter, porque a saúde pública não é uma prioridade desse governo. Esse pessoal gosta de grandes compras, grandes construções, destrói Maracanã, constrói de novo. Como diz o Nilo Batista, o crime é plástico porque ele encobre toda a conflitividade social — explica.
Por fim, a socióloga falou sobre o julgamento dos réus do mensalão, convertido em show televisivo pelo monopólio dos meios de comunicação em conluio com os gerenciamentos de turno. Segundo Vera Malaguti, a conversão dos ministros do STF em heróis da nação — em especial, o ministro Joaquim Barbosa — pode representar um perigoso processo de deslocamento da realidade.
— O julgamento do mensalão foi um escândalo porque ele aconteceu às vésperas da eleição. Por isso que eu acho que a eleição em São Paulo foi uma lambada. O Brasil é o único lugar onde as seções do STF são televisionadas e isso não é bom. É o caso do ministro, que eu prefiro não citar o nome, que foi capa da revista Veja. Quando a pessoa é capa dessa revista, é porque o negócio está feio. Ele ainda foi elogiado pelo Fantástico, Jornal Nacional, etc.. Mas tudo isso aponta para uma coisa muito perigosa que é a judicialização da vida. Há um surto nos juízes, promotores, delegados e policiais de autoridade extrema, que eu acho que vai chegar a um ponto no qual eles vão se descolar da realidade, porque eles estão vivendo em um mundo virtual — alerta.
— O mensalão foi um escândalo televisionado que virou um show. O ministro que absolveu os mensaleiros foi hostilizado quando foi votar. Observa-se que a absolvição virou um crime. O ouro garantista, que é um pouco do ouro da Revolução Francesa, sem esconder a Comuna de Paris, não tratando a revolução como liberal, mas levando em consideração que ela começa com a demolição da Bastilha, que era a prisão absolutista, um símbolo da opressão absolutista; eu acho que nós estamos perdendo um pouco desse ouro. Por isso, eu acho que o surto jurídico e penal é tão grande, que, daqui a pouco, ele vai se descolar da realidade. Porque a realidade ali rompe, ela vaza. Não tem como você sufocar a realidade por muito tempo. Como pode aqueles juízes-ministros canastrões ficarem falando para a câmera como artistas? — conclui.
Fonte: Jornal O Rebate http://www.jornalorebate.com.br
Mafarrico Vermelho
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