Mercados e Mitos
Mercados e Mitos
Sugeriram-me uma intervenção sobre os mercados, essa identidade mítica que nos é apresentada como algo que decide pelos povos, pelas nações, apesar de não ter sido eleita nem escrutinada.
Para que o mito funcione – os mercados são sempre referenciados de forma abstracta, «divina» – julgando o bem e o mal decidido.
Mas esses ditos mercados têm bilhete de identidade e são no essencial os Bancos, as Companhias de Seguros e os diversos fundos especulativos (os mercados financeiros) em que assentou e assenta a monumental especulação desta economia de casino!
Disseram-nos que para podermos ir aos mercados financiarmo-nos «teríamos de cumprir!», isto é, pagar os juros usurários e aplicar as medidas de extorsão!
Mas os mercados, o que vão fazer é o que sempre têm feito: procurar sugar o máximo. Até à intervenção da troika foram cobrando juros cada vez mais elevados a pretexto dos défices públicos; amanhã continuarão a especular a pretexto de que o crescimento económico é cada vez mais insuficiente!
Com o euro e com a decisão ditada pela Alemanha de o Banco Central Europeu não financiar os estados (o que não acontece nos EUA, Japão, Inglaterra) a especulação deslocou-se das taxas de câmbio para as taxas de juro. Portugal deixou de poder contar com o Banco de Portugal para se financiar e tal como no século XIX ficou dependente dos ditos mercados. Meteram a raposa no galinheiro.
Com a crise e com todos os estados a irem em socorro dos Bancos à beira da falência, a procura de meios de financiamento aumentou exponencialmente, permitindo aos detentores de liquidez a especulação sem freio, contando ainda com a preciosa ajuda das Agências de Notação.
É necessário sublinhar e recordar que Portugal antes da crise (2007) não só tinha uma dívida pública inferior a boa parte dos países europeus (França, Bélgica, Itália…) como se financiava a taxas de juro inferiores à média europeia.
Então o que é que se passou depois, para termos esta elevadíssima dívida pública? Foi porque se começou a gastar muito mais na educação, na saúde, na segurança? Não! Foi porque com a crise e com as respostas neoliberais que lhe foram dadas a actividade económica foi-se afundando, gerando cada vez menos receitas, ao mesmo tempo que o Estado se transformava em rede de segurança dos Bancos privados à custa dos contribuintes sendo também obrigado a aumentar prestações sociais face ao crescimento do desemprego e da pobreza. A tudo isto veio juntar-se depois os empréstimos a juros agiotas hoje tutelados pela troika, que fazem de nós uma autêntica colónia da Europa. O Estado transformou-se de facto em prestamista de último recurso dos Bancos, devendo injectar 3400 milhões de euros até ao fim do ano no BPN, o Banco das figuras gradas do PSD e de Cavaco Silva, com o impacto negativo nas contas públicas que todos estamos a pagar, sem contar com os prejuízos da Caixa Geral de Depósitos!
O mesmo se passou com a garantia dada ao BPP, pois o Tesouro não foi reembolsado da execução do aval dado a este Banco. Mas o caso do BPN ainda está em curso e poderá atingir os 6500 milhões de euros, bastante mais do que os quatro mil milhões que o Governo quer agora cortar debaixo da capa do eufemístico «refundar», perdão, «repensar» as funções do Estado!
Como também se sabe do empréstimo da troika, 12 mil milhões de euros são para a Banca. O BCP já ficou com três mil milhões e o BPI com 1300 milhões. E há ainda 7,7 mil milhões que estão a ser pagos em última estância pelos contribuintes, isto é, pelos trabalhadores – e que o Governo não injecta na economia porque diz estarem de precaução no caso de a Banca vir a precisar!
Mas então se estes 7,7 mil milhões estão de facto parados e na prática consignados à Banca, a despesa que o povo português está a pagar directa e indirectamente não devia ser paga pela Banca?
Poderão perguntar-nos se a Banca que está fortemente endividada – alavancada! – ao estrangeiro, aguenta pagar mais essa despesa.
Daqui lhes respondemos como o outro, ai aguenta... aguenta!
Bastava que Portugal tivesse um governo patriótico ao serviço do povo e do País. Não só aguentava como financiava a economia nacional. Na verdade, fala-se muito da dívida pública para se esconder a dívida privada e em particular a da Banca! Para se esconder que se está a resolver os problemas do sistema financeiro à custa da dívida pública, à custa do corte de subsídios, dos salários, das reformas e do aumento brutal de impostos.
Em Portugal e na Europa, os estados aumentam os seus défices orçamentais por causa do sistema financeiro, aumentaram a sua dívida pública para salvar a Banca, melhor dizendo, os banqueiros e os seus principais accionistas.
Se os Bancos privados e as grandes empresas são tão eficientes e o Estado tão ineficiente porque será que os ditos mercados deixaram de lhes emprestar e foi o Estado que angariou os empréstimos e os recursos para que estes não tivessem ido à falência? Porque será que o mercado interbancário deixou de funcionar? Porque será que os bancos não confiam uns nos outros?
Tem sido o Estado que emitindo Títulos de dívida pública tem fornecido à Banca os respectivos colaterais (garantias), pagando ainda por cima juros de 4% e 5% para que esta tenha ido ao BCE levantar os mesmos montantes à taxa de 1%, inclusivamente nos empréstimos a três anos.
Uma parte, pelo menos, deste diferencial de juros cobertos com Títulos do Estado deveria reverter para o Orçamento. Mas não só não reverte como o dinheiro não chega à economia e em particular às pequenas e médias empresas.
O PCP tinha razão
Este Governo está a enredar Portugal numa dívida perpétua e numa repetição de medidas de austeridade. Ao contrário do que diz o ministro dos submarinos, para justificar o seu nacionalismo em relação à sua base de apoio, a política que está a ser seguida não vai levar a que Portugal recupere a sua soberania, mas sim a que o País fique cada vez mais endividado e dependente.
Quando o PCP denunciava as PPP e as rendas excessivas, e quando foi pioneiro ao afirmar que era necessário renegociar a dívida, a resposta dos economistas e comentadores enfeudados ao sistema foi a do silêncio, da indiferença, ou da negação sobranceira.
Depois de negarem a evidência começaram então a conjugar o re, de reavaliação, de reanálise, de revisitação da dívida e dos termos acordados com a troika, para evitarem chamar os bois pelos nomes: renegociação!
Outros adjectivaram-na! Chamaram-lhe renegociação honrada, para evitar conotações comunistas! Honrada dizem porque excluem qualquer anulação de parte da dívida, «hair cut»! Afinal o PCP tinha razão.
Agora à boleia da Grécia, tal como já tinha acontecido no primeiro corte de um ponto percentual considera-se que Portugal irá beneficiar de uma baixa da taxa de juros e alongamento do prazo. Embora seja uma decisão ditada pela força das circunstâncias e de curto prazo – incumprimento grego, explosão do euro, eleições da srª Merkel, salvação de Bancos europeus – a verdade é que esta decisão mostra a sua inevitabilidade e mostra que afinal a renegociação dos juros, dos prazos e anulação de parte da dívida, neste caso pela compra da dívida mais barata, era possível e necessária. Mostra que a postura a ter na UE é a defesa firme dos interesses nacionais e não a da vergonhosa subserviência. Mas o montante da dívida que Portugal já atingiu, mesmo com esta eventual diminuição de taxas de juro e alongamento dos prazos que abarca apenas a dívida do FEEF (1/3 da dívida), continua a ser insustentável.
As taxas de juro podem e devem levar um corte ainda maior pois se o BCE empresta a cerca de 1% à Banca privada porque é que a UE financia os estados a taxas muito superiores? Portugal deve também exigir a redução da sua dívida. E é necessário combater a sua origem, o que passa também pelo combate às famigeradas políticas de austeridade.
Carlos Carvalhas
Membro do Comité Central do PCP
Intervenção proferida no XIX Congresso do PCP, realizado em Almada de 30 de Novembro a 2 de Dezembro
Fonte: Jornal Avante em www.avante.pt
Mafarrico Vermelho
por Carlos Carvalhas
"Se os Bancos privados e as grandes empresas são tão eficientes e o Estado tão ineficiente porque será que os ditos mercados deixaram de lhes emprestar e foi o Estado que angariou os empréstimos e os recursos para que estes não tivessem ido à falência? Porque será que o mercado interbancário deixou de funcionar? Porque será que os bancos não confiam uns nos outros? "
Sugeriram-me uma intervenção sobre os mercados, essa identidade mítica que nos é apresentada como algo que decide pelos povos, pelas nações, apesar de não ter sido eleita nem escrutinada.
Para que o mito funcione – os mercados são sempre referenciados de forma abstracta, «divina» – julgando o bem e o mal decidido.
Mas esses ditos mercados têm bilhete de identidade e são no essencial os Bancos, as Companhias de Seguros e os diversos fundos especulativos (os mercados financeiros) em que assentou e assenta a monumental especulação desta economia de casino!
Disseram-nos que para podermos ir aos mercados financiarmo-nos «teríamos de cumprir!», isto é, pagar os juros usurários e aplicar as medidas de extorsão!
Mas os mercados, o que vão fazer é o que sempre têm feito: procurar sugar o máximo. Até à intervenção da troika foram cobrando juros cada vez mais elevados a pretexto dos défices públicos; amanhã continuarão a especular a pretexto de que o crescimento económico é cada vez mais insuficiente!
Com o euro e com a decisão ditada pela Alemanha de o Banco Central Europeu não financiar os estados (o que não acontece nos EUA, Japão, Inglaterra) a especulação deslocou-se das taxas de câmbio para as taxas de juro. Portugal deixou de poder contar com o Banco de Portugal para se financiar e tal como no século XIX ficou dependente dos ditos mercados. Meteram a raposa no galinheiro.
Com a crise e com todos os estados a irem em socorro dos Bancos à beira da falência, a procura de meios de financiamento aumentou exponencialmente, permitindo aos detentores de liquidez a especulação sem freio, contando ainda com a preciosa ajuda das Agências de Notação.
É necessário sublinhar e recordar que Portugal antes da crise (2007) não só tinha uma dívida pública inferior a boa parte dos países europeus (França, Bélgica, Itália…) como se financiava a taxas de juro inferiores à média europeia.
Então o que é que se passou depois, para termos esta elevadíssima dívida pública? Foi porque se começou a gastar muito mais na educação, na saúde, na segurança? Não! Foi porque com a crise e com as respostas neoliberais que lhe foram dadas a actividade económica foi-se afundando, gerando cada vez menos receitas, ao mesmo tempo que o Estado se transformava em rede de segurança dos Bancos privados à custa dos contribuintes sendo também obrigado a aumentar prestações sociais face ao crescimento do desemprego e da pobreza. A tudo isto veio juntar-se depois os empréstimos a juros agiotas hoje tutelados pela troika, que fazem de nós uma autêntica colónia da Europa. O Estado transformou-se de facto em prestamista de último recurso dos Bancos, devendo injectar 3400 milhões de euros até ao fim do ano no BPN, o Banco das figuras gradas do PSD e de Cavaco Silva, com o impacto negativo nas contas públicas que todos estamos a pagar, sem contar com os prejuízos da Caixa Geral de Depósitos!
O mesmo se passou com a garantia dada ao BPP, pois o Tesouro não foi reembolsado da execução do aval dado a este Banco. Mas o caso do BPN ainda está em curso e poderá atingir os 6500 milhões de euros, bastante mais do que os quatro mil milhões que o Governo quer agora cortar debaixo da capa do eufemístico «refundar», perdão, «repensar» as funções do Estado!
Como também se sabe do empréstimo da troika, 12 mil milhões de euros são para a Banca. O BCP já ficou com três mil milhões e o BPI com 1300 milhões. E há ainda 7,7 mil milhões que estão a ser pagos em última estância pelos contribuintes, isto é, pelos trabalhadores – e que o Governo não injecta na economia porque diz estarem de precaução no caso de a Banca vir a precisar!
Mas então se estes 7,7 mil milhões estão de facto parados e na prática consignados à Banca, a despesa que o povo português está a pagar directa e indirectamente não devia ser paga pela Banca?
Poderão perguntar-nos se a Banca que está fortemente endividada – alavancada! – ao estrangeiro, aguenta pagar mais essa despesa.
Daqui lhes respondemos como o outro, ai aguenta... aguenta!
Bastava que Portugal tivesse um governo patriótico ao serviço do povo e do País. Não só aguentava como financiava a economia nacional. Na verdade, fala-se muito da dívida pública para se esconder a dívida privada e em particular a da Banca! Para se esconder que se está a resolver os problemas do sistema financeiro à custa da dívida pública, à custa do corte de subsídios, dos salários, das reformas e do aumento brutal de impostos.
Em Portugal e na Europa, os estados aumentam os seus défices orçamentais por causa do sistema financeiro, aumentaram a sua dívida pública para salvar a Banca, melhor dizendo, os banqueiros e os seus principais accionistas.
Se os Bancos privados e as grandes empresas são tão eficientes e o Estado tão ineficiente porque será que os ditos mercados deixaram de lhes emprestar e foi o Estado que angariou os empréstimos e os recursos para que estes não tivessem ido à falência? Porque será que o mercado interbancário deixou de funcionar? Porque será que os bancos não confiam uns nos outros?
Tem sido o Estado que emitindo Títulos de dívida pública tem fornecido à Banca os respectivos colaterais (garantias), pagando ainda por cima juros de 4% e 5% para que esta tenha ido ao BCE levantar os mesmos montantes à taxa de 1%, inclusivamente nos empréstimos a três anos.
Uma parte, pelo menos, deste diferencial de juros cobertos com Títulos do Estado deveria reverter para o Orçamento. Mas não só não reverte como o dinheiro não chega à economia e em particular às pequenas e médias empresas.
O PCP tinha razão
Este Governo está a enredar Portugal numa dívida perpétua e numa repetição de medidas de austeridade. Ao contrário do que diz o ministro dos submarinos, para justificar o seu nacionalismo em relação à sua base de apoio, a política que está a ser seguida não vai levar a que Portugal recupere a sua soberania, mas sim a que o País fique cada vez mais endividado e dependente.
Quando o PCP denunciava as PPP e as rendas excessivas, e quando foi pioneiro ao afirmar que era necessário renegociar a dívida, a resposta dos economistas e comentadores enfeudados ao sistema foi a do silêncio, da indiferença, ou da negação sobranceira.
Depois de negarem a evidência começaram então a conjugar o re, de reavaliação, de reanálise, de revisitação da dívida e dos termos acordados com a troika, para evitarem chamar os bois pelos nomes: renegociação!
Outros adjectivaram-na! Chamaram-lhe renegociação honrada, para evitar conotações comunistas! Honrada dizem porque excluem qualquer anulação de parte da dívida, «hair cut»! Afinal o PCP tinha razão.
Agora à boleia da Grécia, tal como já tinha acontecido no primeiro corte de um ponto percentual considera-se que Portugal irá beneficiar de uma baixa da taxa de juros e alongamento do prazo. Embora seja uma decisão ditada pela força das circunstâncias e de curto prazo – incumprimento grego, explosão do euro, eleições da srª Merkel, salvação de Bancos europeus – a verdade é que esta decisão mostra a sua inevitabilidade e mostra que afinal a renegociação dos juros, dos prazos e anulação de parte da dívida, neste caso pela compra da dívida mais barata, era possível e necessária. Mostra que a postura a ter na UE é a defesa firme dos interesses nacionais e não a da vergonhosa subserviência. Mas o montante da dívida que Portugal já atingiu, mesmo com esta eventual diminuição de taxas de juro e alongamento dos prazos que abarca apenas a dívida do FEEF (1/3 da dívida), continua a ser insustentável.
As taxas de juro podem e devem levar um corte ainda maior pois se o BCE empresta a cerca de 1% à Banca privada porque é que a UE financia os estados a taxas muito superiores? Portugal deve também exigir a redução da sua dívida. E é necessário combater a sua origem, o que passa também pelo combate às famigeradas políticas de austeridade.
Carlos Carvalhas
Membro do Comité Central do PCP
Intervenção proferida no XIX Congresso do PCP, realizado em Almada de 30 de Novembro a 2 de Dezembro
Fonte: Jornal Avante em www.avante.pt
Mafarrico Vermelho
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