Setor do petróleo até 2012 e perspectivas para o futuro

Setor do petróleo até 2012 e perspectivas para o futuro
por Paulo Metri


O Brasil é um país com um, relativo, baixo grau de soberania. Não cabe aqui descrever o conceito de soberania que vai além do de defesa da nação, nem tampouco falar sobre as inúmeras vantagens de ser soberano. Entretanto, os governantes de um país com alto grau de soberania podem tomar livremente decisões benéficas para a sua sociedade, sendo o inverso também verdadeiro.

O grau de soberania evolui positiva ou negativamente no tempo. O grande salto que o setor de petróleo brasileiro conseguiu foi graças ao arcabouço institucional, contido na lei 2.004 de 1953, criado em um período de alto grau de soberania. Esta lei criou o monopólio estatal do petróleo e deu permissão para a criação da Petrobras, que seria a executora deste monopólio em nome da União. O interessante é que, na época, o Brasil não possuía uma gota de petróleo. Entretanto, a sociedade de então, menos manipulada pela mídia que a atual, teve a capacidade de impor sua vontade.

Nos anos 1980 e 1990, houve uma busca incomum do capital internacional por expansão da dominação sobre as sociedades de diversos países, tratando-se da agressiva fase neoliberal do capitalismo. Um passo imprescindível para qualquer dominação consiste da posse da mídia pelo capital, fato não desleixado nesta fase, quando houve forte catequese e alienação da sociedade.

Chamo este processo recente de “dominação cultural”, porque se buscou dissimulá-la, incluindo até suportes ideológicos que induziram péssimas decisões dos dominados, contra si próprios.

No Brasil, nesta fase, foi feita uma reforma profunda no setor do petróleo, com a aprovação da lei 9.478 de 1997, através da qual o escancararam ao capital internacional. As pessoas não se dão conta do dano que esta lei causou e ainda causa a nossa sociedade. Quando uma área é concedida a empresa estrangeira, sob os auspícios dessa lei, se ela descobre petróleo, todo o óleo pertence a ela, perdendo o Brasil a possibilidade de ação geopolítica. Mais: a empresa estrangeira escolhe levá-lo, invariavelmente, para o exterior e nunca terá que abastecer o mercado nacional.

Além disso, todo o lucro da atividade também vai para o exterior. Se já não bastasse, não se compram equipamentos, materiais, instalações e serviços no Brasil para a fase de implantação do campo, que é a fase dos grandes investimentos. Tais empresas não contratam projetos e desenvolvimentos no país e quase não empregam brasileiros. Deixam no país somente o royalty e a participação especial, que chegam a 12% do valor da produção, um percentual médio para diferentes campos. Então, cabe a pergunta: como a nossa sociedade é beneficiada pelo fato de parte do petróleo do planeta estar localizado aqui?

Até hoje, os defensores do capital estrangeiro dizem na grande mídia, onde têm grande espaço, que o setor do petróleo ficou ativo depois da introdução da lei 9.478. Em parte, eles têm razão, pois o setor ficou movimentado, inclusive com grande participação da Petrobras. Mas eles não complementam que esta movimentação, quando não se trata do quinhão da Petrobras, representa quase nenhum benefício para nossa sociedade.

Em 2007, a Petrobras descobriu o Pré-Sal, com a expectativa de existência de muito petróleo na área. O governante brasileiro de então surpreendeu, pois, após ele próprio já ter promovido quatro rodadas de leilões sob a lei 9.478, declarou que iria propor um novo marco regulatório, específico para esta área. Implicitamente, estava reconhecendo que o marco caracterizado pela lei 9.478 era prejudicial para nossa sociedade. Mas, infelizmente, 28% desta área já haviam sido leiloados sob a lei 9.478, nos governos FHC e Lula. É muito difícil avaliar quantos barris de petróleo já foram entregues através das concessões que estão nestes 28% da área do Pré-Sal, mas não me espantaria se cerca de 20 bilhões de barris forem aí descobertos pelas empresas estrangeiras, na pior situação com relação ao usufruto para nossa sociedade. Mais uma vez, isto reflete nosso baixo grau de soberania.

Em ato contínuo, as empresas estrangeiras arquitetaram um plano de ação para se contraporem à recaída nacionalista do governo brasileiro. De um lado, um exército de lobistas foi despachado para o Congresso e o Executivo. De outro, professores universitários, líderes empresariais, supostos especialistas, sempre citados pela mídia do capital, políticos, representantes do Instituto Brasileiro do Petróleo, que congrega a fina flor das petroleiras estrangeiras, foram todos ativados para espalharem na mídia do capital que a lei 9.478 também deveria ser usada no Pré-Sal.

Felizmente, o governo Lula se manteve firme e um novo marco regulatório foi gerado, para tristeza das petroleiras estrangeiras. Assim, chegou-se à lei 12.351 de 2010. Não se trata do arcabouço institucional do sonho dos brasileiros bem intencionados, mas é muito melhor que a lei 9.478. Quem é socialmente comprometido e está bem informado quer o retorno do monopólio estatal do petróleo, desde que haja controle social sobre ele. Porém, todos reconhecem que não é impossível, mas politicamente difícil, de ser aprovado com a mídia do capital sendo contra. Ter a mídia contra nosso povo baixa nosso grau de soberania.

A lei 12.351 coloca a Petrobras em todos os contratos de partilha com no mínimo 30% de participação e como operadora, o que é muito bom, pois a operadora é quem decide as compras e só a Petrobras compra no país. Segundo cálculo da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET), cerca de 50% do petróleo produzido caberá ao Estado brasileiro comercializar. Foi criada uma estatal que, dentre outras funções, conferirá a contabilidade de todos os consórcios. Houve também a criação de um fundo social que será abastecido pelas ofertas ganhadoras dos diversos leilões.

Este é um ponto da lei que traz preocupação, porque se está apostando que as ofertas de parcela do lucro líquido da produção do campo serão boas, uma vez que todas as empresas querem ganhar as áreas. Não é prudente confiar o sucesso do plano a decisões das empresas estrangeiras, porque, apesar de elas aparentarem estar competindo, podem ter feito um acordo secreto de não competição. Para se corrigir esta brecha da lei 12.351, há a necessidade de os editais das rodadas conterem a oferta mínima para cada área.

O rendimento deste fundo social, como o nome diz, só poderá ser utilizado em finalidades pré-determinadas de grande impacto social. Se funcionar corretamente, este fundo será uma contribuição considerável, pois aumentará os recursos para setores carentes e de grande impacto social, como educação e saúde.

Mas, como este fundo será abastecido com moeda forte, resultante da venda de petróleo, se fosse estabelecido no Brasil, teria chance de trazer a “doença holandesa” para nossa economia. Assim, ele será um fundo soberano no exterior, com todos os percalços que passam fundos no exterior, como a dificuldade de encontrar investimento seguro com boa rentabilidade, as armadilhas dos “papéis tóxicos”, que buscam nos pegar, e a opção default, que são os papéis do governo estadunidense com rendimento muito baixo. Por esta razão, o professor Carlos Lessa recomenda que a Petrobras só produza o que o Brasil consome, deixando muito petróleo no subsolo, que é a melhor forma de se obter bom rendimento. O problema desta sugestão é que ela diminui muito a parcela do fundo destinado às aplicações nobres. Porém, merece mais estudo.

Note-se que, ao aprovar uma lei com este conteúdo, o Brasil aumentou seu grau de soberania. Entretanto, a manutenção de um grau de soberania requer muito esforço do povo e dos governantes, porque o assédio despudorado de colonização vive ocorrendo. 2012 foi um ano bastante dedicado ao debate sobre os royalties, o que é humano e compreensível. No entanto, sem alarde, houve uma invasão de empresas estrangeiras fornecedoras de bens para o setor do petróleo no país. Na maior parte das situações, elas adquiriram empresas brasileiras genuínas, fornecedoras tradicionais do setor, que poderiam competir com elas. Notem que, não sendo o sistema capitalista perfeito, as empresas buscam sempre formar oligopólios e monopólios. Por outro lado, os órgãos brasileiros de defesa da concorrência são infelizmente fracos do ponto de vista político.

Contudo, a questão consegue ser mais complicada, porque não se trata só da defesa da concorrência. Obviamente, as fornecedoras estrangeiras de bens querem participar da exploração do Pré-Sal e, como a Petrobras é a operadora única dos novos blocos desta área, elas compreenderam que só podem participar se estiverem instaladas no Brasil. Técnico do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ouvido em palestras, não tinha tanta preocupação com a desnacionalização da nossa economia, que ocorre em diversos setores. Ele parte do princípio que, se as compras de um programa governamental ocorrem em empresas locais, não importando a origem do capital destas empresas, a meta de maximizar salários e impostos no país estará sendo satisfeita.

Este técnico não compreende que a empresa brasileira de capital nacional (empresa brasileira genuína) traz maiores benefícios para a nossa sociedade que a empresa brasileira de capital estrangeiro (subsidiária estrangeira), a começar pelo fato de o lucro da primeira tender a ficar no Brasil, enquanto o da segunda necessariamente irá para o exterior. Assim, comprar em uma subsidiária estrangeira instalada no país é melhor do que comprar o produto importado, mas é pior do que comprar junto a uma empresa brasileira genuína. A errada compreensão deste fato faz parte da dominação cultural citada.

Aparecendo na nossa realidade o Pré-Sal, alguns pensadores corretamente advogaram que fosse feito um novo plano de desenvolvimento para o país, pois as demandas do setor de petróleo seriam tão grandiosas que alavancariam o desenvolvimento do todo. Tal plano não foi feito e a remessa para o exterior dos lucros do suprimento de bens para o Pré-Sal está sendo garantida. Não houve, infelizmente, a decisão política que consiste em se ser soberano.

Sobre esta questão, faz falta a proteção à empresa brasileira genuína, que constava do Artigo 171 da Constituição de 1988 e foi revogado durante a reforma da Constituição promovida pelo governo FHC. Mas, hoje, anos após este auge do neoliberalismo, a nossa soberania ainda é vilipendiada por vários órgãos do governo, como, por exemplo, o BNDES, quando financia empresas estrangeiras instaladas no Brasil, inclusive para facilitar as privatizações.

A participação das empresas estrangeiras em alguns dos setores industriais brasileiros já ultrapassa 50%. Por mais desgosto que nos traga, o baixo grau de soberania, caracterizado pelo grande patrimônio das empresas estrangeiras existentes no país e pela permanência das leis de excelente tratamento dado ao capital estrangeiro, é uma garantia de que não deveremos ser confrontados militarmente. Infelizmente, não é graças ao poder de dissuasão das nossas Forças Armadas.

No entanto, com o advento da descoberta do Pré-Sal, a atratividade de uma exploração não autorizada pelo Brasil, principalmente em mar internacional, aumentou. Em conseqüência da impossibilidade de utilizar bases de apoio no Brasil e estando a África a mais de 4.500 km de distância, pode levar as empresas a usarem grandes navios já retirados de uso, estacionados como plataformas auxiliares. Neste caso, a logística será muito difícil, mas não impossível de ser resolvida. Enfim, tudo dependerá do preço do barril. Se algo deste tipo acontecer, iremos lamentar a baixa prioridade dada principalmente pelo governo FHC à construção do submarino nuclear.

A pesquisadora Ana Esther Ceceña, no artigo “Estratégias de dominação e mapas de construção da hegemonia mundial”, após pesquisa em documentos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, lembra que as Forças Armadas deste país são planejadas para atender a uma lista de objetivos, dentre os quais está “assegurar o acesso incondicional ao fornecimento de energia em qualquer local do mundo”.

A discussão sobre os royalties é relevante, mas é criadora de um biombo que encobre outros debates. Se o preço de venda de um barril de petróleo for considerado a US$ 100, valor que se mantém há algum tempo no mercado mundial, se for tomado como custo máximo do barril do Pré-Sal US$ 40 e subtraídos os US$ 15 por barril dos royalties, sobram US$ 45 por barril de lucro. Então, volta a questão já citada: como garantir que o fundo social ficará com pelo menos uns US$ 30 por barril?

Faz sentido distribuir a riqueza a um maior número de brasileiros. No entanto, faz sentido também que os estados e municípios produtores ou confrontantes de campos marítimos devam receber algo mais. Consta que a proposta do deputado Zarattini ia nesta direção. Não pode existir uma unidade na Federação que seja duramente penalizada, à medida que o único ICMS cobrado no destino é o do petróleo e o único royalty socializado é o do petróleo. Desta forma, daqui a pouco, pode surgir um maluco propondo um Movimento Separatista Fluminense.

Não obstante o ponto a que se chegou, deve-se buscar ainda trazer um mínimo de paz para a Federação. A alternativa “sentar de novo para rediscutir o royalty” é impossível. A mudança da Constituição para que o ICMS sobre o petróleo passe a ser cobrado na origem, que é uma questão de justiça, é difícil de ser aprovada no Congresso. Resta uma alternativa boa, que se trata da revogação da lei Kandir para a exportação de petróleo. Esta medida viria ao encontro da diretriz ditada pelo próprio governo, que concorda com a exportação de petróleo, desde que com o maior valor agregado possível. Além disso, talvez motive as petroleiras estrangeiras a quererem abastecer o mercado nacional. Ela tem o único inconveniente de não repercutir muito no curto prazo, mas, com a entrada da produção do Pré-Sal, as arrecadações serão bem representativas. Tem também a vantagem de não se tratar de recurso que possa gerar cobiça em outros estados.

Tenho curiosidade de saber como será a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que eventualmente apresentarão ao Supremo o Rio de Janeiro e o Espírito Santo. A dúvida é se irão questionar também o destino dos royalties a serem pagos pela produção da área do Pré-Sal. Três secretários do governador Sergio Cabral fizeram artigos recomendando a mesma distribuição dos royalties existente na lei 9.478. Aliás, estes secretários sugeriram que o Pré-Sal fosse explorado seguindo completamente esta lei.

Mais um exemplo de domínio cultural: dirigente da ANP deu declarações demonstrando ter pressa em retomar os leilões de petróleo e que deverá incluir o campo de Libra na primeira rodada com blocos da área do Pré-Sal. Para os que não estão a par, já se sabe que Libra pode conter até 15 bilhões de barris de petróleo, não se tratando, portanto, de um bloco onde, se pesquisado, poderá eventualmente ocorrer petróleo. A pergunta gritante que fica é: por que toda esta doação de patrimônio público? Sobre Libra, a posição que deveria ser exigida do governo por todos brasileiros é que este reservatório seja transferido sem leilão para a Petrobras, que assinaria, com relação a ele, um contrato de partilha com a União, seguindo estritamente o que dita o artigo 12 da lei 12.351.

O noticiário volta a falar que a rodada de leilões de blocos do Pré-Sal irá gerar grande quantidade de bônus. Desejam incutir o conceito de que a existência das rodadas é boa, tanto que bônus são gerados. Os bônus são parcelas ínfimas quando comparados com os lucros gerados pelas atividades petrolíferas.

Os movimentos sociais dariam uma grande contribuição social se aceitassem umas poucas mudanças no texto do seu projeto, que já está no Congresso. Por exemplo, a reivindicação de a Petrobras voltar a ser 100% estatal é quase impossível. Começa que ela nunca foi 100% estatal, pois, desde sua criação, era prevista a venda de uma parte de suas ações em bolsas. Existe por trás desta reivindicação o conceito de que, ao vender ações, a empresa está se comprometendo a distribuir os lucros na mesma proporção que os donos de ações possuem do capital total. Isto é um engano, pois a empresa só tem que distribuir dividendos, que têm relação com o lucro, mas não existe a relação direta pressuposta.

Foi errado o governo FHC vender ações da Petrobras na Bolsa de Nova York. Mas somente porque, para vender nesta Bolsa, o governo brasileiro foi obrigado a assinar compromissos com órgãos do governo estadunidense, perdendo-se, portanto, graus de liberdade na administração da empresa.

Posso dar também mais duas sugestões aos movimentos sociais. Em primeiro lugar, sugiro que o conceito de fundo social seja introduzido na proposta, inclusive com mecanismo de seu abastecimento. Notar que monopólio estatal, Petrobras, como agente executora do monopólio em nome da União, e fundo social não são incompatíveis. Finalmente, sugiro que, no capítulo relativo aos royalties, copiem tudo que for finalmente acordado entre Executivo e Legislativo federal, governadores e prefeitos. Contudo, reformulem o percentual que irá para esses royalties, passando de 15% para 30%. Assim, os estados e municípios produtores ou não produtores e quem mais recebe passariam a receber em dobro. E não se está cometendo nenhum erro, porque não há necessidade de centralização de recursos antes da aplicação social.

Se for aprovado o projeto dos movimentos sociais, o grau de soberania do Brasil crescerá e o povo estará sendo mais bem atendido. Contudo, as forças do capital são poderosas e, neste momento, estamos perdendo a batalha. A menos que surja uma conscientização da sociedade, o que acho difícil, graças à falta de democratização da comunicação de massas, sou pessimista. O Pré-Sal será entregue a conta-gotas, rodada após rodada, a Petrobras não terá capacidade para participar de todos os leilões e o povo nem saberá que está sendo roubado. As televisões anunciarão que foram arrecadados, na rodada tal, tantos milhões de reais de bônus, esta nova versão das miçangas dos índios. O povo está dominado culturalmente.



Paulo Metri - conselheiro do Clube de Engenharia

Fonte: Blog Paulo Metri em http://www.paulometri.blogspot.com.br/


Mafarrico Vermelho

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