O CASO MADOFF










Por Rall




O aumento da produtividade pela incorporação de novas tecnologias impulsionada pela concorrência global, tornando supérfluo o “trabalho abstrato” na produção de mercadorias, manifesta-se nos negócios como aumento do capital fixo em detrimento da força de trabalho, desemprego estrutural e queda da rentabilidade na economia real. Como não há capitalismo sem lucro empresarial, ou seja, sem produção de mais-valia, busca-se na criação de capital fictício um simulacro da acumulação em crise. A partir daí, qualquer absurdo que aparentemente possa contribuir para o não desmoronamento do sistema é aceito como lógico, mesmo que no dia seguinte seja descartado como lixo. É nesse contexto que certas criações do mercado só aparecem como “loucura” a posteriori, quando devoram seus criadores.

Uma dessas invenções, o caso Madoff, um fundo com mais de 50 bilhões de dólares, por envolver grupos financeiros e gente considerada importante no mercado, sendo ele mesmo uma dessas personagens referenciada na Wall Street, é o que mais repercutiu no show midiático dos últimos anos. Antes de se desfazer no ar, aparecia aos olhos de ambiciosos investidores como uma caixa mágica onde seu dinheiro entrava e saia duplicado. Como lá dentro não existiam máquinas da casa da moeda capazes de transformar papel em branco em notas verdes, todos sabiam que algum tipo de fraude era praticado. Inclusive grandes bancos como o HSBC, onde 33% de todos os recursos encaminhados para o fundo Madoff passaram por suas subsidiárias.

Somam-se ao HSBC uma longa lista de outros bancos americanos e europeus: Santander, JPMorgan, UBS, Citigroup, UniCredit e o Sonja Kohn, só para citar alguns, que com seus fundos alimentavam a trama sabendo que o esquema era insustentável, segundo denuncia de Irving Picard, administrador encarregado de recuperar o dinheiro perdido. Como fora possível a aceitação de tamanha fraude por investidores e instituições que conheciam as regras do mercado e pareciam fora de qualquer suspeita aos olhos da sociedade? Perguntam-se atônitos alguns analistas.

O esquema Ponzi como o aplicado por Madoff, onde um fundo de investimento paga gordos rendimentos aos primeiros investidores com o dinheiro investido pelos últimos a entrarem, é mais comum no aparente sério mundo dos negócios do que imaginam alguns mortais. É a forma extrema de se “multiplicar” o dinheiro sem nenhuma mediação, movido pela lógica da geração de capital fictício. Nesse mercado de ilusões, o real só aparenta ser real nos momentos de crise. Mesmo assim de forma passageira, fugaz, mas com suficiente força para causar estragos significativos. Passado este momento tudo continua movendo-se como dantes até um novo terremoto.

A prática do esquema Ponzi são formas não mais encobertas pelo véu da dissimulação, que esconde a fraude do capital em processo de interrupção da acumulação na economia real. Quando revelado, geralmente ultrapassa os limites aceitos na simulada acumulação das bolhas de todo espécie e na impressão de dinheiro sem substância pelos Estados nacionais. Impelido pela mesma lógica especulativa que faz a máquina do capital fictício mover-se, deixa os investidores seguros, mesmo aqueles com mais consciência do risco, pois é parte do jogo do mercado. Só se manifesta como “escândalo”, quando esgotado, desmorona transformando em cinzas o dinheiro investido, sacudindo da letargia os sistemas regulatórios que tudo sabiam, mas se recusavam investigar, achando que deveria ficar por conta do mercado corrigir o que poderia ser considerado aberrações, das quais provavelmente se beneficiavam.

A discussão entre os que defendem que sejam utilizados os mecanismos do mercado para coibir os excessos e os que defendem a intervenção regulatória do Estado para corrigir as imperfeições, é vazia de conteúdo. Pois o Estado quando regula, ou é chamado para tanto geralmente nas crises, busca intervir não contra o capital, mas para garantir sua reprodução. Não podendo ser impeditiva da acumulação, a regulação torna-se, entretanto, um problema para capitalismo em crise que já não mais consegue sobreviver sem crédito ao infinito, bolhas e endividamento estatal, fábricas de capital fictício. O excesso que deveria ser reprimido, a profusão de capital fictício, funciona hoje como pulmão artificial que produz o oxigênio necessário à economia real moribunda. Cortando-se este suprimento o paciente pode morrer, e os agentes do Estado e do mercado sabem muito bem disso, daí o insucesso das tentativas recentes de aplicar regras mais rigorosas na regulação.

É, portanto, a crise da economia real, que ao gerar a necessidade de circulação de dinheiro sem substância para manter as aparências de que o valor não sofreu descontinuidade e continua em seu movimento de valorização, quem alimenta a formação de capital fictício e o surgimento das pirâmides financeiras. Quando olhamos acuradamente as engrenagens do capital financeiro que sustenta precariamente o funcionamento do capitalismo mundial, veremos que a caixa mágica de Bernard Madoff, não é nem mais, nem menos absurda do que o sistema que a gerou.

Postado por Rall para o blog RUMORES DA CRISE

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