IGREJA S/A : Margens de lucro e mercado social
Margens de lucro e mercado social
Por Jorge Messias - Jornal AVANTE
Da estagnação passou-se fulminantemente a sucessivas fases de aceleração da acção. O que agora é, dentro de uma hora talvez já não seja. Mas há sempre um fio condutor indisfarçável que liga o passado ao presente para depois sugerir o futuro. É uma lei natural que não é possível escamotear. Não há efeito sem causa.
O eterno retorno da «questão religiosa» – que por razões históricas permanece viva e actual – convida a que chamemos novamente à baila o gravíssimo problema social da pobreza, da sua caracterização e dos objectivos que as forças democráticas invocam para a combater. Devem as lutas sociais apontar como objectivo básico a extinção da pobreza? Ou, inversamente, essa luta deverá ser secundarizada visto a pobreza se revelar inevitável e eterna?
Não é preciso ser-se ateu para se recusar esta última posição doutrinal. É evidente que o homem produz riqueza mais que suficiente para que cada ser humano viva decentemente, progrida, tenha tecto, cuidados de saúde e meios de educação. A pobreza só começa onde a riqueza é injustamente distribuída. Alastra e contamina o espaço social apenas quando elites privilegiadas se apropriam do fruto do trabalho colectivo. Num universo politicamente organizado só o Estado tem recursos e poder para conduzir a bom termo a luta pela extinção da pobreza e o aperfeiçoamento permanente das formas de distribuição mais justa da riqueza.
Não é preciso ser-se marxista para se reconhecer que o caminho para a supressão da pobreza passa por decisões vigorosas do poder político, tão graves e extensas são as mudanças a introduzir no espaço real que o capitalismo criou. Mudanças que necessariamente têm de ser graduais, ter em consideração os factores culturais e éticos das diversas comunidades humanas e recusar o sectarismo. Mas poder forte e centralizado que trave e extinga o subdesenvolvimento, a corrupção e a exploração do homem pelo homem. A «luta contra a pobreza» é uma frente de combate de uma extensa batalha essencialmente política.
As falsas opções e o domíniodo «mercado da pobreza»
Seguramente, em países dramaticamente atrasados como Portugal, o actual declínio do Estado social tem de ser travado quanto antes. Pelo menos, metade da população portuguesa já foi atingida, directa ou indirectamente, pelo desemprego e pela acelerada pauperização. Os tempos próximos serão ainda piores para os pobres.
As falsas opções e o domíniodo «mercado da pobreza»
Seguramente, em países dramaticamente atrasados como Portugal, o actual declínio do Estado social tem de ser travado quanto antes. Pelo menos, metade da população portuguesa já foi atingida, directa ou indirectamente, pelo desemprego e pela acelerada pauperização. Os tempos próximos serão ainda piores para os pobres.
Ponhamos de parte o humor negro que é a história de fadas dos milionários-filantropos. A outra proposta que fica sobre a mesa é a da Igreja apoiada na sua «sociedade civil», nas ONG e IPSS, nas Misericórdias, na sua rede financeira e nas suas relações internacionais. A tese é esta: a intervenção católica é humanitária, solidária e não lucrativa. Não visa substituir-se ao Estado social mas completá-lo através das práticas cristãs sócio-caritativas. É seu objectivo central combater a pobreza mitigando-a, visto que o fenómeno é de todos os tempos e assim será nos séculos vindouros. Quere-o Deus. São três premissas falsas.
No primeiro caso (e não recusando que muitos católicos envolvidos agem por amor ao próximo), a «solidariedade católica» reclama-se como um «trabalho de missão» e faz proselitismo. E não é desinteressada dos bens materiais: veja-se só a enorme torrente de lucros recolhida pela acção social da Igreja, desde os lucros da Lotaria, aos subsídios per capita dos apoios aos pobres e às isenções fiscais que a Concordata lhe garante.
No segundo caso (não se substitui ao Estado), a prática demonstra estar-se em presença de um mero jogo de palavras. Estimular a «fuga» de técnicos e para os «privados» é tentar destruir o aparelho social do Estado; introduzir na área social as regras do mercado, representa minar as bases financeiras do sistema actual que vive rigorosamente das verbas do orçamento público. Depois, tudo passará quem «mais der».
No terceiro caso (pobreza é fatalidade) revela-se o sentido de classe do projecto católico: calar a revolta dos pobres e entregá-lo, impotente e submisso, nas mãos dos seus verdugos. Eternizar a pobreza.
Mesmo a nível das suas altas estruturas dirigentes começa a notar-se entre os sacerdotes mal-estar e divisão perante as políticas sociais da Igreja. Isso ressalta de uma nota da recente reunião da Conferência Episcopal, a tal ponto cortada pelo lápis do censor que nem sequer foi divulgada na comunicação social; em entrevistas pessoais (nomeadamente numa delas, com o próprio porta-voz da Conferência) e em documentos emitidos pela Liga Operária Católica, em vésperas da Greve Geral, e silenciados.
Fale-se. Quebrem-se os tabus. Os tempos são de posições frontais!
texto original em http://www.avante.pt/pt/1932/argumentos/111606/
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