Gueorgui Dimitrov contra o fascismo e a guerra

Gueorgui Dimitrov contra o fascismo e a guerra
por O Militante


"Apesar dos seus 78 anos, o texto de Dimitrov é de enorme actualidade. Frases inteiras poderiam reportar-se aos nossos dias, mudando apenas os nomes de protagonistas e países. De novo a Humanidade está confrontada com a agressividade desenfreada de potências imperialistas e com reais perigos duma nova, e ainda maior, catástrofe bélica.
Mas há também diferenças importantes com a situação de 1937: o desaparecimento da URSS, «o mais importante apoio da paz» nas palavras de Dimitrov, e o enfraquecimento do movimento operário daí resultante, mas também o facto de o principal perigo para a paz e para os trabalhadores e povos do mundo ser hoje proveniente das velhas potências imperialistas, EUA e UE. Sectores importantes das classes dirigentes destas potências vêem hoje numa nova guerra a forma de impedir um realinhamento de forças e de resolver a crise que de novo eclodiu das suas entranhas."

O texto de Dimitrov , como todos os textos históricos, a visão do autor no momento em que foi escrito, sem o efeito das lentes do tempo entretanto decorrido. «O fascismo é a guerra» data de Julho de 1937, dois anos antes do início da II Guerra Mundial.

O mundo era já marcado pela política de guerra conduzida, em primeiro lugar, pelas potências fascistas. Expressão mais violenta e terrorista do sistema capitalista e produto do pavor das classes dirigentes face ao ascenso da luta dos trabalhadores e dos povos, o fascismo fora adubado, após 1929, pela grande crise econômica do capitalismo. Dimitrov escreve que as potências fascistas «preparam uma agressão contra a URSS», aproveitando o «espírito de concessão dos meios governamentais da Inglaterra, de França, dos Estados Unidos da América». 

O próprio título do texto do grande dirigente búlgaro da Internacional Comunista identifica claramente a Alemanha, a Itália e o Japão (unidas pelo «Pacto anti-Comintern») como principais instigadoras da guerra, numa tentativa de afirmar o seu poder no plano interno, mas também para impor uma «nova divisão do mundo através do desencadeamento de uma guerra mundial». Desta análise decorria a política dos comunistas, consagrada no VII Congresso da IC em 1935, e do Governo Soviético. Uma política que, a fim de preservar a paz, procurava dividir o inimigo de classe e unir na acção, não apenas o movimento operário internacional, mas também «os países interessados na manutenção da paz». Foi nessa base que a URSS desenvolveu ao longo de anos esforços para estabelecer acordos visando travar o expansionismo das potências fascistas, esforços não correspondidos porque boa parte das classes dirigentes de França, Inglaterra e EUA via o seu principal inimigo, não no fascismo, mas no movimento operário, nos comunistas e na URSS. O curso dos acontecimentos e a vitória sobre o nazi-fascismo em Maio de 1945 confirmaria o acerto da política soviética de alianças, resultante da necessidade de assegurar a correlação de forças que permitisse a derrota do principal foco de guerra e agressão.

Apesar dos seus 78 anos, o texto de Dimitrov é de enorme actualidade. Frases inteiras poderiam reportar-se aos nossos dias, mudando apenas os nomes de protagonistas e países. De novo a Humanidade está confrontada com a agressividade desenfreada de potências imperialistas e com reais perigos duma nova, e ainda maior, catástrofe bélica. 

Mas há também diferenças importantes com a situação de 1937: o desaparecimento da URSS, «o mais importante apoio da paz» nas palavras de Dimitrov, e o enfraquecimento do movimento operário daí resultante, mas também o facto de o principal perigo para a paz e para os trabalhadores e povos do mundo ser hoje proveniente das velhas potências imperialistas, EUA e UE. Sectores importantes das classes dirigentes destas potências vêem hoje numa nova guerra a forma de impedir um realinhamento de forças e de resolver a crise que de novo eclodiu das suas entranhas. Cabe aos comunistas de hoje identificar as orientações que de novo permitam ao movimento operário e aos povos derrotar esses enormes perigos para a paz.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

«O FASCISMO É A GUERRA

Há dois anos atrás, em Agosto de 1935, o VII Congresso da Internacional Comunista, ao analisar a situação internacional e procurando as vias e os meios de luta da classe operária contra a ofensiva do fascismo, demonstrou a indissolúvel ligação entre a luta contra o fascismo e a luta pela paz. O fascismo é a guerra, declarou o Congresso. Ao aceder ao poder, contra a vontade e os interesses do povo, o fascismo procura uma solução para as suas dificuldades internas crescentes na agressão contra outros países e outros povos, numa nova divisão do mundo através do desencadeamento de uma guerra mundial. A paz é a perda evidente para o fascismo. A manutenção da paz internacional permite às massas oprimidas dos países fascistas reunirem as suas forças e prepararem-se para derrubar a abominável ditadura fascista, deixando ao proletariado internacional a possibilidade de ganhar tempo para realizar a unidade de acção nas suas fileiras, reunir os partidários da paz e levantar uma barreira intransponível aos fomentadores de guerra.

Quando o VII Congresso caracterizou o fascismo como um fomentador de guerra, demonstrando o crescente perigo de uma nova guerra imperialista e a consequente necessidade de se criar uma poderosa frente única de luta contra o fascismo, houve um certo número de pessoas, mesmo no seio do movimento operário, que não hesitaram em nos acusar a nós, comunistas, de atribuirmos premeditadamente este papel ao fascismo, com intenções de pura propaganda e a fim de aumentar o perigo de guerra. Uns agiam conscientemente, no interesse da classe dominante, outros devido à sua miopia política. Entretanto, estes últimos anos demonstraram suficientemente todo o absurdo de uma semelhante acusação. Os partidários e os inimigos da paz falam abertamente do perigo iminente de uma nova guerra mundial. Torna-se também difícil neste momento encontrar quem duvide que os governos fascistas são precisamente os instigadores da guerra. De facto, em certos países, existe a guerra. Há já um ano que os intervencionistas italianos e alemães desencadeiam a guerra contra o povo espanhol e isto perante o mundo inteiro. Os exército fascistas japoneses, após a conquista da Manchúria, voltam-se agora novamente contra o povo chinês, conduzindo uma nova guerra na China do Norte.

A Manchúria, a Abissínia, a Espanha, a China do Norte, são as etapas que conduzem a uma nova grande guerra de rapina por parte do fascismo. Não se trata de acções isoladas; estamos perante um bloco de agressores fascistas e de fomentadores de guerra: Berlim-Roma-Tóquio. O acordo «antikomintern» germano-japonês, de carácter militar, a que aderiu igualmente Mussolini, está já posto em prática. É sob o estandarte da luta contra a Internacional Comunista, contra o «perigo vermelho», que ladrões alemães, italianos e japoneses se esforçam, através de guerras parciais, por se apoderarem de posições estratégicas militares, dos centros de comunicações terrestres e marítimos e das fontes de matérias-primas para a indústria de guerra, a fim de continuarem a fomentar a guerra imperialista.

Não nos iludamos aguardando a declaração formal de guerra, a fim de acreditarmos que ela existe. O camarada Estáline disse já no decurso da sua conversa de Março de 1936 com Roy Howard, o seguinte: «A guerra pode estalar inesperadamente. Hoje em dia não se declaram guerras, desencadeiam-se.»

Os acontecimentos dos últimos anos demonstram bem claramente esta situação. O Japão, sem declarar oficialmente guerra, desencadeou operações militares contra a China e apoderou-se da Manchúria. A Itália ergueu-se contra o povo abissínio, apoderando-se da Abissínia. A Alemanha e a Itália lutam contra a República Espanhola.

Sabe-se que os povos não desejam a guerra e que vários países não fascistas, na actual conjuntura, estão interessados na manutenção da paz. Em que confiam os fomentadores de guerra fascistas? A experiência obtida após a campanha de conquista do militarismo japonês na Manchúria e do fascismo italiano na Abissínia demonstra, sem qualquer ambiguidade, que o bloco de rapina dos governantes da Alemanha, do Japão e da Itália visa, para realizar os seus planos de guerra, o seguinte:

Primeiramente, opor-se à unidade de acção dos países interessados na manutenção da paz;

Em segundo lugar, não permitir a unidade de acção do movimento operário internacional, a criação de uma poderosa frente única mundial contra o fascismo e a guerra;

Em terceiro lugar, desenvolver uma actividade de destruição, de diversão e de espionagem na União Soviética, o mais importante apoio da paz.

É nestes três pontos que se apoiavam principalmente os intuitos dos fascistas.

Os agressores e fomentadores de guerra fascistas agem rápida e conjuntamente nestes três sentidos. Exploram os países de Ocidente ao ameaçarem os seus interesses territoriais. Preparam uma agressão contra a U. R. S. S. Aproveitam-se sobremaneira do espírito de concessão dos meios governamentais da Inglaterra, de França, dos Estados Unidos da América. Procuram ganhar a simpatia dos conservadores e de determinados chefes liberais e do Partido Trabalhista Inglês, propondo-lhes um entendimento para a pilhagem dos pequenos países, como a Espanha e a China, com o intuito de separarem a Inglaterra da França e dos restantes países democráticos.

Desenvolvem esforços inauditos a fim de se porem de acordo, através de aliciantes ofertas deste tipo, com os reaccionários franceses, para que a França renuncie ao Pacto franco-soviético, isolando-a assim da União Soviética. Os países fascistas deixaram a Sociedade das Nações, a fim de possuírem toda a liberdade de acção na organização do ataque. Aterrorizam os países fracos, ameaçando-os de agressão exterior e organizando neles conspirações e revoltas. Os fomentadores de guerra fascistas utilizam os elementos traidores e sobretudo os trotskistas, a fim de efectuarem um trabalho de minagem e de desorganização nas fileiras do movimento operário e fazerem abortar a frente popular em Espanha e em França. O recente «putsch» de Barcelona é bem demonstrativo da forma como os sátrapas fascistas utilizam as organizações trotskistas para atingirem a frente popuplar. Os fomentadores de guerra fascistas utilizam de igual modo a actividade dos inimigos da unidade do proletariado nas fileiras da II Internacional e da União Internacional dos Sindicatos, recrutando assiduamente e um pouco por todo o lado os seus agentes.

Já por inúmeras vezes a União Soviética conseguiu, através da sua política de paz, consequente e determinada, fazer abortar os planos de guerra dos agressores fascistas. Pode-se afirmar, sem se cair em exagero, que a humanidade teria sido lançada desde há já muito tempo numa guerra, a mais horrorosa de toda a história, se a União Soviética não tivesse conduzindo com perseverança e sem rodeios uma política de paz e se não tivesse existido o seu glorioso Exército Vermelho.

Não há dúvida que os agressores fascistas encontram pela frente a firme resistência da União Soviética, que age não só no interesse do povo soviético, como também no de toda a humanidade trabalhadora; o mesmo se não pode dizer das democracias burguesas. Observa-se neste plano a assistência directa ou indirecta prestada ao bloco fascista pelos meios governamentais dos maiores Estados ocidentais não fascistas — e a ilustrá-lo claramente temos o exemplo da Espanha e da China.

O facto de se ter permitido aos militaristas japoneses conquistar a Manchúria não representará por si só uma ajuda prestada aos fomentadores de guerra fascistas? A carência de uma obstinada resistência à sangrenta campanha de Mussolini contra o povo abissínio não será um encorajamento ao agressor fascista? A não-intervenção em Espanha, essa farsa que vem a ser representada há já desde um ano, sob a direcção do governo inglês, e as conversações em curso destinadas a reconhecer Franco como «parte beligerante», não serão um encorajamento à guerra feita pelos países fascistas contra a República Espanhola? A indulgência para com aqueles que pilham insolentemente o Norte da China não será o mais revoltante dos encorajamentos feitos ao militarismo nipónico desenfreado, que pretende submeter à escravidão o grande povo chinês? Como poderão os povos de Inglaterra, de França, dos Estados Unidos da América, bem como os das outras democracias, admitir tranquilamente estes acontecimentos? Como poderão tolerar essas sistemáticas concessões e esses encorajamentos feitos à agressão fascista, que favorecem a infame acção dos fomentadores fascistas de uma nova guerra mundial?

A tremenda responsabilidade histórica que recai sobre determinados meios e militantes da Internacional Operária Socialista e sobre a Internacional de Amsterdão, que se opõem à realização da unidade de acção do proletariado internacional, à execução de uma política única e coordenada por parte dos seus organizadores, contra os fomentadores de guerra fascistas, e à criação de uma poderosa frente internacional de paz, está bem patente nestes vários aspectos.

Quando o militarismo nipónico conquistou a Manchúria, alguns homens que se faziam passar por militantes do movimento operário tentaram persuadir os operários das suas organizações que aManchúria estava bem distante e que a invasão japonesa não feria os interesses do movimento operário internacional. Quando as hordas fascistas de Mussolini dizimavam o povo abissínio, esses mesmos militantes afirmavam que os acontecimentos da Abissínia não passavam de um conflito colonial local e que o proletariado internacional nada tinha a ver com isso. Quando mais tarde os agressores fascistas, cada vez mais insolentes, atacaram a República Espanhola e desencadearam a guerra na própria Europa, os dirigentes da II Internacional consentiram, após longos meses de penosas hesitações, numa conferência comum com a delegação da Internacional Comunista em Annemasse e isto, não para estabelecer na prática a unidade de acção das organizações operárias internacionais, mas apenas para reconhecer o justo fundamento das acções comuns, «onde quer que isso seja possível».

Desde então, a intervenção fascista em Espanha reforçou-se consideravelmente. Veio juntar-se-lhe a nova agressão do militarismo nipónico no Norte da China que, de acordo com os planos do Japão, se deverá tornar numa segunda Manchúria e numa base para o prosseguimento das suas conquistas da China.

Não será evidente que, na altura em que o povo espanhol mobiliza todas as suas forças para fazer recuar o agressor fascista e em que o povo chinês se ergue contra a agressão do militarismo nipónico, as organizações operárias internacionais devem enfim reunir todos os seus esforços e erguerem-se de forma decidida e por todos os meios, pela defesa da paz internacional?

A actual situação é de tal forma grave, que se torna necessário, para se manter a paz internacional, infligir primeiro que tudo uma derrota aos invasores fascistas em Espanha e na China. Deverão receber uma forte lição e sentir que o proletariado internacional, e com ele toda a humanidade progressista e civilizada, não tolerará as suas agressões militares e as suas acções de conquista, e que está disposto a tudo fazer para não permitir a realização dos seus infames planos que visam o desencadeamento de uma guerra mundial.

A Internacional Operária Socialista e a União Internacional dos Sindicatos contentar-se-ão hoje ainda com declarações verbais gerais e sortilégios a favor da paz, evitando na prática as acções comuns, tão necessárias no actual momento, de todas as organizações do movimento operário internacional? As acções comuns das organizações operárias internacionais em cada país e no plano internacional são contudo as únicas que poderão mobilizar as forças da humanidade progressista para a luta contra a guerra, barrando o caminho aos fomentadores de guerra e influindo sobre a política oficial dos maiores países não fascistas, a fim de chamarem à razão os desenfreados agressores fascistas.

Não é possível uma luta séria pela manutenção da paz internacional, se não se empreenderem primeiramente todas as medidas necessárias para a criação de uma frente única da classe operária em cada país e a unidade de acção das organizações operárias internacionais. Não pode haver uma luta séria pela paz se não se mobilizarem todas as forças do movimento operário e das massas populares, a fim de se expulsarem, o mais rapidamente possível, da Espanha e da China, os ladrões fascistas.

A proporção entre as forças da guerra e as forças da paz em 1937, não é a mesma que em 1914.Aconteceram, desde então, mudanças históricas sobre o plano mundial. Os imperialistas tinham conseguido arrastar para a conflagração mundial milhões de homens, na altura em que o poderoso país proletário e o seu Exército Vermelho nem sequer existiam, em que não havia frente popular em França e Espanha, em que o povo chinês não se encontrava à altura de defender a sua independência nacional, em que as massas populares ainda não tinham experimentado a guerra imperialista e a grande revolução proletária, em que a classe operária internacional não possuía uma organização mundial como a Internacional Comunista.

O movimento operário internacional dispõe de forças e de meios plenamente suficientes para acabar com a intervenção do fascismo alemão e italiano em Espanha, com a invasão do militarismo japonês na China e para assegurar a paz internacional. Para tal, é necessário unirem-se as imensas forças e os meios do movimento operário internacional e dirigi-los para a luta firme e eficaz contra o fascismo e a guerra.»

18 de Julho de 1937.

(Texto abreviado.)

Jorge Dimitrov, Obras Escolhidas, Volume III, Editorial Estampa, Lisboa, 1976.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O complexo militar industrial e a energia nuclear

Tortura nas prisões colombianas: sistematismo e impunidade revelam uma lógica de Estado

Campo de Concentração do Tarrafal - o Campo da Morte Lenta