A crise do BES é a crise do sistema financeiro

A crise do BES é a crise do sistema financeiro
por José Alberto Lourenço

"O grupo Espírito Santo e o seu banco acumularam um vasto império financeiro ao longo das últimas décadas graças à sua integração internacional, que se revelou demasiado frágil face à crise financeira. O seu poder nas mais diferentes esferas da sociedade portuguesa era indiscutível: das artes ao poder político. Curiosamente, não foi ao que parece a crise per seque fez o copo transbordar – nem o poder político – mas sim uma luta de poder entre famílias da burguesia portuguesa. Com a luta em torno do controlo da Semapa na família Queiroz Pereira, a família Espírito Santo participou na contenda contra accionistas do seu próprio grupo, nomeadamente Pedro Queiroz Pereira. Com informação privilegiada, este acumulou um vasto dossiê de suspeitas e irregularidades no GES, entregue em 2013 no Banco de Portugal, até aí cego face a todas as múltiplas suspeitas envolvendo o grupo (do caso Monte Branco ao Portucale). A complexa estrutura financeira do grupo escondia esquemas de financiamento circular ao próprio grupo, desde a crise financeira internacional de 2008."
"A falência do BES não é um mero caso de polícia, mas a demonstração da falência de um modelo econômico usado pelas elites nacionais que, beneficiando da integração monetária, usaram o País como plataforma giratória de capitais com efeitos graves na destruição da nossa estrutura econômica. A liberdade de circulação de capitais e a liberalização financeira impostas no quadro da União Econômica e Monetária produziram uma economia financeirizada semi-periférica onde a acumulação dos grandes grupos se fez nos sectores não-transacionáveis, através das privatizações e das PPP, e na expansão internacional através do endividamento recorde. "


No recente caso da crise do Banco Espírito Santo (BES), a sua grande importância no segmento do crédito às empresas, com uma quota de mercado de 25,5%, o incontornável mediatismo de alguns dos seus protagonistas, a necessidade de se apurarem todos os seus aspectos criminais ou de incompetência de gestão, pode contribuir naturalmente para obscurecer o seu carácter estrutural e a sua associação com anteriores casos registados no BPP, BPN, BCP e BANIF.

Todos eles, no que têm de distinto e de comum, não revelam um súbito acréscimo de incompetência ou propensão criminal entre os nossos principais banqueiros desde que rebentou a última crise financeira internacional, antes mostram a vulnerabilidade da banca portuguesa no contexto da grande estagnação do espaço europeu pós-criação da União Econômica e Monetária (UEM) e da crise econômica portuguesa dos últimos anos.

O BES era, sem dúvida, o «banco de todos os regimes», que tinha aparentemente sobrevivido à mais séria crise financeira internacional e nacional desde a Grande Depressão e que, ao contrário da restante banca nacional, não tinha manifestado até agora a necessidade de injecção de fundos públicos.

Com interesses na economia portuguesa que iam das telecomunicações ao imobiliário e à saúde, passando pelo turismo, o Grupo Espirito Santo (GES) foi um dos resultados do processo de reconstituição monopolista em Portugal com as privatizações do final dos anos 80, devidamente apoiado pelo poder político instalado (PS/PSD/CDS), por capital estrangeiro (em especial brasileiro e francês) e pela integração financeira e monetária europeia.

A história da crise no Grupo Espírito Santo (GES) é a história da crise de um modelo económico falido cujos efeitos negativos continuam a abater-se sobre todos nós. Perceber o que aconteceu é essencial para escapar à individualização de responsabilidades, tanto do agrado do Governo, dos partidos que apoiaram a intervenção da troika (PS, PSD/CDS) e da comunicação social dominante e, para romper e abrir caminho a um novo modelo de desenvolvimento que coloque o sistema financeiro ao serviço da economia nacional. 

A queda de um império 

O grupo Espírito Santo e o seu banco acumularam um vasto império financeiro ao longo das últimas décadas graças à sua integração internacional, que se revelou demasiado frágil face à crise financeira. O seu poder nas mais diferentes esferas da sociedade portuguesa era indiscutível: das artes ao poder político. Curiosamente, não foi ao que parece a crise per seque fez o copo transbordar – nem o poder político – mas sim uma luta de poder entre famílias da burguesia portuguesa. Com a luta em torno do controlo da Semapa na família Queiroz Pereira, a família Espírito Santo participou na contenda contra accionistas do seu próprio grupo, nomeadamente Pedro Queiroz Pereira. Com informação privilegiada, este acumulou um vasto dossiê de suspeitas e irregularidades no GES, entregue em 2013 no Banco de Portugal, até aí cego face a todas as múltiplas suspeitas envolvendo o grupo (do caso Monte Branco ao Portucale). A complexa estrutura financeira do grupo escondia esquemas de financiamento circular ao próprio grupo, desde a crise financeira internacional de 2008.

Com perdas crescentes e novas regras prudenciais no que toca à gestão de fundos e avaliações de «stress» do BCE a aproximarem-se, apesar da contabilidade criativa a real fragilidade do grupo ficou mais exposta. Primeiro foram as vendas de participações em empresas, com na ZON (hoje NOS); depois a venda recorde de imóveis em carteira do BES; finalmente, a abertura de capital de empresas do grupo como a Espírito Santo Saúde ou a Espírito Santo Control. Sem refinanciamento, o grupo começou a desmoronar-se, primeiro nas empresas de topo do grupo, depois no centro da sua actividade, o BES.

A falência do BES não é um mero caso de polícia, mas a demonstração da falência de um modelo econômico usado pelas elites nacionais que, beneficiando da integração monetária, usaram o País como plataforma giratória de capitais com efeitos graves na destruição da nossa estrutura econômica. A liberdade de circulação de capitais e a liberalização financeira impostas no quadro da União Econômica e Monetária produziram uma economia financeirizada semi-periférica onde a acumulação dos grandes grupos se fez nos sectores não-transacionáveis, através das privatizações e das PPP, e na expansão internacional através do endividamento recorde. 

Recuperar instrumentos 

Urge, pois «desfinanceirizar» a nossa economia, recuperando instrumentos financeiros e monetários que permitam que o sector financeiro faça uma afectação do capital ao serviço do desenvolvimento e do emprego. A introdução de controlos de capitais, a taxação de transacções e uma regulação efectiva de produtos e serviços financeiros, passando pela proibição de venda no retalho de muitos deles (como papel comercial de empresas financeiras fora da alçada do Banco de Portugal), são parte do leque de opções disponíveis. Seria, todavia, uma mistificação apoiar tais medidas no actual quadro da integração monetária europeia. Só rompendo com este quadro serão estas medidas concretizadas.

Aprendemos com esta crise que o sistema bancário, devido ao seu papel, é um negócio que «não pode ir à falência», que depende de dinheiros públicos e que tem um papel essencial nos nossos destinos colectivos. Não pode ser privado. O controlo público da banca comercial, a sua especialização e a sua reorientação de negócio num ambiente de concorrência altamente limitada é a única solução face a um sector bancário disfuncional.

Exige-se o controlo efectivo da nova banca e a sua colocação ao serviço da economia, canalizando o crédito para os sectores produtivos considerados prioritários no interesse nacional. Foi isso que se faz há 39 anos e é isso que se impõe agora.






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