Brasil: Salário mínimo: mentiras e verdades
Salário mínimo: mentiras e verdades
* Projeção baseada no INPC, índice aplicável, por lei, aos benefícios previdenciários. O valor do salário-família para 2013 ainda não fôra definido quando do fechamento desta matéria.
por Henrique Júdice |
Iniciado 2013, o salário mínimo nacional passou de R$ 622 a R$ 678 – um
aumento nominal de 9% e "real" de 2,73%, caso se considere o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor (INPC) expressão da realidade, como manda uma lei
diariamente desmentida na roleta do ônibus ou na prateleira do
supermercado.
Como de costume, repetiu-se a cantilena das agências oficiais
(IBGE, IPEA) e dirigentes sindicais oficialistas acerca da suposta valorização
do salário mínimo levada a cabo pelos governos do PT desde 2003 (para alguns,
ela teria começado com FHC).
Ao contrário, porém, do que se supõe em certos meios, uma mentira repetida
mil vezes não se torna verdade. É preciso examinar mais detidamente essa questão
– e este é um bom momento para fazê-lo, já que ela constitui uma das chaves para
qualquer balanço honesto do decênio petista.
Qual é o valor do salário mínimo?
Quem disser R$ 678 acertou – mas só em parte. Este é, na realidade, o salário
mínimo do trabalhador sem filhos, a minoria de nossa população
assalariada. Para calcular o salário mínimo de pais e mães, é necessário levar
em conta o valor do salário-família. Isso é o que o IBGE, IPEA, FGV e mesmo o
DIEESE não fazem. Muito menos o farão, obviamente, O Globo, a Folha de São Paulo
ou a Veja. AND o faz, na tabela abaixo, para famílias com até 4 crianças
com idade inferior a 14 anos.
Tabela 1
Ano |
Valor SM sem SF (R$) | Valor SF (R$) | SM + SF(1 filho) | SM + SF(2 filhos) | SM + SF(3 filhos) | SM + SF(4 filhos) |
2003 | 240 | 13,48 | 253,48 | 266,96 | 280,44 | 293,92 |
2004 | 260 | 20 | 280 | 300 | 320 | 340 |
2005 | 300 | 21,27 | 321,27 | 342,54 | 363,81 | 385,08 |
2006 | 350 | 22,33 | 372,33 | 394,66 | 416,99 | 439,32 |
2007 | 380 | 23,08 | 403,08 | 426,16 | 449,24 | 472,32 |
2008 | 415 | 24,23 | 439,23 | 463,46 | 487,69 | 511,92 |
2009 | 465 | 25,66 | 490,66 | 516,32 | 541,98 | 567,64 |
2010 | 510 | 27,64 | 537,64 | 565,28 | 592,92 | 620,56 |
2011 | 545 | 29,43 | 574,43 | 603,86 | 633,29 | 662,72 |
2012 | 622 | 22 | 644 | 666 | 688 | 710 |
2013 | 678 | 23,32 (*) | 691,32 | 714,64 | 737,96 | 761,28 |
* Projeção baseada no INPC, índice aplicável, por lei, aos benefícios previdenciários. O valor do salário-família para 2013 ainda não fôra definido quando do fechamento desta matéria.
E quanto ele subiu?
Já os percentuais de reajuste do salário mínimo nestes onze anos de governo
petista (os dez últimos e o que começa) foram os desta outra tabela.
Tabela 2
Ano |
INPC % acumulado (*) | Reajuste % SM sem filhos | Reajuste % SM + SF (1 filho) | Reajuste % SM + SF (2 filhos) | Reajuste % SM + SF (3 filhos) | Reajuste % SM + SF (4 filhos) | |||||
Nominal | Real | Nominal | Real | Nominal | Real | Nominal | Real | Nominal | Real | ||
2003 | 18,54 | 20 | 1,23 | 19,98 | 1,21 | 19,97 | 1,2 | 19,96 | 1,2 | 19,95 | 1,19 |
2004 | 7,06 | 8,33 | 1,19 | 10,46 | 3,17 | 12,37 | 4,96 | 14,1 | 6,57 | 15,67 | 8,04 |
2005 | 6,61 | 15,38 | 8,23 | 14,74 | 7,3 | 14,18 | 7,1 | 13,69 | 6,64 | 13,26 | 6,23 |
2006 | 3,21 | 16,67 | 13,04 | 15,9 | 12,29 | 15,21 | 11,62 | 14,61 | 11,04 | 13,9 | 10,36 |
2007 | 3,3 | 8,57 | 5,1 | 8,25 | 4,79 | 7,98 | 4,53 | 7,7 | 4,26 | 7,5 | 4,06 |
2008 | 4,97 | 9,21 | 4,03 | 8,96 | 3,8 | 8,75 | 3,6 | 8,55 | 3,4 | 8,38 | 3,2 |
2009 | 5,92 | 12,05 | 5,79 | 11,8 | 5,55 | 11,4 | 5,17 | 11,1 | 4,89 | 10,88 | 4,68 |
2010 | 3,45 | 9,68 | 6,02 | 9,57 | 5,91 | 9,48 | 5,83 | 9,4 | 5,75 | 9,32 | 5,67 |
2011 | 6,47 | 6,86 | 0,37 | 6,84 | 0,35 | 6,82 | 0,33 | 6,81 | 0,32 | 6,79 | 0,3 |
2012 | 6,08 | 14,13 | 7,59 | 12,1 | 4,96 | 10,3 | 3,98 | 8,63 | 2,4 | 7,13 | 0,99 |
2013 | 6.1 | 9 | 2,73 | 7,34 | 1,17 | 7,3 | 1,13 | 7,26 | 1,09 | 7,22 | 1,05 |
Total | 98,85 | 239 | 70,49 | 227,23 | 64,56 | 221,15 | 61,5 | 215,66 | 58,74 | 210,67 | 56,23 |
(*) Inflação acumulada desde o último reajuste, medida pelo INPC. Essa
coluna não contém, necessariamente, à inflação do ano, já que, antes de 2010, o
reajuste não ocorria em 01 de janeiro.
Afinal, esse aumento "real" entre 56,23% e 70,49% em 11 anos (média entre 5,1
e 6,4%) é ou não uma marca que merece ser comemorada? Aqui se busca responder a
essa pergunta analisando a questão por quatro ângulos. Por qualquer deles e mais
ainda pela soma dos quatro, a resposta é "não".
1 – O ponto de partida
Se a história do Brasil tivesse começado em 1995, como acreditam petistas e
tucanos, esses 56 a 70% de aumento seriam, talvez, uma cifra merecedora de algum
respeito. Porém, o salário mínimo foi criado em 1940. E, de 1959 a 1999, seu
valor praticamente só diminuiu. O governo FHC levou-o a seu mais baixo valor
desde sua criação. Os reajustes de Lula incidiram, portanto, sobre valores
baixíssimos.
Na última página da nota técnica em que o DIEESE celebra o reajuste do início
do ano, um gráfico resume o alcance da "política de valorização" em curso: após
11 anos e três governos petistas, o salário mínimo do trabalhador sem filhos
está quase chegando ao nível de... 1983! O governo Lula sai-se razoavelmente na
comparação com o de Fernando Henrique. Mas não resiste sequer à comparação com
uma ditadura esgotada que, em plena crise financeira de 1982 e após dois choques
petrolíferos sucessivos, ainda conseguia, em seu último ano, manter o piso
salarial em R$ 689 atuais.
2 – Esgotamento e guinada à direita
Do governo da senhora Roussef, nem isso pode ser dito. A ênfase das agências
oficiais e da imprensa mercantil monopolista no reajuste acumulado da última
década é a cortina de fumaça atrás da qual pretende-se esconder a estagnação
iniciada em 2011.
Se nos oito anos de Lula houve mesmo um certo alívio em comparação com a
década de 90, fica evidente, agora, o alcance dessa "retomada": o aumento "real"
médio em três anos sob Dilma é de 3,7% para o trabalhador sem filhos – algo como
a metade dos 7,1% de seu antecessor. Os limites dessa retomada, portanto, foram
atingidos – e são estreitos.
3 – O congelamento do salário-família
Para trabalhadores com filhos (maioria), a situação é ainda mais drástica: em
2012, o valor real do salário-família caiu 30%, o que faz com que o aumento
"real" do mínimo no governo da senhora Roussef tenha sido de 2,7% para o
trabalhador com um filho e 0,7% para o que tenha quatro. Para famílias mais
numerosas, houve perda do valor real do mínimo, mesmo face ao índice oficial de
inflação.
O salário-família permanece, nos onze anos de gestão petista, congelado.
Apenas em 2004 teve um aumento "real" significativo, anulado depois pela redução
de 2012.
O resultado disso, como já demonstrado, é que quanto mais filhos com menos de
14 anos ou inválidos tiver o (a) trabalhador (a), menor terá sido seu ganho na
última década. Assim, o propalado aumento real nesse período é, no mínimo,
discutível – e o dos últimos três anos é uma mentira pura e simples.
4 – Os padrões internacionais
A partir de fevereiro, o salário mínimo, hoje em R$ 1.271, subirá para R$
1.369. O salário-família já havia aumentado, em setembro, de R$ 130 para R$ 160.
Isso, porém, não ocorreu nem ocorrerá aqui, mas na Argentina – onde, por sinal,
o custo de vida é menor. Em 2003, quando assumem Lula e Kirchner, o salário
mínimo argentino e o brasileiro tinham valores equivalentes em dólares; hoje, o
argentino vale o dobro.
Os argentinos, claro está, não vivem no paraíso. Tanto que os burocratas
sindicais aliados ao governo de Cristina Fernández permitiram-se, no máximo,
justificar em função da crise o valor do último reajuste, considerado baixo.
Ninguém saiu comemorando como ocorre no Brasil quando o PT fixa um salário
mínimo equivalente à metade e um salário-família correspondente a um oitavo dos
praticados no país vizinho. Além do mais, grande parte dos trabalhadores
argentinos trabalha "em negro" (sem carteira assinada), recebendo valores abaixo
do mínimo estipulado por lei.
A Argentina é um país com território e população expressivos e estrutura
econômica similar à brasileira, com forte dependência da exportação de soja,
alguma indústria e proeminência do capital imperialista estadunidense e europeu.
Seu governo move-se num marco político similar ao brasileiro e não tem nenhuma
pretensão de dar fim à dependência. Não se trata, portanto, de um país
imperialista, como a Alemanha ou a França (frente aos quais o abismo salarial
seria ainda maior), nem de um exportador de petróleo, como a Venezuela, nem de
uma nação pequena e por isso supostamente "mais fácil" de gerir. Muito menos de
um Estado tendente ao socialismo.
O fato de um trabalhador argentino que receba salário mínimo e tenha dois
filhos ganhar R$ 1.689 e um brasileiro nas mesmas condições R$ 722 só se
explica, portanto, pela pusilanimidade do governo brasileiro. Ou talvez porque
na Argentina, com todas as contradições que isso implica diante do fato de que o
capitalismo semicolonial não é reformável, exista, de fato, reformismo. Já no
Brasil, não há reforma alguma: apenas manutenção do status quo por uma
versão subdesenvolvida de socialdemocracia.
Fonte: A Nova Democracia em www.anovademocracia.com.br
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