Qual foi o maior assassino?


Qual foi o maior assassino?

Milosevic ou Holbrooke?

Por Diana Johnstone


Com uma larga folha corrida ao serviço do imperialismo e do terrorismo de Estado, Richard Holbrooke tornou-se conhecido com a sua participação na invasão das Balcãs pela NATO. Mas a sua história ao serviço do mais sórdido do imperialismo dos norte-americano começou a ser conhecida pela sua intervenção em Timor Leste, vão lá mais de 30 anos… “Em 1977, após a Indonésia invadir Timor Leste e começar a massacrar o povo desta ex-colónia Portuguesa, os Estados Unidos mandaram Holbrooke, supostamente para promover «os direitos humanos», mas na verdade para ajudar a armar a ditadura de Suharto contra os timorenses. Às vezes, arma-se o governo contra os rebeldes e, por vezes, os rebeldes contra o governo, mas apesar da aparente contradição, o que é sempre coerente é a cínica exploração e o modo de exacerbar trágicos conflitos locais para expandir o poder imperial norte-americano todo o mundo.”


É geralmente considerado de bom-tom evitar uma crítica dura sobre alguém que acaba de morrer. Mas o próprio Richard Holbrooke foi um exemplo notável do que é quebrar este protocolo. Ao saber da morte na prisão de Slobodan Milosevic, Holbrooke não hesitou em o descrever como um «monstro» comparável a Hitler e Stalin.

Pura ingratidão, considerando que Holbrooke devia o maior êxito da sua carreira - os acordos de Dayton, em 1995, que puseram fim à guerra civil na Bósnia-Herzegovina – quase inteiramente a Milosevic. Isso ficara muito claro no seu livro «Para terminar uma Guerra» (Random House, 1998) [1].

Mas a maior habilidade de Holbrooke, com a cumplicidade dos meios de comunicação, consistiu em embelezar a realidade com ostentações que o favoreceram a si mesmo.
Os Acordos de Paz de Dayton foram apresentados como uma heróica vitória para a paz que um brilhante Holbrooke havia arrancado a um relutante Milosevic, a quem os Estados Unidos tiveram que «bombardear até à mesa de negociações». Na verdade, o governo dos EUA tinha plena consciência de que Milosevic estava pronto a fazer a paz na Bósnia, para livrar a Sérvia de sanções económicas duras. Foi o líder muçulmano bósnio Izetbegovic Aliya que quis continuar a guerra com a ajuda militar dos EUA.

Na verdade, os EUA bombardearam os sérvios para levar Izetbegovic à mesa de negociações. E o acordo alcançado, no Outono de 1995 não foi muito diferente daquele alcançado em Março de 1992 por três grupos étnicos sob a égide da Comunidade Europeia, que poderia ter evitado a guerra civil, se não tivesse sido sabotado por Izetbegovic, que retirou o seu consentimento incentivado pelo então embaixador dos E.U.A. Warren Zimmermann.

Em suma, longe de serem os grandes pacificadores dos Balcãs, os EUA. encorajaram primeiro o lado muçulmano a lutar pelo objectivo de uma Bósnia centralizada e, em seguida, patrocinaram uma enfraquecida Bósnia federada, após quase quatro anos de derramamento de sangue que deixaram as respectivas comunidades indefesas e ressentidas.

O objectivo de tudo isso, como Holbrooke deixou claro em «Terminar Uma Guerra», era provar que os europeus não podiam gerir as suas questões vitais e que os Estados Unidos continuavam a ser a «nação indispensável». O seu livro também deixou claro que os líderes muçulmanos eram relutantes até à irritação, em acabar com a guerra, excepto com uma vitória completa, e só a disposição de Milosevic em fazer concessões salvou as negociações de Dayton do fracasso, permitindo proclamar Holbrooke como um herói.

O papel da diplomacia de Holbrooke foi demonstrar que a diplomacia, tal como executada pelos Europeus, estava destinada ao fracasso. A sua vitória foi uma derrota para a democracia. O espectáculo dos bombardeamentos depois de Dayton foi projectado para mostrar que só a ameaça ou a aplicação do poder militar dos EUA pode acabar com um conflito.

Milosevic tinha esperança de que as suas concessões conduziriam à paz e à reconciliação com os Estados Unidos. O que aconteceu foi que a sua única recompensa por oferecer a Holbrooke o triunfo da sua carreira, foi a de que seu país se viu bombardeado pela NATO em 1999, para arrancar a província do Kosovo á Sérvia e preparar a queda do governo de Milosevic. Holbrooke, teve um papel destacado nesta fase, e apareceu de repente posando descalço numa tenda no Verão de 1998, num momento fotográfico, entre os separatistas albaneses armados, que até então haviam sido descritos pelo Departamento de Estado como «terroristas» e pouco depois de anunciar a Milosevic que a Sérvia seria bombardeada, a menos que retirasse as forças de segurança na província, entregando-a de facto aos antigos terroristas transformados em combatentes da liberdade com a bênção de Holbrooke.

Na sua longa carreira entre o Vietname [2] e o Afeganistão, Holbrooke esteve activo em várias frentes. Em 1977, após a Indonésia invadir Timor Leste e começar a massacrar o povo desta ex-colónia Portuguesa, os Estados Unidos mandaram Holbrooke, supostamente para promover «os direitos humanos», mas na verdade para ajudar a armar a ditadura de Suharto contra os timorenses. Às vezes, arma-se o governo contra os rebeldes e, por vezes, os rebeldes contra o governo, mas apesar da aparente contradição, o que é sempre coerente é a cínica exploração e o modo de exacerbar trágicos conflitos locais para expandir o poder imperial norte-americano todo o mundo.Holbrooke e Milosevic nasceram no mesmo ano de 1941. Quando Milosevic morreu em 2006, Holbrooke fez uma longa declaração à BBC, sem dedicar uma palavra de simpatia humana.


«Este homem arruinou os Balcãs», foi o que afirmou Holbrooke.

«Ele era um criminoso de guerra que provocou quatro conflitos, deixando mais de 300.000 mortos e dois milhões e meio de pessoas sem lar. Há momentos em que os monstros deixam uma marca enorme na história de Hitler e Stalin - e esse é o caso deste senhor».

Holbrooke apresentou-se como a bondade em pessoa na luta por uma causa que valia a pena.


«Negociando com Milosevic, estamos cientes do facto de que nos sentamos do outro lado da mesa com um monstro cuja função na história é tão terrível e que causou tantas mortes».

Quem foi o monstro? Ninguém, incluindo o tribunal de Haia onde morreu por falta de tratamento médico, foi realmente capaz de demonstrar que Milosevic foi responsável pelas trágicas mortes das guerras de desintegração da Jugoslávia. Mas Holbrooke nunca foi levado a julgamento por todas as mortes no Vietname, Timor Leste, Iraque e, sim também as da ex-Jugoslávia, que foram consequência, pelo menos em parte, das políticas seguidas pelos EUA.

Com a sua auto-proclamada superioridade moral, Holbrooke considerava o dirigente sérvio como um oportunista, sem convicções políticas, nem comunista nem nacionalista, mas simplesmente «um oportunista em busca de poder e de riqueza pessoal».

Na verdade, nunca se encontrou qualquer evidência de que Milosevic conseguisse fortuna para si mesmo, enquanto Holbrooke foi, entre muitas outras coisas, vice-presidente do Credit Suisse First Boston, director gerente do Lehman Brothers, vice-presidente do fundo de capital de risco da Perseus LLC, e membro do conselho de administração da AIG, o American International Group, num momento em que, segundo a Wikipédia, «a empresa se tinha envolvido em práticas desenfreadas de especulação de planos de seguro de risco creditício, que podem ter custado aos contribuintes centenas de milhares de milhões de dólares para evitar que o colapso da AIG derrubasse o sistema financeiro inteiro».

Milosevic foi submetido a juízo durante anos sem chegar a apresentar a sua defesa, antes de morrer em circunstâncias perturbadoras. Para Holbrooke essa conclusão foi perfeitamente satisfatória: «Eu sabia que desde que ele chegou a Haia, nunca mais veria a luz do dia e acho que se fez justiça de uma forma estranha, já que ele morreu em sua cela e é assim que deveria ter sido».

Há muitos outros exemplos de mentiras e enganos na manipulação de Holbrooke da angústia dos Balcãs e sua exploração cínica das tragédias do Vietname, Timor Leste, Iraque e Afeganistão. Mas, no entanto, a sua importância não deve ser super-estimada. Os monstros imorais nem sempre deixam uma marca profunda na história, quando são simplesmente os instrumentos de uma máquina militar burocrática enlouquecida.

Notas:


[1] “Para terminar uma guerra”, Biblioteca da Política Externa, Biblioteca Nueva, Madrid 1999.


[2] No Vietname, Holbrooke trabalhou com Robert Komer, conhecido como “Blowtorch Bob” [”maçarico Bob”], responsável pelo infame programa Phoenix de contra-revolução e de deslocações forçadas de «aldeias estratégicas». No seu regresso a Washington, Holbrooke escreveu um dos volumes do famoso Pentagon Papers, a história secreta da intervenção dos EUA, que Daniel Ellsberg vazou para a imprensa em 1970.

*Diana Johnstone , é analista de política internacional escpecializada em assuntos militares
Este texto foi publicado em
www.sinpermiso.info

Tradução de: Guilherme Coelho



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