Sindicatos e trabalhadores nas malhas da desinformação

Sindicatos e trabalhadores nas malhas da desinformação
por Fernando Correia

"Com efeito, uma das linhas mais importantes do ataque ao sindicalismo, enquanto instrumento de organização e luta em defesa dos interesses dos trabalhadores, é a promoção da ideia de que lutar não vale a pena, tentando assim empurrar as pessoas para a passividade e o conformismo."
"Valoriza-se a conflituosidade, critério noticioso de agrado certo junto das pessoas, mas descontextualizada da luta social que lhe dá sentido. Estamos muitas vezes perante casos paradigmáticos da notícia encarada enquanto mercadoria – um produto «informativo» que se fabrica tendo em conta estritos critérios de rentabilidade e não em função do seu valor social. É «boa» a notícia que «vende» bem, não o é a que «vende» mal.

Há ocasiões em que as notícias são dadas, mas construídas numa base claramente manipulatória. Como quando das greves nos transportes, em que os telespectadores são informados pormenorizadamente sobre os contratempos causados aos entrevistados, mas pouco ou nada de substancial ficam a conhecer sobre a questão de fundo – as razões que estão na origem da atitude dos trabalhadores."


Se há algum factor que nos últimos anos melhor caracterize a situação dos media de grande audiência em Portugal, é o reforço e consolidação do domínio do poder económico neste sector, devidamente acolitado por um poder político a ele igualmente subordinado. O que eventualmente possa aparentar alguma diferenciação nos posicionamentos, incluindo os políticos, dos órgãos de comunicação social de grande influência, deriva apenas da necessidade da adopção de estratégias comerciais próprias de cada órgão que permitam a rentabilidade do negócio. Estratégias que se reflectem nas prioridades temáticas, nos ângulos de abordagem, no maior ou menor sensacionalismo, mas não no respeitante ao essencial da substância ideológica veiculada.

Estamos perante uma uniformidade editorial que nem a academicamente celebrada contraposição entre jornalismo «sério» ou de «referência» (estilo Público) e jornalismo «popular» (estilo Correio da Manhã) consegue disfarçar. Que assim é, mostra-o bem a forma como, em geral, o movimento sindical e a luta dos trabalhadores são tratados, sendo que as pontuais excepções, expressas nesta ou naquela reportagem, neste ou naquele comentário – e homenagem seja feita aos jornalistas que as conseguem protagonizar – não disfarçam o tom dominante.

As teias da manipulação que pretendem tolher e desacreditar os sindicatos, o sindicalismo e os dirigentes sindicais, menorizar a luta dos trabalhadores e de todas as camadas e sectores vítimas da política de direita, concretizam-se essencialmente, no conteúdo dos media dominantes, por duas formas: naquilo que se aborda e como se aborda, e naquilo que se silencia.

Os temas sociais em geral e os sindicais em particular, não têm, actualmente, uma secção, rubrica ou programa autónomos, aparecendo, quando aparecem, dissolvidos, sem aparente coerência, nas páginas de «sociedade», de «política», de «nacional», de «economia» ou mesmo, insolitamente, nas secções de «negócios»; ou então nessa amalgama aleatória e imprevisível que são os jornais televisivos.

Nas páginas de opinião da imprensa ou nos tempos consagrados aos comentários radiofônicos ou televisivos, os dirigentes sindicais, os juristas e economistas especializados em direito do trabalho e outros técnicos que acompanham a vida sindical são praticamente ignorados. Existem publicações (incluindo dois jornais diários), suplementos, páginas e programas dedicados aos temas econômicos, mas onde os problemas dos trabalhadores e as suas opiniões não têm assento. Lugar privilegiado na selecção dos editores têm, sim, as informações da Bolsa, as notícias de compra e venda de empresas, as lutas pela liderança dos mercados, as entrevistas com os gestores e os (grandes) empresários.

Os sindicalistas são apressadamente ouvidos, pressionados pelos poucos segundos de uma notícia de telejornal e, dir-se-ia que simbolicamente, no lugar para que são relegados: a rua. Umas vezes no ambiente agitado e emocional dos portões das fábricas onde operários sem salário gritam a sua indignação e desespero, outras vezes em frente das escolas onde professores despedidos ou exilados para distâncias longínquas exasperadamente clamam por justiça. Enquanto isso, os (grandes) patrões são convidados para os estúdios de televisão, com passagem prévia pelas salas de maquilhagem, ou entrevistados nos alcatifados escritórios das associações empresariais, onde com serenidade e tempo respondem às questões de respeitosos entrevistadores.

Os próprios media e os grupos econômicos que neles mandam promovem debates sobre «o futuro da economia», as «relações de trabalho», o «empreendedorismo» e outros temas similares, em que a ausência de representantes dos trabalhadores denuncia claramente os interesses de classe em confronto.

Informação e negócio

Os sindicalistas e os sindicatos são, subliminarmente, associados perante a opinião pública à existência de conflitos laborais, à chamada «desestabilização social», para utilizar uma terminologia cara à direita e ao grande capital. A sua presença no espaço público mediatizado só é «autorizada» quando da ocorrência de greves ou outras formas de luta. E os protestos e as greves não são apresentadas enquanto resultantes de políticas antidemocráticas e antipatrióticas, contrárias aos interesses do povo e do País, mas sim como insinuado reflexo de uma ânsia de contestação por parte dos trabalhadores, pretensamente obcecados pela ambição de privilégios corporativos ou ao serviço de obscuras motivações partidárias.

Algumas vezes os conflitos são notícia quando as formas de luta encontradas pelos trabalhadores encaixam nos critérios jornalísticos que dão primazia ao espectacular, ao insólito, ao emocional. Privilegia-se então não o significado social dos acontecimentos mas o interesse que eventualmente possam ter para a fixação da curiosidade das pessoas. Aliás, num país em que aumentam as desigualdades e pioram as condições de vida dos trabalhadores e do povo, crescem naturalmente o descontentamento e o protesto, perante os quais os media não poderiam ficar alheios sob o risco de perderem leitores, ouvintes e telespectadores – ou seja, as audiências que trazem publicidade e consigo os lucros. O que está em causa é como o fazem.

Valoriza-se a conflituosidade, critério noticioso de agrado certo junto das pessoas, mas descontextualizada da luta social que lhe dá sentido. Estamos muitas vezes perante casos paradigmáticos da notícia encarada enquanto mercadoria – um produto «informativo» que se fabrica tendo em conta estritos critérios de rentabilidade e não em função do seu valor social. É «boa» a notícia que «vende» bem, não o é a que «vende» mal.

Há ocasiões em que as notícias são dadas, mas construídas numa base claramente manipulatória. Como quando das greves nos transportes, em que os telespectadores são informados pormenorizadamente sobre os contratempos causados aos entrevistados, mas pouco ou nada de substancial ficam a conhecer sobre a questão de fundo – as razões que estão na origem da atitude dos trabalhadores.

Os problemas sociais só têm geralmente lugar nos noticiários nos seus afloramentos pontuais, «mercantilizáveis», e não na profundidade dos seus enraizamentos no sistema, enquanto consequência de uma política assente na destruição dos direitos sociais e das funções sociais do Estado, na desvalorização do trabalho, dos trabalhadores e de todas as camadas e sectores antimonopolistas. Uma política, ela sim, profundamente desestabilizadora.

O que se oculta
– e porquê

Entretanto, o que se diz é complementado e potenciado pelo que se não diz. No que se refere aos sindicatos e aos sindicalistas, tudo o que não sejam greves ou manifestações está ausente dos noticiários ou, quando muito, referido em pequenas «breves» de fundo de página. E, aparente paradoxo, provavelmente o mais importante do que se oculta tem a ver, precisamente, com greves e manifestações.

Com efeito, uma das linhas mais importantes do ataque ao sindicalismo, enquanto instrumento de organização e luta em defesa dos interesses dos trabalhadores, é a promoção da ideia de que lutar não vale a pena, tentando assim empurrar as pessoas para a passividade e o conformismo.

Argumentam patrões e «comentadores» ao seu serviço: para quê protestar se depois tudo fica na mesma? Basta conhecer um pouco a história do movimento operário para saber que não é assim; e mesmo falando apenas do aqui e agora, são numerosos os casos em que as reivindicações e lutas dos trabalhadores saem vitoriosas, por cedência dos patrões, do governo ou por decisões favoráveis dos tribunais. O que acontece, porém, é que grande parte dessas vitórias não é levada ao conhecimento do grande público.

Por outro lado – e esta é outra vertente da estratégia de silenciamento – há toda uma linha de intervenção ignorada pelas políticas editoriais dos media dominantes, mais interessados no que é «desestabilizador» da confortável «estabilidade» de que alguns gostariam de «estavelmente» usufruir, do que pura e simplesmente informar sobre o que é e o que faz um sindicato. Eis apenas alguns exemplos recentes, divulgados no site da União de Sindicatos de Lisboa:
- A Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP-IN, a Interjovem e a Inter-reformados promoveram em 10 de Dezembro uma Tribuna Pública sob o lema «Direito a Trabalhar com vida Pessoal e familiar», iniciativa esta realizada no âmbito do «Ano Europeu da Conciliação entre a vida profissional e a vida familiar» e na sequência da luta travada pelo Movimento Sindical Unitário contra a ofensiva patronal e governamental em relação à organização do tempo de trabalho e os direitos de maternidade paternidade. 
- Um grupo de trabalho composto pela União dos Sindicatos de Lisboa, SPGL, CESP, STAL e SINTAB esteve junto à Cantina da Cidade Universitária dando a conhecer aos estudantes o Manifesto em Defesa das Funções Sociais do Estado, para o qual a CGTP-IN tem vindo a recolher um grande número de assinaturas junto dos trabalhadores, juventude, reformados, pensionistas e população em geral. 
- Promoção de uma petição contra o roubo nas pensões e o aumento da idade da reforma, visando esclarecer os trabalhadores e o povo dos novos cortes que o Governo prevê nas pensões da Administração Pública e no Sector Privado. 
- No âmbito do Dia Mundial do Livro, o Departamento de Cultura e Tempos Livres da CGTP-IN organizou na sua sede uma Feira do Livro, disponibilizando para venda algumas edições publicadas pela CGTP-IN e outras para oferta, editadas ou não pela Central. 
- Organização periódica de acções de formação, iniciativas de convívio e confraternização, provas desportivas em diversas modalidades, nomeadamente atletismo, futsal e cicloturismo.

Sublinhe-se que para além de iniciativas centrais, que depois se repercutem e prolongam a nível descentralizado, cada sindicato tem também a sua actividade própria, envolvendo o apoio jurídico, as acções de solidariedade em relação aos desempregados ou dos sindicatos mais «ricos» em relação aos mais «pobres», protocolos com entidades no domínio da saúde, cooperativas de consumo, etc.

A verdade é que a vida sindical se reveste de uma riqueza e diversidade que está muito para além da realidade de que os media dominantes, interessada e interesseiramente, transmitem para a opinião pública.

Outros silenciamentos…

Curiosamente, ou melhor, significativamente, os próprios acontecimentos relacionados com os trabalhadores da comunicação social, jornalistas mas não só, estão ausentes das notícias, não apenas no que se refere à sua situação laboral e às suas lutas e reivindicações, mas também no respeitante à sua vida sindical. As recentes eleições para o próprio Sindicato dos Jornalistas não tiveram direito, e apenas em alguns casos, a mais do que curtas informações sobre os resultados finais…

Os «bons exemplos» sobre a forma como o patronato (e os responsáveis editoriais encarregados de lhes concretizar os pensamentos) encara o factor trabalho começam por ser dados em casa: até mesmo os êxitos dos profissionais do sector são muito contidamente referidos. Por exemplo, os prémios Gazeta, anualmente atribuídos pelo Clube de Jornalistas, apenas costumam merecer referência nos jornais, rádios ou TV em que os premiados trabalham (e já houve ocasiões em que nem nesses!), sendo geralmente pura e simplesmente ignorados nos outros órgãos.

Um outro tipo de silenciamento não pode deixar de ser referido – a verdade é que no que se refere a lutas e reivindicações, nem tudo é noticiado… A estratégia também funciona quando se trata de casos que envolvem empresas em que os patrões dos media têm interesses próprios, ou relativos a empresas directa ou indirectamente – por exemplo enquanto anunciantes – ligadas aos media em causa. Para citar um caso óbvio: não será fácil encontrar no Público reportagens, entrevistas ou mesmo breves informações sobre as reivindicações laborais e movimentações sindicais nos supermercados Modelo/Continente ou noutras empresas da SONAE…



Fonte: Avante




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