A Europa dos povos só pode nascer sobre os escombros da União Europeia

Seminário debate crise na UE e ofensiva antipopular
A Europa dos povos só pode nascer sobre os escombros da União Europeia
 
O PCP e Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde promoveram, dia 28, em Lisboa, um seminário subordinado ao tema «A crise na União Europeia e a ofensiva contra os direitos, a liberdade e a democracia».


Durante os trabalhos, dirigidos por José Neto, membro do CC, e abertos por Inês Zuber, deputada do PCP ao Parlamento Europeu, foram feitas duas dezenas de intervenções que trataram diferentes aspectos da ofensiva do grande capital contra a soberania nacional, os direitos sociais e laborais, a liberdade e a democracia, em simultâneo com o reforço dos aparelhos repressivos e a escalada da militarização e do belicismo.

No contexto da profunda crise do capitalismo, Inês Zuber alertou para «os perigos do aprofundamento do federalismo patentes na ideia lançada recentemente pela Comissão Europeia da criação de uma Federação de estados, que constitui um salto qualitativo sem precedentes na imposição supranacional das políticas e orientações».

Denunciando as consequências nefastas da integração capitalista, a deputada considerou que «uma Europa que sirva os interesses dos povos e dos trabalhadores só será possível de construir sobre as ruínas desta União Europeia».

Como de seguida salientou o deputado espanhol da Esquerda Unida, Wily Meyer, a actual crise que se abate violentamente sobre os povos da Europa não resulta de nenhuma calamidade natural, mas sim de uma estratégia delineada pelo grande capital há mais de duas décadas, como vista a manter e recuperar os super lucros.

Na opinião de Meyer, a origem desta estratégia remonta a 1989, quando foi formulado o chamado «consenso de Washington», que se tornou política oficial do FMI e começou a ser aplicado na UE com o tratado de Maastricht (1992). A par da redução dos gastos públicos e da vaga de privatizações, a receita «neoliberal» traduziu-se igualmente na desregulamentação laboral e na crescente pressão sobre os salários. «Com esta política era de esperar esta crise».

Um plano devastador
E à medida que a crise se agrava e se torna mais complexa, a ofensiva anti-social tenderá a intensificar-se, com vista a diminuir cada vez mais os custos laborais, não só nos países do Sul da Europa, a braços com a chamada crise da dívida, mas em todos os estados-membros, incluindo aqueles que não estão sobre-endividados.

Esta análise, apresentada no seminário por Evangelos Katsiavas, em representação do Partido Comunista da Grécia, foi amplamente confirmada por Mikael Gustafsson, deputado do Partido da Esquerda da Suécia, e pela alemã Sabine Losing, deputada do Die Linke (A Esquerda), que não participou nos trabalhos por motivo de doença, mas cuja intervenção foi lida na sessão.

Katsiavas fez ainda questão de caracterizar a actual crise como «uma crise do sistema capitalista, uma crise de sobreprodução e de sobre-acumulação de capital, que não encontra uma saída rentável nos mercados». «A dívida dos estados não é a causa, mas o resultado da política antipopular da plutocracia».

Lembrando que na Grécia está em preparação mais um pacote de cortes sociais, o quarto no espaço de dois anos, Katsiavas considerou que o verdadeiro objectivo destas políticas não é diminuir o défice ou a dívida, mas criar condições ao grande capital para competir com os EUA e sobretudo com as potências emergentes como a China e Índia, entre outros, onde os custos da força de trabalho são muito mais baratos.

Uma redução tão abrupta do poder de compra das massas teria efeitos arrasadores nas forças produtivas dos diferentes países europeus, só comparáveis aos de uma guerra.

No nosso País, uma das consequências da recessão e do desemprego massivo tem sido o aumento exponencial da emigração, que nos reporta ao nível da década de 60, segundo afirmou Rosa Rabiais, membro do CC do PCP. «Os números oficiais (longe da realidade) apontam para um aumento de mais de 300 mil emigrantes, entre 2008 e 2010, estimando-se que em 2011 tenham saído entre 100 e 120 mil portugueses, principalmente para a França, Brasil, Reino Unido, Suíça e Angola».

Entretanto, é cada vez mais evidente que os programas de «austeridade», em vez de corrigir, agravam os desequilíbrios das contas públicas. Como assinalou Honório Novo, deputado do PCP na AR, o défice orçamental para este ano «pode afinal vir a ser superior a seis por cento (em vez dos 4,5% anunciados) e a trajectória da dívida pode ultrapassar os 120 por cento do PIB».

Neste caso, Portugal não é excepção: «Os resultados orçamentais destes programas de ingerência, centrados em factores recessivos, são idênticos e igualmente desastrosos em todos os países», afirmou Honório Novo, concluindo que «objectivos centrais do memorando da troika não são, portanto, a mera obtenção do equilíbrio das contas», mas visam «limitar e destruir direitos laborais e sociais conquistados depois do 25 de Abril de 1974, fazendo em muitos casos tábua rasa de princípios integrados na Constituição da República».

De resto, como antes tinha referido João Ferreira, deputado do PCP no PE, a adesão de Portugal à CEE deu «alento ao processo contra-revolucionário, então já em pleno curso. As classes dominantes, inconformadas com as parcelas de poder perdidas com o 25 de Abril, viram aqui uma oportunidade de ouro para satisfazer as suas ambições, amarrando o País a um tipo de desenvolvimento capitalista». As sucessivas revisões da Constituição, ali lembradas pelo deputado, foram todas nesse sentido.

Para o Juiz conselheiro jubilado, Guilherme da Fonseca, «pode afirmar-se que da CRP originária de 1976, na plena euforia da Revolução de 1974, até à CRP da actualidade, depois de sofrer sete revisões, há um arco de, pelo menos, 180 graus».

Ofensiva geral
Exemplos concretos de ataques aos direitos laborais e à própria soberania do País foram referidos no seminário por Carlos Carvalho, membro do sector dos Transportes da DORL, que abordou os processos de privatização, especificamente, no sector aéreo e no sector marítimo-portuário.

Ainda no campo dos direitos laborais, Joaquim Dionísio, dirigente da CGTP-IN, recordou que, já nos anos 80, surgiu a ideia, depois paulatinamente concretizada, de que «em situação de crise o direito do trabalho deveria ceder para dar lugar a um direito de excepção».

A investida contra o Poder Local é outro vector da ofensiva anti-social. A este propósito, João Almeida, membro do Grupo de Trabalho da Administração Local do PCP, salientou que «o cerco sistemático» às autarquias «pretende forçá-las a abdicar da natureza pública dos serviços com valor económico».

No domínio da Justiça, é elucidativa a síntese ali feita por João Oliveira, deputado do PCP na AR: «A pequena criminalidade é alvo de grande atenção e frequentes alterações legislativas no sentido de garantir maior repressão penal. Ao invés, a corrupção, a criminalidade grave e organizada ou o crime económico-financeiro têm garantida a quase total impunidade».

Notando que a ampla ofensiva do capital atinge hoje camadas que serviam e servem de «esteio ao domínio das classes possidentes», Carlos Nelson Amador, membro da direcção do Sector Intelectual do Porto, considerou que «é mais real que nunca a possibilidade de conciliar as aspirações de diferentes camadas num programa que ofereça a cada um a perspectiva de um futuro construído na base do respeito pelo trabalho, da garantia das condições de vida das populações, da democracia política, económica e cultural».

Repressão e militarização
A par da brutal ofensiva social, acentuam-se as políticas de cariz securitário, que põem em causa direitos e liberdades. Segundo Francisco Pereira, membro do CC, em Portugal, esta orientação tem-se traduzido, nomeadamente, «na concentração de efectivos e equipamentos, na formação em actuações de intimidação e repressão contra trabalhadores e cidadãos no exercício de legítimos direitos de resistir e lutar». Estas políticas, acrescentou, visam «impedir a expressão do protesto e indignação das massas».

Por sua vez, Odete Santos chamou a atenção para as tentativas de coarctar a liberdade de expressão, referindo «desde regulamentos arbitrários e inconstitucionais das câmaras municipais, que pretendiam disciplinar a propaganda partidária levando-a pela arreata, até às prisões de jovens comunistas levados a tribunal por fazerem pinturas murais».

Já Domingos Abrantes, membro do CC, alertou para os reais objectivos do Programa de Estocolmo, que visam criar «um vasto e sofisticado aparelho de carácter repressivo para actuar no âmbito de cada país e no plano internacional», no qual os serviços de informações ocupam um lugar central, assumindo progressivamente funções de polícia política.

Segundo referiu, a função real dos serviços de informações da República Portuguesa «é a de cada vez mais assumir o papel de polícia política na fichagem de activistas sindicais e partidários democráticos, se envolver em acções ilegais de provocação e espionagem a forças sociais e políticas que resistam à política de direita».

Ao mesmo tempo, como referiu António Filipe, deputado do PCP na AR, a crescente militarização da UE levou a transformações profundas das Forças Armadas Portuguesas que «deixaram de ser entendidas como um instrumento para a defesa do território nacional, da sua integridade e da sua independência, para se tornarem em mero instrumento de política externa ao serviço dos desígnios militaristas da NATO e dos objectivos de militarização da União Europeia»

Assim, entre outros exemplos que deu, «a Marinha Portuguesa não tem navios para patrulhar a nossa extensa costa, mas tem fragatas para participar nas missões da NATO. Faltam em Portugal meios aéreos de combate aos incêndios florestais, mas há duas frotas de caças F-16».

Rui Fernandes, membro da Comissão Política do PCP, (ver intervenção na íntegra em www.pcp.pt), encerrou o debate com uma citação de Álvaro Cunhal: «Somos um Partido que confia no ser humano e na capacidade do homem não apenas para transformar a natureza mas para transformar a vida social. (…) Mantendo essa ligação constante, firme, inabalável com a classe operária e as massas populares, poderá haver tempestades que nos abalem, mas não haverá tempestades que nos destruam.»

 
 
Fonte: Avante
 
 
 
 

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