A Concordata fascista espanhola

A Concordata fascista espanhola
por Jorge Messias

«Elevando o nosso coração a Deus, juntamente com Vossa Excelência, expressamos a nossa profunda gratidão pela vitória que ansiávamos, da Espanha católica. Desejamos que depois de lograr a paz, esse país que nos é tão caro, dê nova força à sua velha tradição católica que o fez tão grande. Concedemos a Vossa Excelência e a todo o nobre povo espanhol a nossa bênção apostólica».(Carta de Pio XII a Franco, em 1939, após a vitória dos fascistas espanhóis na Guerra Civil ).
 
«Bento XVI defende uma nova ordem política e económica internacional, através de uma refundação da ONU e da criação de uma verdadeira autoridade. Diz que é urgente a reforma da arquitectura financeira internacional assegurada pelo Banco Mundial, o FMI e a Organização Mundial do Comércio» (Expresso, encíclica “Caritas in Veritate”, Julho de 2009).
 
«Para o Vaticano, importa alcançar uma Nova Ordem económica mundial baseada na ética católica e na procura do bem comum, submissa aos princípios da subsidiaridade e da solidariedade» («À Lei e ao Testemunho», Internet).
 
«Actualmente, o capitalismo tem presença global, material e ideológica, com impactos nos planos político, económico, cultural e ambiental. Ter atravessado fronteiras e ser mundial, ter esse processo sido intermediado e em parte executado pelas corporações transnacionais, não significa que tenha anulado e, ainda menos, dispensado, as suas origens e as suas bases, históricas e operacionais, de estado-nação», (Rui Namorado Rosa, encontro «Civilização ou barbárie», Setembro de 2004).


Entre as duas Concordatas ibéricas, a portuguesa e a espanhola, há uma perfeita identidade. Em ambos os casos, cada Estado reconhece a Igreja como parceiro privilegiado. Num e noutro lado da fronteira é proclamada a inviolabilidade dos pactos com o Vaticano e aceita-se que, mesmo em profunda crise do capitalismo, Roma continue a não pagar impostos e não ceda uma polegada nos privilégios fiscais, nos offshores ou no seu desmedido e secreto império financeiro. E o conceito mágico de religioso oculta poderosos monopólios isentos de riscos cuja operacionalidade se manifesta em áreas tão diferentes como as da filantropia caritativa ou do crime organizado. Mas nada resiste à passagem do tempo. Nem mesmo os rochedos milenares.

Em Espanha, o Estado procura não beliscar os interesses do Vaticano. Transfere-se constantemente mais e mais competências do sector público para o privado onde imperam, na área social, mais de 40 000 instituições católicas. Há territórios, como os de Toledo, Ávila, Burgos e Santiago de Compostela que, praticamente, são latifúndios da Igreja. O governo transfere anualmente para os cofres eclesiásticos cerca de 10 biliões de euros. Mais 90 milhões são pagos ao clero para «fins sociais».

Esta situação de completa colonização do Estado está, finalmente, a ser combatida pelo próprio povo católico. Há no mundo religioso espanhol fortes correntes dos que defendem a tributação fiscal da Igreja e o seu nivelamento com as instituições laicas do país. Igreja, sim; mas financiada pelos crentes. Igreja que não se confunda com negócio e corrupção.

São sinais de esperança em relação ao envolvimento católico nas lutas sociais. Núcleos que também alastram noutros países tais como a Itália, a França ou em áreas de maioria católica muito envolvidas pela crise capitalista mundial. Veremos se num futuro próximo estas vozes ganham consistência e revolucionam a atitude geral da Igreja perante os povos, as classes e a justa luta de classes que se agrava dia a dia.

Em Portugal, a mudança não justifica ainda grandes optimismos. A hierarquia – tal como prescrevem os manuais jesuítas –, vai assumindo atitudes distintas que são sabiamente geridas conforme as circunstâncias: o silêncio, o fundamentalismo e a «viragem à esquerda». Por isso se justifica algum cepticismo quando se propagandeia uma «nova era».

Ainda há poucas semanas, uma estrutura superior da Igreja – a «Comissão Nacional Justiça e Paz» – fez publicar uma nota desassombrada que não pode deixar de despertar grande consenso. Referimo-nos ao texto «Os números e as pessoas».

Mas traduzirá o que lá se diz as posições oficiais da hierarquia, quando é certo que exprimem análises opostas àquelas que têm marcado juízos públicos de D. José Policarpo e de outros bispos? Estaremos em presença de uma reviravolta subscrita por uma estrutura importante da Igreja? Ou da negação implícita do princípio da «subsidiaridade»?

Talvez nem tanto ...
 
 
Fonte: Avante
 
 
 

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