A crise do capitalismo, a luta dos trabalhadores e dos povos e a alternativa do socialismo


A crise do capitalismo, a luta dos trabalhadores e dos povos e a alternativa do socialismo


1.0. Introdução


1.0.1. O XIX Congresso realiza-se num contexto de particular exigência, complexidade e importância para a luta emancipadora dos trabalhadores e dos povos. Confirmando as perspectivas apontadas no XVIII Congresso, a situação internacional é marcada por uma grande instabilidade e insegurança e por uma aguda e mais intensa luta de classes.

Como o PCP previu e preveniu ao longo das duas últimas décadas, o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo está no epicentro dos principais desenvolvimentos da situação internacional, tendo na explosão de uma das mais agudas crises cíclicas do capitalismo o seu principal elemento e expressão.

1.0.2. A uma brutal ofensiva do imperialismo, acentuada pela sua violenta resposta à crise do capitalismo, corresponde a intensificação da luta dos trabalhadores e dos povos e a afirmação de países e de articulações entre nações, que buscam caminhos para o seu desenvolvimento fora do quadro do domínio hegemónico do imperialismo.

Estão em desenvolvimento importantes mudanças no plano económico, social, político e cultural com importantes implicações no plano geoestratégico. A sua resultante, ainda difícil de definir, dependerá de um largo e complexo conjunto de factores que incluem o papel dos Estados e da sua articulação na oposição ao imperialismo, a luta dos povos pela sua libertação e defesa da soberania e independência, e ainda, com um papel essencial, a luta da classe operária e das massas populares e a correlação de forças entre capital e trabalho que dela resulte.

São grandes os perigos resultantes da ofensiva do imperialismo. Mas, simultaneamente, o desenvolvimento da luta e a tomada de consciência da real natureza exploradora, agressiva e predadora do capitalismo, demonstram a existência de reais potencialidades de resistência ao imperialismo e de desenvolvimento da luta pela superação revolucionária do capitalismo.

1.0.3. Num quadro de acumulação de factores materiais objectivos para o desenvolvimento da luta revolucionária, o movimento comunista e revolucionário revela ainda – apesar de progressos e maior implantação nas massas – debilidades e insuficiências. A situação é ainda de resistência e acumulação de forças.

O atraso relativo do factor subjectivo da luta revolucionária aumenta a sua complexidade. Multiplicam-se os desafios colocados às forças do progresso, e em particular aos comunistas, o que exige rigor na abordagem teórica e prática da definição das alianças, ritmos e etapas da luta pela superação revolucionária do capitalismo e pela construção do socialismo – a necessária e única alternativa ao capitalismo.

Uma alternativa para a qual a luta, a participação e o papel criativo das massas trabalhadoras e populares adquire uma importância central, interligada com a necessidade do fortalecimento do Movimento Comunista e Revolucionário Internacional e, em relação dialéctica com este, do fortalecimento da Frente anti-imperialista.



1.1. A evolução mundial, o capitalismo e o aprofundamento da sua crise estrutural


1.1.1. Duas décadas passadas sobre as derrotas do socialismo, o domínio hegemónico do imperialismo conduz o mundo para uma regressão civilizacional de dimensões históricas por via da destruição das conquistas e direitos alcançados ao longo do século xx pela luta dos trabalhadores e dos povos, visando o retrocesso à situação de exploração de classe e opressão nacional do século xix. A natureza exploradora, agressiva e predadora do capitalismo torna-se mais patente com as devastadoras consequências da crise de sobreprodução que se arrasta há mais de quatro anos.

Aprofundam-se as contradições do sistema, especialmente a contradição fundamental entre o carácter social da produção e a sua apropriação privada. A actualidade e validade das principais teses do marxismo-leninismo é confirmada pela vida, como acontece nomeadamente com a lei da baixa tendencial da taxa de lucro, que o capitalismo procura por todos os meios contrariar por via da especulação financeira e da intensificação da exploração dos trabalhadores e dos povos, bem como pelo militarismo e a guerra.

1.1.2. A crise que atinge hoje o mundo capitalista é muito profunda e distingue-se de anteriores crises cíclicas de sobreprodução por se estender a todo o globo, por se expressar em simultâneo nos planos financeiro, económico, energético, das matérias-primas e ecológico, e por ter lugar num quadro de importantes mutações nas relações internacionais

É uma crise que, traduzindo o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, evidencia e acentua o seu carácter parasitário e decadente, confirmando assim a sua tendência para a estagnação, tornada patente na dificuldade das principais potências capitalistas saírem da situação de recessão e estagnação em que mergulharam.

É que o grau de financeirização da economia capitalista, mais do que uma opção política, é produto do próprio funcionamento capitalista no estádio actual do seu desenvolvimento.

As consequências deste processo de financeirização da economia mundial são enormes. A hegemonia do capital financeiro significa, por um lado, um gigantesco desperdício e destruição de forças produtivas, a começar pelo desemprego crescente e massivo, e por outro, a apropriação pelos grandes grupos económicos e financeiros da parte de leão da mais-valia criada na esfera produtiva que está a conduzir a uma acelerada centralização e concentração de capital e a uma repartição do rendimento entre o capital e o trabalho cada vez mais desigual.

Através das espirais do endividamento e de mecanismos ao seu serviço, das agências de rating aos offshores, os EUA e outras potências imperialistas impõem ao mundo um gigantesco esbulho da riqueza criada e impedem o desenvolvimento e o progresso social de países formalmente independentes mas realmente, em maior ou menor grau, sujeitos a processos de autêntica colonização pelo grande capital e o imperialismo.

1.1.3. As consequências sociais da crise económica e financeira, da destruição de forças produtivas que lhe está associada e dos processos de concentração e centralização de capital que marcam a resposta do grande capital à crise do capitalismo, são devastadoras. O capitalismo sustenta os seus períodos de crescimento no aumento da exploração dos trabalhadores e dos povos, para depois em períodos de crise resultantes da sua própria natureza, elevar ainda mais o grau de exploração numa espiral de devastação social e concentração de riqueza.

Aprofunda-se a polarização social. A crise veio pôr ainda mais em evidência a escandalosa contradição entre os notáveis avanços da ciência e da técnica e a regressão social, que entretanto se acentuou. Aprofundaram-se fortemente as desigualdades na redistribuição da riqueza. A fome, a pobreza, a subnutrição, a falta de assistência médica e medicamentosa e a mortalidade infantil não só persistem como flagelos da Humanidade como alastraram para vastas regiões. Segundo a OIT, o desemprego afecta 200 milhões de trabalhadores e alargam-se os fenómenos de pobreza entre aqueles que conseguem manter o seu posto de trabalho. Aumenta o trabalho infantil, as actividades criminosas de tráfico de seres humanos, de esclavagismo e de exploração sexual. A esperança de vida reduz-se em numerosos países.

1.1.4. A expressão ecológica do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo evidencia a insustentabilidade de uma organização de produção económica assente na irracional, intensiva, contínua e crescente captação e extracção de abundantes fluxos de energia e matérias-primas, do solo e subsolo e da hidrosfera, determinadas pela busca do lucro máximo e da incessante acumulação do capital que lhe está associado.

A realidade está a demonstrar a incapacidade do capitalismo de garantir, a médio e longo prazos, o desenvolvimento social e económico a par com a preservação das condições naturais de vida para a Humanidade, seja na área da produção agrícola e mineral, na indústria ou nos meios de transporte (onde os combustíveis líquidos derivados do petróleo assumem um peso determinante).

O acesso a produtos alimentares está particularmente sujeito a quebras de aprovisionamento que ameaçam muitos países e assumem proporções críticas, sobretudo naqueles cuja balança alimentar é muito deficitária.

Acentua-se a competição do capital por vantagens imediatas que gerem lucro, mesmo que seja à custa de delapidação dos recursos naturais que são negados a gerações futuras, ou da expulsão ou degradação das condições de vida de populações residentes. O sistema capitalista tem um carácter predador sobre a natureza. Mas, pressionado pela evidência dos impactos ambientais resultantes do seu funcionamento, o capital faz uso recorrente de termos como «crescimento sustentável» e «economia verde» para iludir problemas não resolvidos ou irresolúveis pelo sistema e conferir respeitabilidade à prossecução das mesmas políticas predadoras.

Todavia o conceito de crescimento económico capitalista, utilizado pelas classes dominantes para confundir e controlar ideologicamente as massas, está condenado ao fracasso. Porque deliberadamente ilude o crescimento das assimetrias na distribuição de rendimentos entre países e entre classes sociais. E ilude também o facto insuperável que o crescimento material sem restrições, numa economia já globalizada, está limitado pelas capacidades do planeta Terra. A questão central que está colocada não é o crescimento económico permanente e universal, desligado e em contradição com o desenvolvimento socialmente necessário, mas sim a gestão racional e planificada dos recursos, de acordo com as necessidades de desenvolvimento económico e social, e a redução das assimetrias na distribuição de rendimentos num mundo profundamente desigual e injusto.

1.1.5. O desenvolvimento da crise e a necessidade das principais potências imperialistas de dar resposta ao seu declínio económico relativo aceleraram muito significativamente a concentração do poder económico, num conjunto cada vez mais restrito e poderoso de grandes grupos económicos e financeiros sediados nos principais pólos do capitalismo (EUA, União Europeia e Japão), que por sua vez exercem uma influência política cada vez maior, seja directamente sobre os Estados, seja sobre as estruturas internacionais e supranacionais, formais e informais, de articulação imperialista, reforçando a fusão do poder económico com o poder político. Nos países capitalistas mais poderososo Estado está a reconfigurar-se e a fortalecer-se para melhor servir o grande capital e acentuar a sua vertente repressiva, enquanto na periferia do capitalismo o objectivo do imperialismo é enfraquecer o poder e a soberania dos Estados e transformá-los em protectorados e instrumentos da sua política de recolonização planetária e de opressão dos trabalhadores e dos povos.

Em qualquer caso, os Estados permanecem como instâncias fundamentais do poder político e o espaço nacional como marco incontornável e decisivo da luta de classes e do processo de transformação social. Uma das provas da actualidade desta tese fundamental reside no facto de o grande capital utilizar de forma crescente os Estados para aprofundar a extorsão da riqueza produzida, o que, num quadro de crescente associação e dependência do grande capital em cada um dos países face ao grande capital transnacional, e da fusão do poder dos grandes monopólios com o poder político das instituições supranacionais, sugere novos desenvolvimentos no conceito de capitalismo monopolista de Estado.

1.1.6. A lei do desenvolvimento desigual do capitalismo manifesta-se com exuberância no quadro do aprofundamento da crise do sistema. São suas expressões particularmente nítidas o enfraquecimento relativo da hegemonia (particularmente económica e monetária) dos EUA, a crise na e da União Europeia, a endémica estagnação do Japão e o crescimento capitalista dinâmico de vários países com aspirações de potência regional. O que, a par do crescente peso económico e político da China e do pujante desenvolvimento das suas forças produtivas, da afirmação de importantes processos de soberania e progresso social, nomeadamente na América Latina, e do crescimento da resistência anti-imperialista em vários pontos do mundo, se traduz num dinâmico processo de rearrumação de forças na arena internacional, cuja resultante é ainda contudo indefinida, e que será determinada em grande medida pela evolução da correlação de forças e da confirmação da orientação progressista, revolucionária e socialista de vários processos em curso.

Neste contexto, adquirem particular importância a formação e consolidação de alianças, estruturas e espaços de cooperação e integração multilateral, nos domínios político, económico e militar, como são os casos, entre outros, da Organização de Cooperação de Xangai, do MERCOSUL, UNASUL, CELAC ou da ALBA.

Neste quadro complexo, em que emergem países com um peso económico e político apreciável e se cruzam convergências e alianças de geometria e estabilidade diversa, merece destaque o chamado grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que, apesar de contradições decorrentes da diferente natureza política dos processos em cada um destes países, tem desempenhado um papel na contenção das pretensões hegemónicas dos EUA e seus principais aliados da NATO.

Estas realidades desenham no mundo novas linhas de rivalidade e competição inter-capitalista, ao mesmo tempo que reflectem e potenciam dinâmicas de tensão, resistência e ruptura.

A própria constituição do G20, de natureza contraditória e ainda em processo de definição, bem como as contradições em torno da reforma da ONU e os recentes embates no seu Conselho de Segurança, apontam para mudanças na arrumação de forças que, não resultando necessariamente de posições antagónicas de um ponto de vista de classe, poderão ter impacto a nível do direito e do sistema de relações económicas e políticas internacionais.

1.1.7. Uma das principais contradições é a que opõe o centro imperialista aos trabalhadores e aos povos dos países menos desenvolvidos de África, Ásia e América Latina. Os processos de divisão internacional do trabalho, de internacionalização, de cooperação e de integração são processos objectivos que podem servir diferentes objectivos de classe. Podem servir a opressão dos povos, como é o caso da União Europeia, ou servir a sua libertação, como está a verificar-se nomeadamente na América Latina.

O avanço dos processos de cooperação e integração soberana em curso na América Latina reflecte o contexto específico da evolução da luta operária e popular, confirmando a alteração favorável da correlação de forças na região, situação que contrasta com a tendência ainda dominante de refluxo observada no plano mundial. Neste sentido, a afirmação do núcleo anti-imperialista da ALBA traduz um salto qualitativo nos instrumentos de cooperação e integração económicas, numa base soberana, solidária, socialmente orientada e equitativa, com repercussões em todo o continente americano e mesmo no plano das relações e instituições internacionais.

1.1.8. No que respeita ao binómio concertação/rivalidade inter-imperialista, predominando a concertação e mesmo o reforço de estruturas de coordenação imperialistas, a tendência que se verifica, determinada em primeiro lugar pela própria natureza do capitalismo, mas também pelo aprofundamento da sua crise económica, é para a agudização das rivalidades e conflitos entre as grandes potências, bem visíveis em guerras comerciais e monetárias, nas disputas de matérias-primas (nomeadamente energéticas), nas questões do comércio internacional (nomeadamente no seio da OMC), nas questões ambientais (como ficou bem patente na recente cimeira do Rio+20) e na competição por esferas de influência. A tese segundo a qual estaria constituído uma espécie de «superimperialismo» em que a questão nacional desapareceria e as contradições entre as grandes potências capitalistas se tornariam inofensivas não tem suporte na realidade.

A crise económica despoletada em 2007 veio acentuar o declínio económico relativo das potências da tríade capitalista. No centro capitalista, o tempo é de estagnação e recessão, com a profunda crise na e da União Europeia, a ameaça de novo crash norte-americano, o marasmo japonês e o desenvolvimento de novas bolhas especulativas anunciadoras de novas crises.

A evolução da situação económica na tríade confirma a tendência do declínio do peso económico dos sectores produtivos, a par com o crescimento dos sectores estratégicos associados, directa e indirectamente, aos interesses e ao domínio do grande capital financeiro.

Paralelamente à perda da importância relativa dos sectores produtivos nas principais economias capitalistas, as grandes potências imperialistas também têm vindo a perder importância na produção mundial. A redução contínua do seu peso no comércio internacional (incluindo o comércio intra-União Europeia) demonstra-o.

A situação social nas principais potências capitalistas agravou-se dramaticamente. Desde o final da Segunda Guerra Mundial que os níveis de desemprego nos EUA não eram tão elevados e persistentes. Tal tendência é acompanhada pela União Europeia e pelo Japão. A taxa de desemprego da União Europeia encontra-se ao nível mais elevado de sempre.

1.1.9. Aprofundou-se a crise na União Europeia. Uma crise que veio expor ainda com mais clareza a natureza e as insanáveis contradições do processo de integração capitalista europeia – profundamente contrário aos interesses dos trabalhadores e povos da Europa e de outras regiões do mundo – e que é, por isso, também uma crise dos fundamentos e dos pilares económicos, políticos e ideológicos da União Europeia.

A forma como a superstrutura do capitalismo europeu se comporta no quadro da crise confirma um processo desenvolvido a partir dos três pilares da União Europeia – o neoliberalismo, o militarismo e o federalismo – de afirmação na Europa de um bloco imperialista, crescentemente militarizado e pilar europeu da NATO, dominado pelas principais potências capitalistas europeias, atravessado pelas suas próprias contradições e que, contrariamente à propaganda das classes dominantes, não é um contraponto ao imperialismo norte-americano, antes um seu aliado na estratégia comum imperialista de exploração e opressão e de recolonização do planeta, competindo simultaneamente com este, por vezes ferozmente, pelo domínio de mercados, poder económico e monetário, como no caso das chamadas dívidas soberanas, e por esferas de influência política e geoestratégica.

A profunda crise social e económica na União Europeia, a sobreposição do poder dos monopólios e do capital financeiro às instituições europeias, o salto ultraliberal e federalista em curso nas instituições da UE e o aprofundamento das contradições políticas e institucionais no seu seio, são expressões do processo de concentração do poder político e económico, rolo compressor de direitos sociais, laborais e democráticos e da soberania dos povos. Mas são também elementos que revelam com assinalável nitidez os limites objectivos da União Europeia, demonstrando que esta não é reformável.

A construção de uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos passará obrigatoriamente pela derrota do processo de integração capitalista consubstanciada na União Europeia e pela afirmação soberana dos Estados europeus do direito ao seu desenvolvimento económico e social. A luta pela defesa da soberania nacional é indissociável da luta pela emancipação social dos trabalhadores e dos povos.



1.2. A intensificação da ofensiva imperialista



1.2.1. O período que decorreu desde o XVIII Congresso fica marcado por uma violenta ofensiva do imperialismo contra os trabalhadores e os povos, que, neste período, se intensificou em resultado da resposta do imperialismo à crise do capitalismo e que é, ela própria, semente de novos e mais profundos episódios de crise.

Ofensiva que, tirando partido da própria crise, leva a cabo uma destruição em larga escala de direitos económicos, sociais, políticos, culturais e nacionais, altera ainda mais a correlação de forças em favor do capital contra o trabalho, acentua o carácter reaccionário e mesmo fascizante do poder político e faz regredir do ponto de vista político, ideológico e cultural a consciência dos povos sobre os seus direitos, justas aspirações e alternativas de desenvolvimento.

Com especial incidência nos principais centros capitalistas, está em marcha um brutal ajuste de contas do grande capital e do imperialismo com a luta dos trabalhadores e dos povos, tentando assim recuperar as parcelas de poder conquistadas ao capital pela luta dos trabalhadores e dos povos e pelo desenvolvimento dos processos progressistas, revolucionários e de construção de sociedades socialistas que marcaram o século xx.

1.2.2. Intensifica-se, a um ritmo particularmente acelerado, a ofensiva no plano económico e social. Operam-se gigantescas operações de concentração e centralização de capital, bem patentes nas milionárias operações de apoio ao grande capital financeiro e aos grandes monopólios. Simultaneamente, diversificam-se e aprofundam-se os ataques aos direitos sociais e laborais, a privatização e destruição de funções sociais do Estado, a privatização de quase todos os sectores económicos e de várias esferas da vida social.

1.2.3. Adquire também especial gravidade a ofensiva contra a soberania. O imperialismo está empenhado numa verdadeira recolonização planetária. Uma cruzada de ocupação territorial, de imposição de regimes fantoches, criação de protectorados, organização e consumação de golpes de Estado, enquadramento em estruturas de poder supranacionais que esbulham Estados formalmente independentes da sua soberania e estrangulam o direito dos povos a decidir do seu próprio destino. Ao serviço de um tal objectivo desenvolvem-se as teorias da «ingerência humanitária», da «boa governação», dos «Estados falhados», acompanhadas da imposição de medidas de carácter económico e político, da pressão, agressão e ocupação militares, de políticas assistencialistas que reproduzem subdesenvolvimento e dependência, em que inúmeras fundações, ONG e outras estruturas ligadas às multinacionais e ao poder desempenham um papel particularmente perverso.

1.2.4. Apesar da intensificação das contradições interimperialistas, a realidade demonstra que o grande capital e o imperialismo não abdicam da sua articulação para a imposição das políticas de agravamento da exploração dos trabalhadores, de dominação imperialista e espoliação dos povos, de abertura forçada de mercados à penetração do grande capital e de condução de guerras de agressão. Na prossecução destes objectivos adquirem um papel central várias instituições e espaços de articulação supranacionais – com relações de poder desiguais no seu seio – das quais se destacam o FMI, o Banco Mundial, o G7+1, a OMC, a NATO, o TPI e a União Europeia, ou ainda, noutro plano, a Comissão Trilateral, o Fórum de Davos ou as conferências de Bilderberg.

Instâncias como o FMI ou o Banco Mundial, que tiveram particulares responsabilidades na definição e imposição das políticas que levaram à actual situação, são reforçadas no quadro da crise, e articulam-se entre si (como é o caso da União Europeia e do FMI) para impor aos povos, com novas roupagens, as mesmas políticas de concentração e centralização do capital e de aumento da exploração dos trabalhadores e dos povos e de saque de recursos públicos.

1.2.5. Associados ao processo de reconfiguração dos Estados desenvolvem-se processos de crescente ataque aos direitos democráticos.

Por via da tentativa da contenção, repressão e criminalização da luta social; da restrição das actividades sindicais e políticas; da perseguição política aos partidos comunistas, às forças revolucionárias e progressistas; da promoção e institucionalização do anticomunismo; da conspiração e concretização de golpes de Estado em países que desenvolvem alternativas progressistas e democráticas de afirmação soberana; das imposições de soluções governativas à margem da vontade popular; da generalização da ingerência e chantagem contra os povos; da militarização das questões de segurança interna; do crescente controlo da vida privada dos cidadãos; da imposição de tratados internacionais negociados à margem de qualquer processo democrático – o grande capital, as forças políticas e a instituições ao seu serviço multiplicam-se em acções que visam restringir os avanços democráticos conquistados com a luta dos trabalhadores e dos povos, e perverter o conceito de democracia, deturpando-o e ajustando-o aos seus interesses e objectivos.

1.2.6. Para procurar dar cobertura à sua estratégia de domínio e expansão as principais potências imperialistas acentuam a manipulação, controlo e esvaziamento da ONU num processo que, violando a Carta das Nações Unidas, visa a perversão e destruição do direito internacional. As Nações Unidas são cada vez mais transformadas pelas potências imperialistas numa estrutura submissa aos seus interesses e estratégias, ou mesmo num ajudante cúmplice das suas agressões e guerras, como ficou bem patente na agressão à Líbia.

No quadro de uma crescente violência social, política e militarista contra os povos, e perante importantes expressões da crise do sistema de representação liberal burguês (nomeadamente no continente europeu), o imperialismo acentua ainda mais a ofensiva ideológica tentando ocultar a natureza exploradora e opressora do capitalismo. Promovem-se factores de divisão de classe, projecta-se o conformismo, o individualismo, a inevitabilidade do empobrecimento, da retirada de direitos e do retrocesso social, a impossibilidade de alterações de fundo ao sistema capitalista e a «necessidade» da submissão aos interesses do grande capital e das principais potências.

Estimulam-se teorias abertamente reaccionárias, racistas e xenófobas, promove-se o obscurantismo, institucionaliza-se o assistencialismo e a caridade. Os sistemas educativos, percorridos por uma onda privatizadora e de perversão do seu carácter de função social, assumem a função de formatação ideológica, de mercantilização dos saberes e da formação.

O grande capital recorre de forma crescente à utilização das religiões e do misticismo para mitigar os impactos sociais da sua política, promover o fundamentalismo religioso e os conflitos sectários e confessionais.

1.2.7. Com base em ideologias discriminatórias e na tese do «choque de civilizações», o grande capital procura identificar os imigrantes como suspeitos, potenciais criminosos, pessoas a expulsar, dando espaço, crédito e força aos sectores fascizantes mais agressivos que ganham expressão eleitoral, como acontece na França, Holanda, Grécia, Hungria, Áustria. O aprofundamento da exploração e opressão capitalistas alimenta a acção das forças fascistas. Os regimes políticos nos principais centros capitalistas evoluem no sentido da legitimação e institucionalização deste tipo de forças, que encontram no retrocesso e desestruturação social, na opressão dos sentimentos nacionais e no carácter abertamente reaccionário das políticas da direita e da social-democracia, campo fértil para a propagação da sua ideologia do ódio racial e social.

1.2.8. Simultaneamente, promovem-se gigantescas operações de chantagem e condicionamento da vontade popular visando a reorganização dos sistemas de poder político para manter a sua natureza e função de classe, nomeadamente por via de uma campanha mundial de reabilitação e lavagem de cara da social-democracia, corrente que, particularmente nos centros do capitalismo, se confirma como um dos principais pilares do imperialismo.

1.2.9. Um dos principais sustentáculos da ofensiva ideológica do imperialismo reside na teia mundial de multinacionais da comunicação cuja propriedade é cada vez mais concentrada e centralizada em grandes oligopólios da «informação», detidos de forma crescente pelos grandes grupos económicos e financeiros. Pondo em evidência a apropriação privada e instrumentalização das extraordinárias conquistas científicas e tecnológicas, o imperialismo age no sentido da crescente manipulação, centralização e perversão do uso e domínio das novas tecnologias da informação. Mas, como noutras áreas da vida social, também o «mundo» das novas tecnologias, e nomeadamente das redes sociais, é percorrido por uma intensa luta política e ideológica na qual as forças revolucionárias e progressistas devem intervir organizadamente.

1.2.10. A manifesta dificuldade das classes dominantes para contrariar o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo coloca reais perigos de o imperialismo tentar assegurar o seu poder e defender os seus interesses de classe pelo recurso crescente à violência. Para abrir caminho à livre circulação de capitais e ao poder discricionário das multinacionais; para controlar mercados, rotas comerciais e energéticas; para se apropriar de matérias-primas, de recursos naturais, energéticos e alimentares; para assegurar acesso a mão-de-obra barata; para garantir zonas de influência económica e política e conter processos de afirmação soberana e progressista dos povos; para assegurar o controlo das tecnologias (nomeadamente tecnologias no âmbito da energia e do ambiente), o domínio geoestratégico e geopolítico – o imperialismo não só prosseguiu como intensificou a ofensiva militarista.

A realidade desmente as campanhas de branqueamento do imperialismo em torno de fabricadas «mudanças» como as da eleição de Barack Obama ou François Hollande. A natureza e objectivos da política dos EUA e da União Europeia – em que a NATO desempenha um papel de primeiro plano – mantêm-se inalteráveis. A retórica do «multilateralismo» e do «diálogo» é desmascarada pela política belicista e intervencionista dos EUA, União Europeia e NATO; pela multiplicação de focos de agressão; pela ainda maior militarização das relações internacionais; pelo reforço dos blocos político-militares; pela profusão de provocações e actos de terrorismo e de terrorismo de Estado ou ainda pela manutenção de práticas ilegais e criminosas, como os campos de detenção, a tortura ou assassinatos selectivos.

1.2.11. A ofensiva militarista e recolonizadora do imperialismo continua a incidir particularmente nas regiões de grande concentração de recursos naturais, matérias-primas e rotas energéticas. Simultaneamente, as grandes questões geoestratégicas e a tentativa de domínio de mercados emergentes e de recursos como a água ou minerais usados em tecnologia de ponta determinam crescentemente a estratégia recolonizadora e militarista do imperialismo. Desenvolve-se uma vasta ofensiva que se estende desde o Norte de África até ao Extremo Oriente (tendo também expressão na América Latina) que, num quadro de crescentes embates entre o centro capitalista e a periferia e de agudização de contradições interimperialistas, coloca o perigo de uma generalização de conflitos militares a nível mundial de consequências imprevisíveis.

A agressão à Líbia, a implantação do AFRICOM, as acções de ingerência, agressão armada ou instigação de conflitos num vasto número de países do continente africano, desde o Golfo da Guiné até ao Corno de África; a perversão dos processos de luta popular em países como o Egipto; a tentativa de esmagamento pela força de revoltas populares no Bahrein e Iémen; a manutenção de facto da ocupação do Iraque e de um estado de guerra neste país; o prosseguimento impune, e com o apoio do imperialismo, da política de terrorismo de Estado de Israel contra o povo palestiniano; a gigantesca campanha de desestabilização e agressão à Síria; as provocações e escalada belicista contra o Irão; a agressão sem fim à vista no Afeganistão e a extensão ao Paquistão; as provocações à República Popular Democrática da Coreia; a militarização do Pacífico Sul e as crescentes provocações visando a República Popular da China – são alguns dos elementos da estratégia agressiva e expansionista do imperialismo. Estratégia que tem, no cerco geoestratégico à China, na concretização do projecto do «grande médio oriente» e na onda recolonizadora no continente africano, os seus eixos principais.

1.2.12. Assinale-se igualmente a tentativa de conter, e se possível inverter, os processos democráticos e progressistas na América Latina, subcontinente onde se intensifica a reacção subversiva do imperialismo, apoiada pelas oligarquias nacionais e sectores da grande burguesia, exercendo grande pressão sobre os governos e concretizando golpes de Estado nas Honduras e no Paraguai, intensificando a violência, repressão e exploração (tal como acontece no México, Colômbia, Panamá, Chile, entre outros), instalando bases militares como na Colômbia ou reforçando a sua presença militar como é o caso da VI Esquadra dos EUA.

Esta contra-ofensiva do imperialismo, tem como alvo central os países da ALBA, em particular Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e outros, mas está também ligada com a preocupação de «contenção» do Brasil e do seu posicionamento soberano no plano internacional.

1.2.13. Apesar da profunda crise económica nas principais economias capitalistas, as principais potências da NATO mantêm, e em alguns casos aumentam, as suas despesas militares, reforçando também a militarização de blocos políticos e económicos e induzindo igualmente o crescimento das despesas militares de várias potências emergentes. As hipócritas preocupações dos EUA e da NATO em torno do aumento das despesas militares de países não membros da NATO é desmascarada pelo facto de as potências da NATO serem responsáveis pela esmagadora maioria dos gastos mundiais militares; liderarem o desenvolvimento de novos, mais poderosos e sofisticados sistemas de armamento; fazerem crescer de forma incessante uma gigantesca teia mundial de bases militares estrangeiras; e por serem responsáveis por todos os grandes conflitos militares da actualidade. Adquire neste contexto particular gravidade a concretização pelos EUA e pela NATO do «Sistema Antimíssil», uma muito perigosa ameaça ao equilíbrio estratégico nuclear e à segurança de todo o planeta.

O imperialismo, e em particular o imperialismo norte-americano, tenta pelos mais variados meios tirar o máximo partido da sua superioridade militar como forma de contrariar a tendência do seu declínio económico relativo. Para tal, e apesar de crescentes contradições no seu seio, a NATO continua a afirmar-se e a reforçar-se como o mais importante espaço de concertação e articulação das diversas vertentes da ofensiva militarista e belicista do imperialismo, onde, em nome dos seus interesses comuns de classe, se dirimem as rivalidades e contradições interimperialistas. Com a realização das suas Cimeiras de Lisboa (Novembro de 2010) e de Chicago (Abril de 2012) a NATO leva mais longe o seu carácter abertamente agressivo, concentra ainda mais a sua estrutura de comando, envolvendo cada vez mais Estados numa estratégia criminosa e belicista que coloca com ainda maior acuidade a importância da luta pela dissolução desta estrutura agressiva e belicista.

Mas, se é verdade que a ofensiva do imperialismo conheceu perigosos e rápidos desenvolvimentos nos últimos quatro anos que colocam ainda mais em perigo toda a Humanidade, também é certo que a intensificação dessa ofensiva é em si um sinal da decadência do sistema capitalista e que este continua a defrontar-se com uma crescente resistência e luta dos povos que não deixam o imperialismo de mãos totalmente livres.

 
( Continua )
 
 

Projecto de Resolução Política (Teses) parte I - PCP

 
Fonte: PCP
 
 
 
 
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O complexo militar industrial e a energia nuclear

Tortura nas prisões colombianas: sistematismo e impunidade revelam uma lógica de Estado

Campo de Concentração do Tarrafal - o Campo da Morte Lenta