UPPs: Estado de sítio nas favelas do Rio de janeiro

UPPs: Estado de sítio nas favelas avança em 2011
Por: Patrick Granja | Jornal A Nova Democracia

Fonte: Jornal O Rebate




No Rio de Janeiro, a escolha do Brasil como país sede das olimpíadas e da copa do mundo acelerou a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora em direção a várias favelas da cidade. A novidade inaugurou uma grande convergência entre o planejamento da militarização — já em andamento na época — e dos preparativos para os mega-eventos.



Somente em 2011, foram militarizadas, na zona Norte do Rio, as favelas São João, Matriz e Quieto, nos bairros do Engenho Novo, Sampaio e Riachuelo; Coroa, Fallet e Fogueteiro, no bairro do Rio Comprido; Escondidinho e Prazeres, em Santa Tereza; São Carlos, no Estácio; e na zona Sul, as favelas Rocinha e Vidigal, nos bairros Leblon e São Conrado. Além disso, a instalação de regimes de exceção em favelas e bairros pobres no Rio de Janeiro começou a ser expandida para outros estados, como a Bahia e o Rio Grande do Sul — como prometeu a gerente Dilma Roussef em sua campanha na última farsa eleitoral.




Em 2011, AND divulgou em todas as suas edições a sofrida rotina dos moradores que vivem nas favelas militarizadas pelo Estado reacionário. Agressões, revistas abusivas, torturas, prisões arbitrárias, censuras à imprensa democrática, toques de recolher, repressão às atividades culturais da favela e até o assassinato de um jovem de 19 anos a sangue frio, com um tiro pelas costas, por PMs da UPP do morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. Um mês depois, uma testemunha ocular do assassinato do jovem André Ferreira foi presa arbitrariamente por PMs, espancada e ameaçada em uma delegacia de Copacabana.



Além disso, em todas as favelas ocupadas, moradores denunciam o encarecimento do custo de vida depois da chegada da UPP. Com isso, antigos habitantes estariam deixando essas favelas e se mudando para outras regiões, como a Baixada Fluminense. Nas favelas militarizadas da zona Sul, além das moradias, albergues e restaurantes estão sendo abertos por estrangeiros — aproveitando a vista privilegiada — nos locais onde, antes, viveram gerações e gerações de famílias proletárias.



Esse "estado de sítio inconstitucional" — como definiu o criminologista Nilo Batista em entrevista ao A Nova Democracia e à Agência de Notícias das Favelas — é visto pelos moradores das regiões ocupadas como a simples substituição da opressão do tráfico pela opressão do Estado. Segundo dados da própria secretaria de segurança, atualmente, 420 mil pessoas estão sob as rédeas desse estado de sítio.



No morro da Mangueira, em junho de 2011, a UPP chegou à favela junto com o choque de ordem do prefeito Eduardo Paes, demolindo tradicionais barracas e tendinhas na entrada da quadra da escola de samba. Os comerciantes, alguns há 40 anos no local, receberam em troca de seus imóveis, barracas de ferro, sem água, luz e banheiro. Na ocasião, figuras notórias do morro da Mangueira e de sua conhecida escola de samba se pronunciaram repudiando a ação dos gerenciamentos de turno.


Abusos e resistência


Já em agosto, moradores do morro do Turano foram surpreendidos em uma comemoração do dia dos pais por PMs da UPP encarregados de levar a cabo o toque de recolher que acontece todas as noites nas favelas militarizadas, inclusive nos fins de semana. Revoltados, moradores reagiram atirando pedras, paus e garrafas nos policiais, que tiveram que correr da multidão furiosa. Somente com a chegada da tropa de choque da PM, o protesto foi encerrado. Na ocasião, 13 moradores foram presos e quatro ficaram feridos.



No final do mesmo mês, a redação de AND foi contatada por militantes da Rede Contra a Violência, que denunciaram o sequestro de cinco rapazes do morro da Coroa por policiais militares. Dois deles teriam sido espancados por PMs durante toda a manhã. Seis horas após serem acordados a tapas por policiais e presos arbitrariamente, os jovens foram levados para a delegacia, onde permaneceram presos por quase uma semana.



Na Rocinha, mal a UPP chegou e as denúncias de moradores vítimas de abusos cometidos por PMs já começaram a aparecer. Um homem procurou nossa redação no final de novembro acusando policiais do BOPE de invadir sua casa, quebrar móveis, revirar roupas e roubar fotos de sua mulher. Outro morador contou ter sido espancado e ameaçado de morte por policiais do Choque no morro do Vidigal, chegando a ser arrastado pelos cabelos.


Complexo do Alemão


No Complexo do Alemão, como mostrou AND n° 84, o exército cumpre um papel semelhante ao da PM nas favelas ocupadas pelas UPPs. Desde setembro, AND vem denunciando inúmeros abusos cometidos por militares contra os moradores. Na véspera do feriado de 7 de setembro, no morro da Alvorada, dezenas ficaram feridos quando um grupo de soldados atirou contra mulheres e jovens dentro de um bar. Dois dias depois, moradores protestaram e foram reprimidos com tiros de fuzil pelo exército. Os manifestantes atiraram pedras, paus e fogos de artifício contra os militares. Faixas foram extendidas por todo o complexo do Alemão repudiando o regime de exceção imposto aos moradores pelo Estado reacionário. Mototaxistas fecharam a avenida Itararé — que margeia o Complexo — em protesto contra o ataque do exército dois dias antes.



Desde então, várias festas foram violentamente interrompidas pelo exército no Complexo do Alemão e vários moradores ficaram feridos nessas situações — alguns gravemente. Nossa reportagem foi impedida de filmar por militares; operários que contestaram uma abordagem por soldados do exército passaram dias presos arbitrariamente; um morador foi baleado com um tiro de pistola por policiais; comerciantes foram forçados a fechar as portas; e por aí vai. Na mais emblemática situação, as câmeras de AND flagraram com exclusividade um morador sendo espancado por mais de dez militares. A imagem foi veiculada por inúmeros veículos de comunicação, inclusive os do monopólio.


Cinturão dos mega-eventos


A milionária propaganda institucional — além da publicidade de ponta promovida pelo monopólio da imprensa — serve para mascarar esse regime de exceção não declarado. Um esforço que custará a já combalida liberdade de quase 1 milhão de pessoas, além dos bilhões aos cofres públicos.



Em março, o próprio secretário executivo municipal do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), Ricardo Rotenberg, disse em entrevista pública que a principal finalidade das UPPs, de fato, é a formação de um cinturão de segurança no entorno da nobre região que abrigará os mega-eventos em 2014 e 2016. Com o avanço da militarização em 2011, esse cinturão ficou ainda mais perceptível geograficamente. Resta saber: depois de um ano de opressão, um ano sob a mira do fuzil do Estado reacionário, um ano vivendo em um autêntico regime de exceção, qual será o legado desses jogos para o povo pobre no Rio de Janeiro e em todo o Brasil?


O Mafarrico Vermelho

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