Shostakovich e Prokofiev e a música erudita na União Soviética


Cartaz anunciando sinfonia de Shostakovich na URSS
Shostakovich e Prokofiev e a música erudita na União Soviética


Não podendo negar que dois dos maiores gênios da música erudita do século XX são soviéticos, e que produziram belíssimas obras justamente no período de Stalin, a crítica anticomunista espalhou muitos mitos sobre uma suposta relação conflituosa entre os compositores e o governo. Tentam, dessa forma, efetuar uma leitura desses grandes compositores à sua própria imagem e semelhança reacionária.



Dois dos maiores nomes da música erudita mundial do século XX tiveram sua projeção na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e mais especificamente, na URSS do período de Stalin: Dmitri Shostakovich e Serguei Prokofiev.




Dmitri Dmitriyevich Shostakovich (25/09/1906 – 09/08/1975), de nacionalidade russa, é responsável por uma das mais belas sinfonias de todos os tempos: a Sinfonia Nº 7, também chamada Leningrado. Esta sinfonia começou a ser composta em julho de 1941, quando a cidade de Leningrado era cercada pelos nazistas. Ele e sua família foram evacuados a tempo pelo Exército Vermelho, permitindo assim que ele finalizasse sua grandiosa obra ainda em dezembro daquele ano. Richard Whitehouse, crítico de música e autor de vários libretos para a gravadora Naxos, afirmou que poucas sinfonias desde a 5ª Sinfonia de Beethoven tem atraído tanta especulação extramusical como a 7ª Sinfonia de Shostakovich.

No momento da estreia da obra, que foi transmitida ao vivo por toda a URSS em março de 1942, Shostakovich se dirigiu ao público com as seguintes palavras: “…o artista soviético nunca ficará à margem do confronto histórico que ocorre neste momento entre a razão e o obscurantismo, entre a cultura e a barbárie, entre a luz e as trevas… Eu dedico minha Sétima Sinfonia à nossa luta contra o fascismo, à nossa iminente vitória sobre o inimigo, à minha cidade nativa, Leningrado.

Destacam-se também na obra de Shostakovich sua terceira sinfonia, chamada O Primeiro de Maio, a 5ª Sinfonia, que em sua estreia foi ovacionada por mais de meia hora, e a trilha sonora do grande épico A queda de Berlim* (1949), do diretor Mikhail Chiaureli.



Serguei Sergueievitch Prokofiev (23/04/1891 – 05/03/1953), nascido na Ucrânia, tentou carreira em alguns países da Europa e nos EUA antes de se consagrar definitivamente na URSS. Ao deixar o país, em 1918, afirmou que os motivos eram estritamente musicais, não políticos. Lunacharsky, na época Comissário do Povo para a Educação, lhe disse: “Você é um revolucionário na música, nós somos revolucionários na vida. Temos que trabalhar juntos. Mas se você quer ir para a América não ficarei em seu caminho.”

Mas as coisas não correram bem na terra do Tio Sam. Diversos problemas dificultaram a estreia de sua ópera O Amor das Três Laranjas, para a qual havia conseguido um financiamento. Em dificuldades financeiras, deixou os EUA e foi para a França, retomando alguns projetos inacabados. Aos poucos conseguiu se estabelecer e fez algumas turnês pela Europa. Em 1927, a convite do governo soviético, fez uma bem-sucedida turnê também pela URSS.

Alguns anos mais tarde, em 1935, Prokofiev volta de forma definitiva para a URSS. Entre outras grandes composições deste novo período podemos citar a Sinfonia Nº 5 (composta ainda durante a guerra, em 1944), as trilhas para os filmes Alexander Nevsky e Ivan, o Terrível (ambos de Eisenstein), os balés Romeu e Julieta e Cinderela, a ópera Guerra e Paz e o conto Pedro e o Lobo, uma composição para ensinar as crianças soviéticas sobre os instrumentos da orquestra.

Pedro e o lobo

Esta última, a propósito, foi uma obra de grande reconhecimento mundial. A própria Walt Disney lançou uma versão desta obra em desenho animado, sendo seguida por diversas outras produtoras no decorrer do século XX e início do século XXI. Mais recentemente, no ano de 2008, o vocalista da banda U2, Bono Vox, lançou um livro chamado Pedro e o lobo, baseado na obra homônima de Prokofiev, contendo ilustrações da história feitas por ele mesmo e por suas duas filhas. No Brasil esta obra já foi gravada com as narrações de Rita Lee e Roberto Carlos, além de até hoje ser apresentada em eventos que vão desde festivais em jardins de infância até produções profissionais com orquestra, como a que aconteceu em 2008, em São Paulo, com a participação da atriz Giulia Gam.

Uma curiosidade sobre Prokofiev é que ele morreu exatamente no mesmo dia que Stalin: em 05 de março de 1953, aproximadamente uma hora antes do grande líder bolchevique. Conta-se que como ele morava próximo à Praça Vermelha foi muito difícil conseguir remover seu corpo de sua casa, devido ao grande afluxo de pessoas no local por conta da morte do fiel discípulo de Lenin.

Não podendo negar que dois dos maiores gênios da música erudita do século XX são soviéticos, e que produziram belíssimas obras justamente no período de Stalin, a crítica anticomunista espalhou muitos mitos sobre uma suposta relação conflituosa entre os compositores e o governo. Tentam, dessa forma, efetuar uma leitura desses grandes compositores à sua própria imagem e semelhança reacionária.

Mas contra fatos não há argumentos: se é verdade que algumas de suas obras não foram bem recebidas pela crítica especializada da época – o que é muito natural e acontece, num momento ou outro, com qualquer artista em qualquer parte do mundo -, basta mencionar alguns dos vários prêmios que estes receberam no período de Stalin a fim de mostrar que, na prática, o que realmente havia era uma grande abertura às suas composições, muitas das quais receberam o reconhecimento máximo então existente na URSS.

Shostakovic recebeu o prestigioso Prêmio Stalin por diversas vezes: 1941, 1942, 1946, 1948, 1949 (3 vezes neste ano), 1950 e 1952. Em 1940 ele recebeu o Prêmio da Ordem da Bandeira Vermelha do Trabalho, e em 1946 o Prêmio da Ordem de Lenin. Recebeu ainda o prêmio de Artista do Povo da URSS, em 1948.

Prokofiev foi reconhecido com o Prêmio Stalin nos anos 1943, 1946 (3 prêmios neste ano), 1947 e 1951. Recebeu também o Prêmio de Artista do Povo da URSS, em 1947, e o Prêmio da Ordem da Bandeira Vermelha do Trabalho em 1943.

A obra destes compositores continua sendo apreciada em todo o mundo. A Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, por exemplo, executou a Sinfonia nº 6 de Prokofiev no último dia 22 de novembro, juntamente com outras peças de Mozart. Para o ano de 2012 já estão programadas execuções de obras de Prokofiev para os dias 01 de março (Concerto para piano nº 1) e 24 de maio (Sinfonia nº 5). De Shostakovich a orquestra interpretará a dramática Sinfonia nº 7, Leningrado, no dia 26 de julho, e a pujante Sinfonia nº 6, no dia 29 de novembro. As trilhas para filmes, sinfonias e óperas desses gigantes da música erudita continuam recebendo novas gravações e relançamentos por respeitados selos da música clássica.




NOTAS
* Este filme, de 1949, foi censurado por Kruschev após a morte de Stalin, sob acusação de “culto à personalidade”, e só recentemente foi recuperado por um instituto de filmes históricos nos EUA. A obra recebeu legendas em português pelo Centro Cultural Manoel Lisboa.
Glauber Ataide


Fonte: Jornal A VERDADE  http://pelosocialismo.net/


Shostakovich – Sinfonia Noº 7 – Leningrado


Prokofiev – Sinfonia Nº 5





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