Acerca do elogio da pobreza
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Vaz de Carvalho
Fonte: ODiario.info
Para os explorados ficarem obedientes, conformados e trabalharem melhor e mais barato é preciso que se sintam em primeiro lugar culpados de qualquer coisa, seja contra as leis económicas, seja contra os preconceitos sociais, seja como no passado contra os dogmas religiosos.
Erasmo de Roterdão para combater a superstição e o obscurantismo vigentes fazia a Loucura citar Sófocles: “Quanto maior for a sabedoria, menos feliz a vida”. Ora, este parece ser o lema da programação atual dos canais de televisão. Promove-se a ignorância e até a boçalidade a figuras públicas. Bem dizia Erasmo, “o insano ri-se do insano e mutuamente se divertem. Vereis não raramente que o mais insano é o que ri com maior veemência”.
Mas não se fica por aqui a programação televisiva, os canais encetaram uma estranha cruzada bem ao estilo salazarista, para mostrar que, cada vez mais pobres, com mais exploração e mais desigualdades, as pessoas podem ser mais felizes. Curiosamente afinam todos pelo mesmo diapasão, será este o pluralismo “a que temos direito” ou será antes exemplo da “sã concorrência” da economia de mercado?
Bem ao estilo salazarento “os estultos que recolhem numerário e governam o leme da república” (Erasmo) e os inefáveis comentadores avençados, vêm com o sorriso de esforçados vendedores dar conselhos donde ressalta o conformismo, a aceitação passiva das condições sociais, misturados com voluntarismos nacionalistas para os mais fracos, enquanto o grande capital vai levando o “seu” dinheiro para outras paragens.
São também apresentadas como exemplos pessoas e famílias que apesar das carências exibem frente às câmaras a sua felicidade. Trata-se de jogar com sentimentos pessoais e familiares para justificar políticas iníquas. A tese lá está bem clara: Afinal, isto de ser feliz só depende de cada um…
Para os explorados ficarem obedientes, conformados e trabalharem melhor e mais barato é preciso que se sintam em primeiro lugar culpados de qualquer coisa, seja contra as leis económicas, seja contra os preconceitos sociais, seja como no passado contra os dogmas religiosos.
Lá dizia a Loucura pela pena de Erasmo: “se a felicidade consiste em agradar aos príncipes e conviver com estes semi deuses cobertos de ouro, que seria menos útil que a sapiência”?
Enquanto aumentam aceleradamente a exploração, as desigualdades, o empobrecimento não só dos já mais pobres, mas também da classe média, os programas televisivos bem se esforçam por mostrar gente estranhamente alheada dos seus infortúnios. Que digo? Que infortúnios? Salários de miséria, privações, precariedade, cada vez menos direitos sociais e laborais, que importam? Ali estão felizes na TV exibidos como funâmbulos amestrados pela produção. Sim, pobres, mas felizes! E por vezes também levam prémios!
Temos de estar preparados para a mudança, dizem-nos economistas, comentadores, apresentadores, sempre com um sorriso nos lábios. Mas de que mudança falam? A sua mudança é a aceitação submissa do desemprego, da pobreza, da arbitrariedade patronal, da ausência de direitos. E para que aceitemos tudo isto, até psicólogos são chamados para nos darem conselhos. Triste serviço prestam à sua ciência colaborando na alienação e na perda de uma parte da dignidade humana como trabalhadores e cidadãos.
É preciso então mostrar-se feliz na pobreza. Mas não será isto ainda uma outra servidão imposta? No século XIX a burguesia amava o melodrama, vertia nos teatros, nas óperas, nos romances, as lágrimas que recusava aos que oprimia. Hoje é preciso mostrar que se vive alegremente. O lugar nos canais de TV está garantido aos que mais divertem e menos fazem pensar. Os guardiães do saber, esses, explicam porque vivemos no melhor dos mundos. Voltaire apresentou pelo ridículo tal um sr. Pangloss, bem instalado na vida, para o qual, apesar das desgraças e infortúnios à sua volta, achava que se vivia no melhor dos mundos possíveis, com a máxima felicidade para cada um. O ecrãs do nosso tempo estão cheios do otimismo de Pangloss, quando não da hipocrisia de Tartufos.
Ao fatalismo dos oportunistas pretende-se a inconsciência da cegueira. Mas uma coisa é estar feliz outra é viver em felicidade. Pode-se estar feliz na alienação, fugindo à realidade, ignorando a infelicidade comum, mas viver em felicidade implica que existam condições sociais que permitam uma existência de felicidade partilhada.
Porém, tal não se verifica num sistema em que como referiu F. Engels: “É possível que a organização dos trabalhadores e a sua resistência oponham uma certa barreira ao crescimento da miséria. Mas o que aumenta certamente (em capitalismo) é a incerteza da existência” (Crítica ao programa de Erfuhrt)
Uma existência feliz não pode ser encontrada no crescente empobrecimento e na incerteza da existência, que é o que cada vez mais o capitalismo tem para oferecer. Só pode ser encontrada na possibilidade de cada um poder desenvolver as suas capacidades, de utilizar plenamente as suas aptidões e ter o devido reconhecimento moral e social. Só pode ser encontrada na convicção de contribuir para criar uma sociedade e um mundo melhor.
Curiosamente, no atual elogio da pobreza e na sua propaganda de felicidade não entra uma reivindicação, a participação numa greve, não entra a consciência da condição social de pessoas que como trabalhadores organizados lutam por uma sociedade menos injusta e desigual.
Temos de estar preparados para a mudança, dizem-nos economistas, comentadores, apresentadores, sempre com um sorriso nos lábios. Mas de que mudança falam? A sua mudança é a aceitação submissa do desemprego, da pobreza, da arbitrariedade patronal, da ausência de direitos. E para que aceitemos tudo isto, até psicólogos são chamados para nos darem conselhos. Triste serviço prestam à sua ciência colaborando na alienação e na perda de uma parte da dignidade humana como trabalhadores e cidadãos.
É preciso então mostrar-se feliz na pobreza. Mas não será isto ainda uma outra servidão imposta? No século XIX a burguesia amava o melodrama, vertia nos teatros, nas óperas, nos romances, as lágrimas que recusava aos que oprimia. Hoje é preciso mostrar que se vive alegremente. O lugar nos canais de TV está garantido aos que mais divertem e menos fazem pensar. Os guardiães do saber, esses, explicam porque vivemos no melhor dos mundos. Voltaire apresentou pelo ridículo tal um sr. Pangloss, bem instalado na vida, para o qual, apesar das desgraças e infortúnios à sua volta, achava que se vivia no melhor dos mundos possíveis, com a máxima felicidade para cada um. O ecrãs do nosso tempo estão cheios do otimismo de Pangloss, quando não da hipocrisia de Tartufos.
Ao fatalismo dos oportunistas pretende-se a inconsciência da cegueira. Mas uma coisa é estar feliz outra é viver em felicidade. Pode-se estar feliz na alienação, fugindo à realidade, ignorando a infelicidade comum, mas viver em felicidade implica que existam condições sociais que permitam uma existência de felicidade partilhada.
Porém, tal não se verifica num sistema em que como referiu F. Engels: “É possível que a organização dos trabalhadores e a sua resistência oponham uma certa barreira ao crescimento da miséria. Mas o que aumenta certamente (em capitalismo) é a incerteza da existência” (Crítica ao programa de Erfuhrt)
Uma existência feliz não pode ser encontrada no crescente empobrecimento e na incerteza da existência, que é o que cada vez mais o capitalismo tem para oferecer. Só pode ser encontrada na possibilidade de cada um poder desenvolver as suas capacidades, de utilizar plenamente as suas aptidões e ter o devido reconhecimento moral e social. Só pode ser encontrada na convicção de contribuir para criar uma sociedade e um mundo melhor.
Curiosamente, no atual elogio da pobreza e na sua propaganda de felicidade não entra uma reivindicação, a participação numa greve, não entra a consciência da condição social de pessoas que como trabalhadores organizados lutam por uma sociedade menos injusta e desigual.
J. Bentham (1748-1832) um dos clássicos do liberalismo, considerava que o objectivo dos governos seria “o maior bem possível para o maior número possível”, era isto que definia como moralidade social”. Tratava-se então de ganhar o poder para uma burguesia que queria ocupar o centro do poder arredando uma aristocracia essencialmente fundiária e rentista. Claro que em breve a camada enriquecida (a burguesia) esqueceu estas boas intenções de reforma do capitalismo por via da ética e transformou-o em: “o maior bem possível para o menor número possível”. É o que vigora no actual cenário de obscurantismo, donde aos explorados o elogio da pobreza e as recomendações da Loucura. Que cada um seja feliz no seu cantinho com aquilo que lhe derem e da forma que lhe derem.
Claro que as pessoas podem sentir-se felizes pessoalmente, na sua família e com os seus amigos e isto nada tem que ver com riqueza ou pobreza. Mas uma coisa é a felicidade obtida na família e na amizade outra é o elogio da pobreza, eivado de optimismo inconsequente e conformista, numa palavra: alienatório.
Nestes espectáculos televisivos não se vê porém a felicidade que releva da luta solidária e colectiva, não se vê o elogio da luta do sindicalista ou dos que rodeados pelos seus camaradas se integram “com uma imensa alegria” numa manifestação contra as injustiças e a desigualdade, com os olhos postos num futuro melhor.
“Com uma imensa alegria” foi o título que Joaquim Pires Jorge deu ao livro em que relatou a sua vida e a dos que como ele lutaram contra a opressão fascista, com todos os sacrifícios da clandestinidade (entre os quais os da pobreza) e dos cárceres da Pide. Ou como Maria Machado que escreveu que não veria a aurora da Humanidade, mas sabia que ela havia de despontar para todos. Ou como Francisco Miguel que evadindo-se com seus camaradas das masmorras fascistas de Caxias (Dezembro de 1961), para se juntar de novo aos seus companheiros de luta contra a ditadura escrevia um poema de que citamos o final: “Voai pássaros de fogo! / Voai andorinhas de aço! / Num voo corajoso e duro / Que os que voam sem cansaço / Dominarão todo o espaço / São as águias do futuro!”.
O seu exemplo e o de tantos outros bem nos mostrou que em termos humanistas “o elogio da pobreza” só poderá ser o elogio da luta dos que contribuem para que um novo rumo de progresso, paz e socialismo, seja possível no país e também no mundo.
Claro que as pessoas podem sentir-se felizes pessoalmente, na sua família e com os seus amigos e isto nada tem que ver com riqueza ou pobreza. Mas uma coisa é a felicidade obtida na família e na amizade outra é o elogio da pobreza, eivado de optimismo inconsequente e conformista, numa palavra: alienatório.
Nestes espectáculos televisivos não se vê porém a felicidade que releva da luta solidária e colectiva, não se vê o elogio da luta do sindicalista ou dos que rodeados pelos seus camaradas se integram “com uma imensa alegria” numa manifestação contra as injustiças e a desigualdade, com os olhos postos num futuro melhor.
“Com uma imensa alegria” foi o título que Joaquim Pires Jorge deu ao livro em que relatou a sua vida e a dos que como ele lutaram contra a opressão fascista, com todos os sacrifícios da clandestinidade (entre os quais os da pobreza) e dos cárceres da Pide. Ou como Maria Machado que escreveu que não veria a aurora da Humanidade, mas sabia que ela havia de despontar para todos. Ou como Francisco Miguel que evadindo-se com seus camaradas das masmorras fascistas de Caxias (Dezembro de 1961), para se juntar de novo aos seus companheiros de luta contra a ditadura escrevia um poema de que citamos o final: “Voai pássaros de fogo! / Voai andorinhas de aço! / Num voo corajoso e duro / Que os que voam sem cansaço / Dominarão todo o espaço / São as águias do futuro!”.
O seu exemplo e o de tantos outros bem nos mostrou que em termos humanistas “o elogio da pobreza” só poderá ser o elogio da luta dos que contribuem para que um novo rumo de progresso, paz e socialismo, seja possível no país e também no mundo.
Texto original encontra-se em ODiario.info
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