Fim dos sindicatos nos EUA?

Fim dos sindicatos nos EUA?

por António Santos
 


"Paulatinamente, avança a liberdade dos capitalistas: a de despedir a bel-prazer, de pagar menos pelo trabalho de outrem, de perseguir sindicalistas, de erradicar direitos há muito conquistados, não amiúde com sangue operário. O seu projecto é devolver o trabalho assalariado aos tempos áureos do século XIX. E para isso, há que extirpar os sindicatos, o único obstáculo a uma agenda política tão antiga como o próprio capitalismo."
Os órgãos legislativos do Missouri e da Pensilvânia estão a discutir a possível introdução da famigerada «Lei do Direito a Trabalhar» (LDT). Em caso de aprovação, os dois estados tornar-se-iam nos 25.º e 26.º a adoptar na sua legislação o mais violento ataque contra os trabalhadores dos EUA nos últimos 30 anos.

O nome é deliberadamente enganador: a LDT não garante emprego nem qualquer outro direito aos trabalhadores. Muito pelo contrário, propõe-se aniquilar todas as conquistas alcançadas pela classe operária americana ao largo de um século de luta. Ao proibir os sindicatos de exigir o pagamento de quotas a todos os trabalhadores beneficiados por um contrato de trabalho colectivo, a LDT destrói efectivamente a sua independência financeira. Na política laboral dos EUA, é o equivalente a obrigar uma empresa de telecomunicações a aceitar que o pagamento pelos seus serviços seja opcional. Em ambos os casos, a falência é o desfecho esperado.

As consequências do enfraquecimento dos sindicatos estão à vista: nos estados onde vigora a «Lei do Direito a Trabalhar por Menos», como lhe chamam os sindicalistas, os trabalhadores recebem em média menos 130 dólares por mês e a taxa de acidentes de trabalho mortais é 61por cento mais alta. Um pouco por todo o Cinturão da Ferrugem, estados vizinhos lançam-se numa competição fascizante pela legislação que melhor agrade aos patrões, agitando o fantasma de que, se não aprovarem leis como a LDT, as fábricas deslocar-se-ão para o outro lado da fronteira estadual. Paulatinamente, avança a liberdade dos capitalistas: a de despedir a bel-prazer, de pagar menos pelo trabalho de outrem, de perseguir sindicalistas, de erradicar direitos há muito conquistados, não amiúde com sangue operário.

A agenda do grande capital



 
Por detrás desta lei, mostram a cabeça os mais sinistros personagens da alta finança americana, como o thinktank ALEC, uma associação de legisladores que diariamente dá à luz propostas legais que fariam corar Salazar; os multibilionários irmãos Koch; a poderosa família Coors, que construiu a sua fortuna a vender munições para as guerras imperiais dos EUA; ou o magnata de casino Olin, que em retaliação contra uma greve deslocalizou uma fábrica de mais de 5000 trabalhadores.


O seu projecto é devolver o trabalho assalariado aos tempos áureos do século XIX. E para isso, há que extirpar os sindicatos, o único obstáculo a uma agenda política tão antiga como o próprio capitalismo. Com efeito, as origens da LDT remontam à lei federal Taft-Hartley de 1947, em que republicanos e democratas se uniram para pôr cobro a uma vaga grevista que percorria os Estados Unidos. A Taft-Hartley abriu as portas para que cada Estado decida livremente que limitações impor à liberdade sindical, proibiu as greves de solidariedade e instituiu o anticomunismo obrigatório nos sindicatos.




Murro no estômago ou pontapé no queixo

Mas a galopante debilidade dos sindicatos também se explica pela estratégia das suas direcções que, com honrosos excepções, abdicaram de importantes tradições de luta de classes e passaram a condicionar as suas exigências às promessas eleitorais do Partido Democrata. A maior central sindical norte-americana gasta mais dinheiro no patrocínio de candidatos democratas do que na organização da luta dos trabalhadores. A título de exemplo, no passado dia 16 de Fevereiro, em Nova Iorque, 9000 motoristas de autocarros escolares abandonaram abruptamente e sem qualquer contrapartida uma greve de três meses, depois de os candidatos democratas a presidente da Câmara se comprometerem a ser «mais compreensivos» caso sejam eleitos. As concessões dos sindicatos às políticas de direita do Partido Democrata têm gerado apenas novas exigências de mais concessões.

Enquanto as direcções dos sindicatos se mantiverem reféns do Partido Democrata, os trabalhadores estarão condenados a optar entre este e o Republicano. Ou, como nos Estados Unidos se costuma dizer, a escolher entre um murro no estômago ou um pontapé no queixo. Mas mesmo com as direcções dos sindicatos compradas, as greves proibidas e a organização dos trabalhadores agrilhoada, a luta de classes avança. Mesmo nas condições mais difíceis e improváveis e com ou sem sindicato, como demonstram as greves espontâneas que no último Dia de Acção de Graças paralisaram a cadeia de supermercados Walmart, ou a impressionante luta dos trabalhadores de restaurantes de comida rápida pelo direito a se organizarem em sindicatos.
 
 
 
Fonte:  Avante em www.avante.pt
 
 
 
 



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