«Refundações» em Portugal e na UE

O "desenvolvimento" capitalista alcançou um tal nível de sofisticação e crueldade que a maioria das pessoas no mundo tem de competir para serem exploradas, prostituídas ou escravizadas."


«Refundações» em Portugal e na UE
por Inês Zuber


«Lá se fazem, cá se pagam» foi um dos lemas que a CDU lançou, acertadamente, em 2009, na campanha para as eleições europeias. Não que os governos nacionais portugueses devam ser desresponsabilizados pelas suas atitudes subservientes e comprometidas em relação às directrizes da UE e do grande capital económico e financeiro, pois como então dizíamos em programa eleitoral «PSD, PS e CDS-PP aprovaram, em conjunto, todos os temas relevantes da integração comunitária», sendo estes partidos responsáveis pela alienação de componentes essenciais de soberania. Se hoje o nosso Governo coloca em cima da mesa a ideia da «refundação do Estado», ou seja, de destruição dos direitos sociais, económicos, políticos e culturais consagrados na Constituição de Abril, as instituições europeias têm guiado e estão em consonância com esse caminho trilhado. A multiplicidade de «pacotes» em discussão e em curso na área do Emprego são exemplo disso.

O «Pacote do Emprego» lançado pela Comissão Europeia (CE) no passado mês de Abril propunha claramente formas de «refundar» os direitos laborais através «de reformas nos mercados de trabalho que possam dar resposta às necessidades» e de aprofundamento do mercado único laboral através da «remoção de obstáculos para se encontrar um trabalho na UE» que, como se sabe, não é mais do que o chamado incentivo à mobilidade de forma a aumentar a competitividade, promover a emigração «forçada» e fazer pressão sobre os níveis salariais, provocando o chamado «dumping social». A comunicação da CE mencionava ainda a necessidade de reduzir os impostos sobre o trabalho, ou seja, os pagamentos à segurança social dos trabalhadores, medida que o nosso governo PSD/CDS-PP tentou implementar através da redução da TSU.
No Conselho Europeu do passado mês de Junho, foi aprovado o «Pacto para o Crescimento e o Emprego» que, embora muito propagandeado na altura devido ao anúncio de 120 milhões de euros a alocar à criação de emprego – e cujos resultados não conhecemos – colocava a ênfase no aprofundamento do sistema de «governação económica» europeia, na legislação «Two-Pack» e nas políticas do Semestre Europeu. Ou seja, as políticas que impõem a chamada «consolidação e vigilância orçamental» (tradução: redução do investimento, gasto público e dos custos unitários do trabalho; despedimentos; privatizações).
 

Ou seja, as políticas que impõem recomendações aos estados-membros no quadro dos chamados «Planos Nacionais de Reforma» e que, para o ano de 2012, recomendaram ao nosso país «adoptar rapidamente reformas estruturais dos mercados de trabalho e da produção, a fim de reduzir os custos do trabalho, aumentar a flexibilidade, reduzir as barreiras à entrada». Mas ia mais longe ainda, afirmando que «as enormes potencialidades do mercado único enquanto motor de crescimento ainda não foram completamente exploradas». Sendo hoje claras as desastrosas consequências da criação do mercado único para as economias periféricas, a CE insiste na fuga para a frente, propondo, por exemplo, uma nova Directiva de «adjudicação de contratos de concessão» que não significa mais do que a liberalização dos serviços concessionados pelo Estado, através da obrigatoriedades destes atenderem às propostas de concessão economicamente mais «vantajosas» e provavelmente mais «desvantajosas» para os trabalhadores dessas mesmas empresas.

Por outro lado, a CE ambiciona aprofundar a liberalização dos serviços de «handling» – argumentando que assim aumentaria a qualidade dos serviços – quando é conhecido que, neste sector, as tendências salariais mantiveram-se sempre abaixo da inflação e do aumento geral dos salários. Para já, esta iniciativa está paralisada, muito devido à acção e mobilização dos trabalhadores deste sector. Também em suspenso – até quando? – encontra-se uma proposta da Comissão que toca no cerne do direito à greve ao pretender limitar o direito à greve dos «trabalhadores destacados», argumentando, em tom que lembra outros tempos, que se deveria equilibrar «a liberdade de acção colectiva» destes trabalhadores e a «liberdade de estabelecer e fornecer serviços».

São estas as orientações refundadoras que Comissão Europeia, Conselho Europeu e Parlamento Europeu, sem diferenças de relevo, aprovam, promovem e caucionam. E cuja derrota só será unicamente possível pela luta e pelo combate dos trabalhadores que está em marcha e se fortalece.
 
 
 
Fonte: Avante
 
 
 

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