Socialismo do Século XX : inspirou milhões de pessoas por todo o mundo, é a forma de democracia mais avançada que a humanidade já conheceu

A Democracia no País dos Sovietes
Por Domingos Mealha



Nesta comunicação defende-se que o sistema político construído após a revolução russa de 1917, que deu origem à União Soviética e inspirou milhões de pessoas por todo o mundo, é a forma de democracia mais avançada que a humanidade já conheceu. Afirma-se ainda que o Estado soviético não caiu por si, mas foi destruído por efeito de uma política que se afastou da prática e dos princípios leninistas.

Na sequência da insurreição armada que derrubou o governo provisório, o poder passaria para o II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, cujos trabalhos se iniciaram ao fim da noite de 7 de Novembro

«Pela primeira vez no mundo, o poder do Estado foi organizado na Rússia de modo que só os operários e camponeses trabalhadores, excluindo os exploradores, constituem organizações de massas, os Sovietes, para os quais é transferido todo o poder estatal. Esta é a causa por que, por mais que os representantes da burguesia de todos os países caluniem a Rússia, a palavra "soviete" não só se tornou compreensível em todo o mundo, mas também popular, querida dos operários e de todos os trabalhadores.»
«O que é o poder soviético?», V. I. Lénine, em fins de Março de 1919 – A Democracia Socialista Soviética, pág. 136, Edições Progresso, Moscovo, 1980


Trata-se de um tema que obviamente extravasa os limites objectivos desta iniciativa e deverá merecer outros desenvolvimentos.


Estado de classe

A 4 de Março de 1919, no I Congresso da Internacional Comunista, em Moscovo, Lénine apresentou 22 teses sobre a democracia burguesa e a ditadura do proletariado (Teses e Relatório Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, no Tomo 4 das Obras Escolhidas de V. I. Lénine em seis tomos – Edições Progresso, Moscovo, Edições Avante!, Lisboa, 1985). Começou por situar a condenação da ditadura e a defesa da democracia entre os «argumentos ideológico-políticos para defender a dominação dos exploradores», que «a burguesia e os seus agentes nas organizações operárias» procuram a todo o custo, face ao «crescimento do movimento revolucionário do proletariado em todos os países».

Lénine rejeita que se fale de «democracia em geral» e «ditadura em geral», sem definir qual a classe que detém o poder. Tal como «em nenhum país capitalista civilizado existe a "democracia em geral", existe apenas a democracia burguesa», também na Rússia soviética não se podia falar de «ditadura em geral», mas de «ditadura da classe oprimida, isto é, do proletariado, sobre os opressores e exploradores».


«Nunca nenhuma classe oprimida alcançou a dominação, nem podia alcançar a dominação, sem passar por um período de ditadura, isto é, sem conquistar o poder político e esmagar pela força a resistência mais desesperada, mais raivosa, que não se detém perante nenhum crime, que os exploradores sempre opuseram» – eis uma lição da história que Lénine complementa com uma severa crítica: «Agora, quando o proletariado revolucionário entra em efervescência e em movimento para destruir esta máquina de opressão e para conquistar a ditadura proletária, estes traidores ao socialismo apresentam as coisas como se a burguesia tivesse oferecido aos trabalhadores a "democracia pura", como se a burguesia tivesse renunciado à resistência e estivesse disposta a submeter-se à maioria dos trabalhadores, como se na república democrática não tivesse havido e não houvesse qualquer máquina de Estado para a repressão do trabalho pelo capital.»


Depois de recordar que «as formas da democracia se modificaram inevitavelmente ao longo dos séculos (...) à medida que uma classe dominante ia sendo substituída por outra», Lénine considera que «seria o maior absurdo pensar que a revolução mais profunda da história da humanidade, a passagem pela primeira vez no mundo do poder da minoria dos exploradores para a maioria dos explorados, possa verificar-se dentro dos velhos limites da velha democracia burguesa parlamentar, possa verificar-se sem as mais radicais mudanças, sem a criação de novas formas de democracia». E sublinha que «a ditadura do proletariado deve inevitavelmente trazer consigo não só a modificação das formas e das instituições da democracia, falando em geral, mas precisamente uma sua modificação que possibilite um alargamento, nunca visto no mundo, da utilização efectiva da democracia pelos oprimidos do capitalismo, pelas classes trabalhadoras».


Este inédito desafio há-de marcar a diferença que assenta no carácter de classe do Estado, como sintetizou Lénine na 16.ª tese: «A velha democracia, isto é, a democracia burguesa, e o parlamentarismo foram organizados de modo a afastar do aparelho de administração, mais que ninguém, precisamente as massas dos trabalhadores. O Poder Soviético, isto é, a ditadura do proletariado, está organizado, pelo contrário, de modo a aproximar as massas dos trabalhadores do aparelho de administração. Tal é igualmente o objectivo da união dos poderes legislativo e executivo na organização soviética do Estado e da substituição dos círculos eleitorais territoriais pelas unidades de produção, como as fábricas.»

O poder aos sovietes


Os sovietes (conselhos) de deputados operários e soldados surgiram, como forma de exercício de poder, durante a revolução russa de 1905. Como refere Álvaro Cunhal, n' «A Questão do Estado, Questão Central de cada Revolução» (artigo publicado n' O Militante N.º 152, de Novembro de 1967, publicado em Fevereiro de 1977 pelas Edições Avante! na colecção Documentos Políticos para a História do PCP), «foram uma criação da classe operária e das massas trabalhadoras no decurso da luta revolucionária». Os sovietes «reapareceram com o triunfo da revolução democrático-burguesa de Fevereiro de 1917 e ganharam tal amplitude que constituíram durante meses, até Julho de 1917, um órgão de poder paralelo ao governo provisório da burguesia». Assinala Álvaro Cunhal que «o mérito de Lénine e do Partido Bolchevique não foi terem "inventado" os sovietes, mas terem sabido descobrir nesses organismos revolucionários criados pelas massas o órgão do poder no Estado proletário».


A comprovar como os sovietes foram «a forma de intervenção directa das massas na direcção do Estado», Cunhal refere que, «tomando apenas os primeiros dez anos do poder soviético, cerca de 12 milhões e 500 mil pessoas foram deputados, membros dos comités executivos e delegados a congressos dos sovietes».

Para Álvaro Cunhal, «a Revolução de Outubro mostrou na vida a justeza da teoria leninista do Estado e da Revolução. Nenhum governo teria sido capaz de pôr fim à exploração capitalista, de nacionalizar a indústria, os transportes, os bancos e a terra, de confiscar os latifúndios e entregá-los aos camponeses, de assegurar a igualdade das nações submetidas ao antigo império russo, de assegurar à mulher direitos iguais aos do homem, de encetar e levar a bom termo a obra grandiosa da edificação da sociedade socialista, se não dispusesse de um aparelho do Estado ao serviço dos operários e camponeses. Sem a destruição do antigo Estado (do aparelho da ditadura da burguesia), sem a criação do novo Estado (do aparelho da ditadura do proletariado) em bases amplamente democráticas, sem a participação real das massas na direcção política e económica, não teria sido possível realizar a revolução socialista.»


A passagem de todo o poder para os Sovietes foi proclamada no II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia. Este «iniciou os seus trabalhos no Smólni, na noite de 25 de Outubro (7 de Novembro), pelas 22.45 horas, quando a insurreição atingia o auge e o poder na capital já tinha passado de facto para as mãos do Soviete de Petrogrado», na sequência da insurreição armada que derrubou o governo provisório. No relato dos acontecimentos, incluído no «Breve Curso de História do Partido Comunista da URSS (bolchevique)» (edição de Para a História do Socialismo, www.hist-socialismo.net, Agosto de 2010), recorda-se que «os bolcheviques dispunham de uma maioria esmagadora neste congresso» e que a decisão de mencheviques, bundistas e socialistas-revolucionários de direita, que abandonaram o congresso declarando que se recusavam a participar nos seus trabalhos, não foi lamentada, mas até motivo de congratulação, «já que, assim, teria lugar um verdadeiro congresso revolucionário de deputados operários e soldados».


Na noite seguinte, foram aprovados o Decreto sobre a Paz e o Decreto sobre a Terra. As riquezas do subsolo, as florestas e a água foram declaradas propriedade do povo.

No Congresso foi constituído o Conselho de Comissários do Povo, primeiro governo soviético, do qual Lénine foi eleito presidente. Mas a passagem do poder para os Sovietes não foi imediata nem simultânea em toda a Rússia, e houve que enfrentar vários inimigos.

Ao mesmo tempo, refere-se na História atrás citada, «era necessário desmantelar e destruir o antigo aparelho de Estado burguês e criar no seu lugar o novo aparelho do Estado Soviético. Era necessário de seguida destruir os resquícios do sistema de castas e do regime de opressão nacional, abolir os privilégios da Igreja, liquidar a imprensa contra-revolucionária e as organizações contra-revolucionárias de todo o género, legais e ilegais, e dissolver a Assembleia Constituinte burguesa. Por último, após a nacionalização da terra, era necessário nacionalizar toda a grande indústria e pôr termo à guerra». E «todas estas medidas foram realizadas no decurso de alguns meses, entre finais de 1917 e meados de 1918».

Em Julho de 1918, no 5.º Congresso dos Sovietes, foi aprovada a primeira Constituição no novo Estado: a República Socialista Federativa Soviética da Rússia.

Em Março de 1919, o 8.º Congresso aprovará o Programa do Partido. No projecto apresentado por Lénine, são fundamentadas importantes opções políticas. A propósito da privação de direitos eleitorais, Lénine acentua que ela atinge «apenas aqueles que se obstinam, em oposição às leis fundamentais da República Socialista Soviética, em defender a sua situação de exploradores, em conservar as relações capitalistas», os quais não ultrapassariam então «dois ou três por cento» dos eleitores e serão cada vez menos, com a consolidação do socialismo («Adição à Parte Política do Programa» – A Democracia Socialista Soviética, pág. 131, Edições Progresso, Moscovo, 1980). Lénine admite que «no futuro mais imediato» possa ocorrer «uma situação que permita ao poder estatal proletário escolher outros meios de esmagamento da resistência dos exploradores e implantar o sufrágio universal sem nenhuma restrição».


* 1.ª parte da comunicação apresentada na conferência «A Democracia Liberta-se», que teve lugar em Lisboa, no dia 13 de Abril, integrada no ciclo «Lénine e a Democracia», organizado pela Associação Iúri Gagárin e a Biblioteca-Museu República e Resistência


Fonte: Avante !

O Mafarrico Vermelho

Comentários

  1. Soberania relativa. Você ainda vai ter uma (PARTE)
    por Luiz Carlos Azenha

    O mundo em que vivemos, de crescente interconexão econômica entre estados soberanos, pede um número cada vez maior de organismos multilaterais para promover a resolução de conflitos e garantir que isso se dê com equilíbrio diante de interesses divergentes.

    O acesso de um número cada vez maior de países às novas tecnologias, de impacto regional ou global, requer isso. Antes a necessidade de respeito à soberania alheia estava ligada, em grande medida, à exploração de recursos naturais comuns. Um rio, por exemplo. É óbvio que o Brasil deve satisfações à Argentina quando falamos da bacia do Prata. O mesmo vale para o Peru em relação ao Brasil, quando tratamos da bacia Amazônica.

    A exploração da energia nuclear, para dar um exemplo atual, abriu um novo campo de debate sobre o conceito de soberania relativa. O Japão deve satisfação aos vizinhos sob risco de contaminação por conta dos vazamentos em Fukushima.

    Tudo isso — e mais a decadência econômica relativa — põe em risco o poder dos que antes eram todo-poderosos. Exemplo: os cincos países com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

    As crescentes amarras do multilateralismo colocam em xeque o poder de quem sempre mandou.

    Qual é a resposta dos que se acreditam diminuídos pela ameaça ao status quo? É a imposição de novos conceitos de soberania relativa, distorcidos de tal forma que na verdade servem como instrumentos de preservação de poder.

    ÍNTEGRA O TEXTO EM: http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/soberania-relativa-voce-ainda-vai-ter-uma.html

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