Enquanto aguardamos que passem os dias que nos separam de 5 de Junho, data em que iremos votar, aproveitemos para recordar uma novela vivida há cem anos, por alturas da Proclamação da República
Uma história das Mil e uma noites
Por Jorge Messias
Por Jorge Messias
«A miséria religiosa é, por um lado, a expressão da miséria real e, por outro lado, o protesto contra a miséria real. A religião não é só o suspiro da criatura oprimida ou o coração de um mundo sem coração. Ela é também o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo»
K. Marx - «A Sagrada Família».
Enquanto aguardamos que passem os dias que nos separam de 5 de Junho, data em que iremos votar, aproveitemos para recordar uma novela vivida há cem anos, por alturas da Proclamação da República.
Andava-se por volta de 1910, nas vésperas da «Revolução de Outubro». O regime monárquico estava de rastos, após o descalabro de sucessivos governos, as exigências do ultimato inglês, o grande fosso entre pobres e ricos e o descrédito moral dos partidos do poder. O povo era quase totalmente analfabeto. O estado dependia dos empréstimos estrangeiros.
Um par de anos antes, em 1908, dois «suicidas», membros da Carbonária (uma sociedade secreta) tinham morto o rei e o príncipe herdeiro. O governo era chefiado por um político duro, demagogo e incapaz: João Franco. Perante um país em destroços e um regime moribundo, a Igreja benzia-se e os padres limitavam-se a clamar dos púlpitos ao povo devoto: «Orai por El-Rei e pelo Príncipe!». Fingiam nada saber acerca da fome nos campos, dos salários de miséria e das «levas» de soldados, marinheiros, operários e camponeses que ousavam gritar a sua revolta contra as injustiças.
A ruptura de 5 de Outubro de 1910
A Igreja era grande beneficiária das políticas do Estado. Detinha a posse de enormes latifúndios, de tesouros alimentados pelos fluxos financeiros vindos das colónias onde predominava o trabalho escravo. A monarquia garantia-lhe o monopólio de sectores vitais da sociedade como, por exemplo, os do Ensino, da Caridade e Assistência Social e da Cultura. Os favores do trono e o Erário Régio permitiam-lhe explorar os lucros de empresas comerciais e financeiras, de milhares de templos e de instalações assistenciais, de confrarias, de enormes conventos que eram centros da vida regional, etc. A tudo a legislação em vigor servia de cobertura.
Em 1911, com a I República, deu-se finalmente uma ruptura formal: a «Lei da Separação do Estado e das Igrejas». O Estado passava a ser laico e a Igreja juridicamente responsável pelos seus actos.
O Clero acusou o toque mas o aparelho católico reorganizou-se em segredo. A influência da Igreja passou a fazer-se nos corredores do Parlamento, nos centros de cavaqueira, no aconchego dos gabinetes e nos partidos onde era suposto gerar-se a vida democrática. Como cogumelos, surgiram novas instituições confessionais, tais como o Centro Católico, as associações católicas, o CADC, o Apostolado da Oração e muitas mais. Todas elas estiveram, depois, envolvidas na degradação da vida dos partidos, na constituição de governos de «União Sagrada» (que viriam a constituir referência para a «União Nacional»), nos golpes militares que levaram ao poder Sidónio Pais e Oliveira Salazar, etc.
A «Lei de Separação do Estado e das Igrejas» nunca chegou a ser totalmente respeitada pelo poder. Mais tarde, com o fascismo (1926) tudo voltou à forma inicial de sujeição ao Vaticano. Neste aspecto, a leitura da Concordata de 1940 é, na verdade, elucidativa. A Concordata é um «golpe de Estado» dentro de um Estado golpista.
Mas importa concluir.
Em termos comparativos, são evidentes as semelhanças que existem entre o que de mais importante se passou, antes e depois do «5 de Outubro», e o que está agora em curso de desenvolvimento. A confusão, a degradação pública moral, a falsificação dos valores, a mentira descarada, a estatística falsa, a notícia por encomenda, o desemprego e a miséria como técnicas de formação do lucro, a promoção das guerras regionais como apoios à expansão dos mercados, todas essas imagens se foram libertando e agora pairam sobre nós como uma nuvem negra. Não só em Portugal mas em todo o mundo capitalista. Se Portugal mergulhou no abismo, tudo aponta também para o próximo desabar do capitalismo mundial.
A vitória será das massas trabalhadoras se elas agora se souberem unir e lutar pelos seus direitos e pelas suas propostas para um mundo melhor.
É neste enquadramento que os católicos, como importante minoria do povo português, deveriam repensar os seus deveres de cidadania.
Há entre eles muita gente lúcida e honesta...
FONTE: AVANTE!
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