Licença para matar

Licença para matar
Por Bruno Carvalho

Os exércitos de mercenários desempenham um papel crescente na estratégia do imperialismo. O que há de novo não é esta actividade, que tem tradição milenar. É a privatização das funções de repressão anteriormente detidas pelos Estados, as mãos livres para acções criminosas pelas quais deixa de ser assumida responsabilidade moral e política directa. A proliferação de multinacionais da morte verificada na última década representa um negócio de milhões à custa da repressão dos povos, da guerra e da violência armada.


São eles que sujam as mãos. Fazem o que as forças armadas nem sempre podem fazer. Têm carta branca para assassinar e torturar indiscriminadamente. A maioria é composta por ex-militares e polícias. Mas também há traficantes e fanáticos de extrema-direita. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.


Quando rebentou a guerra na Líbia, os jornais inventaram todo o tipo de mentiras. Entre elas, havia uma que está no bolso de qualquer editor para qualquer eventualidade. Dizia-se que guerrilheiras das FARC estavam em Tripoli para defender Kadhafi. Apesar de se terem ‘enganado’ na organização, acertaram no país.

Efectivamente, há colombianos na Líbia. Ao lado da Al-Qaeda, integrados nas empresas privadas de segurança, combatem muitas nacionalidades contra o regime de Kadhafi. Assim como no Iraque e no Afeganistão, milhares recebem dinheiro para combater a soldo do imperialismo. Os Emiratos Árabes Unidos, por exemplo, pagaram 419 milhões de euros ao fundador da Blackwater Worldwide para construir um exército mercenário.

Erik Prince, que havia vendido aquela empresa, em 2010, e fundado a Reflex Responses, ficou, desta forma, responsável, por “operações especiais dentro e fora do país, defender oleodutos petrolíferos e arranha-céus de ataques terroristas e travar revoltas internas – eventuais protestos da vasta população de trabalhadores imigrantes ou manifestações pró-democracia semelhantes às que estão a varrer vários países árabes”.

Por sua vez, no Panamá, o presidente Martinelli anunciou no início de 2010 a contratação de uma empresa israelita para garantir a sua segurança e para treinar o Serviço de Protecção Institucional. Naquela zona, são mais do que muitas as suspeitas de ligações do governo panamenho a organismos tenebrosos como a CIA e a Mossad.

E, no Iraque, entre as principais funções, estão a segurança pessoal de políticos nacionais e norte-americanos, homens de negócio, empresários e asseguram instalações petrolíferas e militares. Estas são as razões oficiais pelas quais estão ali. Contudo, também lhes estão reservados papéis como o da construção de bases, intendência, interrogatórios e o combate.

Ao longo dos últimos anos têm sido acusados de participar em operações secretas dos serviços de inteligência norte-americanos e noutro tipo de trabalhos sujos que envolvem a promoção do terror, do medo, o conflito religioso e a organização de esquadrões da morte para espalhar o caos.

De onde vêm os mercenários?

Entre os principais filões de companhias como a Blackwater encontram-se países como a Colômbia, África do Sul e Inglaterra. Muitos são ex-paramilitares colombianos de organizações extintas de extrema-direita. Da África do Sul, chegam os derrotados do apartheid. E de Inglaterra todos os que que ganharam experiência na luta contra o IRA. Em geral, são experimentados no terror contra a resistência dos povos. É o que se pede no curriculum de um mercenário.

Por exemplo, dos mercenários chilenos que combatem a soldo no Iraque, muitos serviram às ordens de Pinochet. Foram recrutados através de um anúncio no jornal El Mercurio no qual se convidava ex-militares, de preferência com experiência na instrução de comandos e domínio do inglês, a prestar serviços de segurança no estrangeiro ao preço de 18 mil dólares por seis meses de trabalho.

À medida que se vão sabendo os nomes dos que morrem e são feridos também se descobre que tipo de gente predomina neste negócio. Em Janeiro de 2004, morria François Strydon, um antigo membro do grupo contra-guerrilha Koevoet que fez numerosos assassinatos na Namíbia nos anos 80. Um dos mercenários feridos foi Deon Gouws, antigo membro da polícia secreta sul-africana, que havia confessado atentados contra opositores ao apartheid. Outro que foi desmascarado pelo The Guardian havia estado preso quatro anos pelo trabalho sujo realizado na Irlanda do Norte. Um mês depois de sair da prisão, Derek William Adgey foi contratado pela Armor Group e partiu para o Iraque.

Em 2005, o Jornal de Notícias divulgava que a Blackwater estava a estabelecer contactos em Portugal para contratar uma centena de pessoas. O alvo preferencial seriam antigos militares e polícias, da PSP ou da GNR, que tivessem passado por unidades de elite e participado em acções internacionais ou que detivessem especialização em áreas mais técnicas. Seriam necessários operadores de rádio, condutores e tratadores de cães para patrulha ou detecção de explosivos.

No Iraque, os mercenários são mais de 100 mil. Muitos vêm de países pobres da América Latina. A perspectiva de puderem ganhar num dia aquilo que ganhariam num mês fa-los não pensar duas vezes. Peruanos, chilenos, hondurenhos, equatorianos. Mas também norte-americanos, russos, filipinos, turcos, nepaleses, indianos e ucranianos. Todos especializados na arte de espalhar o medo e de esmagar a revolta.

Quando a guerra e a violência é um negócio

Sempre houve gente disposta a matar por dinheiro. Os mercenários existem desde sempre e também não é de agora a externalização de certas funções inerentes à guerra, como a logística. O que há de novo é a atribuição pelos Estados de funções inerentes à garantia da soberania nacional a empresas privadas. Na última década, verificou-se a proliferação de multinacionais da morte. São fortalezas militares e de segurança privada que lucram com a guerra e a violência.

A contratação da empresa Reflex Responses por parte dos Emiratos Árabes Unidos é um negócio vantajoso. A companhia norte-americana enche os cofres de dinheiro e o Estado árabe garante a manutenção do poder político e económico face à ameaça de uma revolta. Mas também é um bom negócio para os Estados Unidos e União Europeia que não só não têm condições políticas e militares para combater em mais frentes como lhes é vantajoso que não sejam os seus a sujar as mãos.

Desde que começou a ocupação do Iraque, as companhias de produção de armamento tiveram lucros extraordinários. Mas as empresas de segurança privada nunca receberam tanto dinheiro. Em 2005, o Washington Post revelava que 50 por cento do orçamento da CIA tinha sido para o pagamento a estas empresas. Este negócio gerava, na altura, cerca de 100.000 milhões de dólares de lucro. Um valor que se previa ir duplicar em 2010.

Fonte: ODiario.info
 
O Mafarrico Vermelho

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