Envelhecer com direitos - A instrumentalização dos indicadores demográficos

Envelhecer com direitos - A instrumentalização dos indicadores demográficos
por FERNANDA MATEUS

"Aumento da esperança média de vida, trata-se de uma conquista civilizacional recente que não pode ser pretexto para impor uma regressão social para os actuais e futuros reformados, pensionistas e idosos. Desde logo, porque nem todos chegam aos 65 anos, sendo necessário continuar a intervir para reduzir a morte precoce. Por outro lado, viver mais tempo não significa viver com qualidade de vida num contexto político de agravamento dos factores de risco que pesam sobre os reformados, pensionistas e idosos: aumento da precariedade económica; aumento da pobreza; acentuação das dificuldades e exclusão de acesso a serviços públicos basilares na promoção do bem-estar e da qualidade de vida; agravamento das desigualdades no acesso a respostas sociais adequadas às situações de doença e de dependência para os idosos com mais baixos rendimentos."

Nos últimos anos os indicadores demográficos têm vindo a ser instrumentalizados ao serviço da política de direita e das orientações das instâncias europeias e mundiais do sistema capitalista.

O aumento da esperança média de vida e o envelhecimento demográfico têm servido para fundamentar como inevitável um caminho já iniciado em Portugal de aumento da idade legal de reforma (associando-o à esperança média de vida aos 65 anos), de redução do seu valor para os trabalhadores que passam à condição de reformados e fazendo depender a actualização anual das pensões do desempenho da economia.

Simultaneamente, são adiantadas «teses» em torno dos malefícios da «inactividade» resultante do aumento da esperança média de vida, apontando como solução milagrosa o «envelhecimento activo» assente no prolongamento da actividade profissional dos trabalhadores e dos reformados.

Argumentam que não é sustentável o regime previdencial assente nas contribuições dos activos (e das entidades patronais) como fonte de financiamento das despesas com pensões; e que está em causa o equilíbrio anual entre as quotizações resultantes do trabalho e as despesas com prestações sociais, designadamente dos reformados e pensionistas.

Dão centralidade absoluta ao aumento da esperança média de vida e sua incidência nas despesas com pensões tidas como incomportáveis para o sistema de segurança social e para as finanças públicas.

Os promotores da política de direita e da agenda europeia para o envelhecimento afirmam-se preocupados com a sustentabilidade financeira da Segurança Social no futuro. Daí que o PSD e o CDS insistam na necessidade de proceder à «reforma da segurança social» e peçam «consensos» nesse sentido.

Ocultam que pretendem transferir as contribuições dos trabalhadores para fundos privados de pensões, colocando-as ao serviço da especulação financeira, e dispensando os grupos económicos e financeiros das suas responsabilidades para com o financiamento da segurança social.

Do que se trata é de dar novos passos na destruição do regime de repartição assente na solidariedade intergeracional em que se alicerça a protecção social dos trabalhadores, espinha dorsal do Sistema Público de Segurança Social, universal e solidário. É prosseguir um caminho assente em soluções que visam transformar o sistema público num sistema de «mínimos sociais».

Nos últimos anos, e particularmente com o anterior governo PSD/CDS, registrou-se uma profunda redução dos direitos de segurança social para o conjunto da população.

O Indexante de Apoios Sociais não é revisto desde 2009, tendo desde então o valor de 419,22 euros, penalizando o conjunto das prestações sociais.

Desde 2010 não é actualizada a maioria das pensões. Excepcionalmente, algumas foram revistas neste mesmo ano, uma vez que a aplicação do mecanismo de actualização determinaria a redução do seu montante. Mas as pensões acima de 1500 euros foram congeladas.

Em 2011, as pensões não foram actualizadas e houve cortes nos valores nominais de pensões «consideradas altas» e criada a Contribuição Extraordinária de Solidariedade.

Entre 2012 e 2015 apenas foram revistas algumas das pensões mínimas [RESSAA (Regime Especial de Segurança Social das Actividades Agrícolas), regimes não contributivos e 1.º escalão das pensões mínimas do regime geral)].

Foram reduzidos direitos no âmbito do regime de protecção e cidadania, cujas prestações sociais visam garantir direitos básicos dos cidadãos. Este sistema – que integra a protecção familiar, a solidariedade e a acção social – foi profundamente atingido pela redução de transferências do Estado: de 16,7% em termos nominais, entre 2010 e 2014.

Desde 2010, o direito à segurança social foi reduzido por diversas medidas legislativas, as quais limitaram o acesso a várias prestações e apoios sociais – como as prestações familiares, o RSI (Rendimento Social de Inserção), o subsídio social de desemprego, entre outros – e diminuíram o respectivo valor. Diminuiu a despesa e o número de beneficiários.

O abono de família deixa de abranger todas as crianças e jovens (perda de universalidade) com a eliminação dos escalões correspondentes aos rendimentos mais elevados (acima de 628 euros), o que se reflecte na diminuição de 464 mil beneficiários, só em 2011.

O envelhecimento demográfico não pode ser ignorado

Os indicadores demográficos demonstram que o País está cada vez mais envelhecido e empobrecido, mais desigual e dependente. A responsabilidade é da política de direita realizada nas últimas décadas, que põe em causa a «sustentabilidade demográfica e económica do País a braços com uma baixa taxa de natalidade, brutalmente agravada com a emigração massiva de jovens – meio milhão de portugueses nos últimos quatro anos – socavando o potencial de recursos humanos qualificados que o País formou e de que precisa.» (Do Programa Eleitoral do PCP para as Legislativas, 2015)

São indicadores usados para impor soluções políticas em função das necessidades do sistema capitalista, do objectivo de maximização do lucro e acumulação da riqueza à custa da existência de grandes massas de trabalhadores desempregados, do aumento da exploração e do abaixamento dos salários e dos direitos dos trabalhadores e da privatização de importantes bens e serviços sociais.

Nem as soluções da política de direita, nem as orientações da União Europeia em matéria de pensões visam garantir a resposta aos indicadores demográficos – nem quanto à necessidade de aprofundamento dos direitos dos mais idosos, com a elevação nos seus níveis de bem-estar e qualidade de vida, nem quanto à inversão da acentuada redução da taxa de natalidade e dos mais recente fluxos migratórios, em resultado do elevado desemprego, do aumento da exploração, da desvalorização do trabalho e dos direitos laborais de maternidade e paternidade.

Por isso, não são as despesas com o pagamento das pensões que estão na génese da deterioração da situação financeira da segurança social, mas sim a destruição do aparelho produtivo nacional e do emprego; a redução das receitas em resultado da precariedade laboral e dos baixos salários; e o crescimento das despesas com o desemprego – apesar do brutal número de desempregados sem direito à protecção social no desemprego.

Não podem continuar a ser utilizados e absolutizados os indicadores demográficos para impor um caminho de desvalorização das reformas e pensões e de outros importantes direitos de segurança social. Quem o promove visa ocultar o aumento da riqueza produzida por trabalhador e a agudização das desigualdades na distribuição da riqueza entre o capital e o trabalho, com consequências na degradação das condições de vida dos trabalhadores e na perda de importantes receitas para a segurança social.

Só em 2014 o desemprego real custou ao País cerca de 31% do PIB (cerca de 53,6 mil milhões de euros), sendo responsável por uma quebra nas receitas da Segurança Social de pelo menos 11 mil milhões de euros em 2014 (menos 8,8 mil milhões de euros de contribuições e mais 2,2 mil milhões de euros de subsídio de desemprego) e por uma redução da receita fiscal de pelo menos 13,2 mil milhões de euros.

O custo económico da emigração estima-se, tendo em conta só o número de emigrantes em 2014 (135 mil entre temporários e permanentes), em 6,2 mil milhões de euros, 3,6% do PIB, e perdas pelo Estado de 900 milhões de euros na Segurança Social e 1,5 mil milhões de euros de receita fiscal.

A que acrescem as perdas financeiras resultantes da dívida das empresas à segurança social (entre 2006 e 2014 passou de 2188 milhões de euros para 10 293,2 milhões), a par da adopção de medidas assentes na isenção ou redução do pagamento da Taxa Social Única, usadas como instrumentos de «pseudo-políticas» de apoio à competitividade e ao emprego.

Aumento da esperança média de vida, uma conquista civilizacional

Em Portugal, o aumento da esperança média de vida verifica-se a partir da Revolução de Abril, com os avanços extraordinários na elevação das condições de salubridade (redes de saneamento básico, abastecimento de água, melhoria das habitações); aumento da repartição do rendimento nacional a favor das classes trabalhadoras e populares; alargamento da protecção social na velhice entre outras eventualidades; garantia de acesso à saúde, tanto na prevenção como no tratamento das doenças. A par de avanços significativos na redução da mortalidade infantil e materna e de morte precoce.

Desde então registou-se um aumento continuado da esperança média de vida, bem distante da realidade dos anos 60 e 70 do século passado, em que este indicador se situava nos 62,08 e 67,7 anos, respectivamente. Nos anos 90 aumentou para os 73,97 anos e em 2014 para 80,24 anos.

Trata-se de uma conquista civilizacional recente que não pode ser pretexto para impor uma regressão social para os actuais e futuros reformados, pensionistas e idosos. Desde logo, porque nem todos chegam aos 65 anos, sendo necessário continuar a intervir para reduzir a morte precoce. Por outro lado, viver mais tempo não significa viver com qualidade de vida num contexto político de agravamento dos factores de risco que pesam sobre os reformados, pensionistas e idosos: aumento da precariedade económica; aumento da pobreza; acentuação das dificuldades e exclusão de acesso a serviços públicos basilares na promoção do bem-estar e da qualidade de vida; agravamento das desigualdades no acesso a respostas sociais adequadas às situações de doença e de dependência para os idosos com mais baixos rendimentos.

Destaca-se que, na vigência do governo PSD/CDS, o empobrecimento dos reformados, pensionistas e idosos ganhou novas e mais graves dimensões: quebra nos seus rendimentos resultantes dos cortes ou diminuição do valor das pensões – a única fonte de rendimento para a grande maioria; aumento da despesa com a saúde, com os transportes, entre outros bens e serviços essenciais. Aprofundaram-se as situações de solidão e isolamento de idosos associadas a pobreza extrema, a fluxos migratórios, à desertificação de regiões do País.

O aumento da esperança média de vida impõe a ruptura com a política de direita, que transformou o envelhecimento num «fardo social», e a adopção de uma política patriótica e de esquerda assente, como preconiza o PCP: na promoção da qualidade de vida dos reformados, pensionistas e idosos alicerçada na valorização das reformas como instrumento insubstituível de combate à pobreza e garantia da sua autonomia económica e social após uma vida de trabalho; no reforço do acesso ao Serviço Nacional de Saúde e de acesso em condições de igualdade à Rede Pública de Equipamentos e Serviços de Apoio à Terceira Idade; incentivo à participação na vida social, política, cultural e desportiva com o reconhecimento do associativismo específico dos reformados; assegurar a gratuitidade de acesso a espaços culturais públicos – museus, teatros entre outros.

Alguns indicadores demográficos

Nos últimos anos, em resultado da queda da natalidade e do aumento da longevidade verifica-se um decréscimo da população em idade activa (15 a 64 anos), em simultâneo com o aumento da população idosa (65 e mais anos). São estas e não outras as verdadeiras causas do envelhecimento demográfico e não o aumento da esperança média de vida.

- Entre 1974 e 2014, nasceram em média menos 2240 bebés por ano;

- Entre 1974 e 2014, a população jovem diminuiu 13,5 pontos percentuais, correspondendo a 14,5% da população;

- O peso relativo da população idosa aumentou 11 pontos percentuais, correspondendo a 20,3% da população;

- A população em idade activa aumentou 3 pontos percentuais, passando de 61,9%, em 1970, para 65,3%, em 2014;

- Em 2014, a população residente em Portugal era constituída por 14,4% de jovens, 65,3% de pessoas em idade activa e 20,3% de idosos.

Fonte:Dados do INE



Fonte: O Militante TEMA, EDIÇÃO Nº 344 - SET/OUT 2016




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