A duplicidade como política de Washington para a América Latina

A duplicidade como política de Washington para a América Latina 
– Marines para a América Central e diplomatas para Cuba
por James Petras


"Washington acordou para o facto de que a sua política belicosa em relação a Cuba foi rejeitada universalmente e deixou os EUA isolados da América Latina. O regime Obama decidiu afirmar algumas "credenciais reformistas" com a exibição da sua abertura a Cuba . A "abertura a Cuba" realmente faz parte de uma mais vasta intervenção política mais activa na América Latina . Washington tomará pleno proveito da vulnerabilidade agravada dos governos de centro-esquerda quando o mega-ciclo das commodities chega ao fim e os preços entram em colapso. Washington aplaude o programa de austeridade orçamental perseguido pelo regime de Dilma Rousseff no Brasil. Apoia calorosamente o recém eleito regime "Frente Ampla" de Tabaré Vázquez no Uruguai com suas políticas de mercado livre e ajustamento estrutural. Apoia publicamente a recente nomeação pela presidente chilena Bachelet de democratas-cristãos de centro-direita para postos ministeriais a fim de obsequiar o big business. "

Toda a gente, desde sabichões políticos em Washington até o Papa em Roma, incluindo a maior parte dos jornalistas nos mass media e na imprensa alternativa, centrou a atenção nos movimentos dos EUA rumo à finalização do bloqueio econômico de Cuba e à abertura gradual de relações diplomáticas. 

Fala-se muito de uma "grande mudança" na política estado-unidense em relação à América Latina com ênfase na diplomacia e na reconciliação. Mesmo autores e jornais progressistas deixaram de escrever acerca do imperialismo dos EUA. 

Contudo, há evidências crescentes de que as negociações de Washington com Cuba simplesmente fazem parte de uma política dúplice, de duas vias (two-track policy). Há claramente uma grande acumulação [de forças] dos EUA na América Latina, com dependência crescente em "plataformas militares" destinadas a lançar intervenções militares directas em países estratégicos. 

Além disso, decisores políticos dos EUA envolvem-se activamente na promoção de partidos de oposição, movimentos e personalidades "clientes" a fim de desestabilizar governos independentes e estão decididos a re-impor a dominação estado-unidense. 

Neste ensaio começaremos por discutir as origens e o desdobrar desta política de duas vias, suas manifestações actuais e projecções no futuro. Concluiremos avaliando as possibilidades de restabelecer a dominação imperial dos EUA na região. 

Origens da política de duas vias 

A "política de duas vias" de Washington, baseada na combinação de "políticas reformistas" em relação a algumas formações políticas, enquanto trabalhava para derrubar outros regimes e movimentos pela força e intervenção militar, foi praticada pela antiga administração Kennedy a seguir à revolução cubana. Kennedy anunciou um vasto programa econômico de ajuda, empréstimos e investimentos – chamado "Aliança para o Progresso" – para promover o desenvolvimento e a reforma social em países latino-americanos desejosos de se alinharem com os EUA. Ao mesmo tempo o regime Kennedy escalou a ajuda militar estado-unidense e exercícios conjuntos na região. Kennedy patrocinou um grande contingente de Forças Especiais – os "Boinas Verdes" – destinados à guerra de contra-insurgência. 

A Aliança para o Progresso destinava-se a conter a atracção maciça das mudanças sociais revolucionárias em curso em Cuba com o seu próprio programa de "reforma social". Se bem que Kennedy promovesse reformas diluídas na América Latina, ele lançou a invasão "secreta" de Cuba (Baia dos Porcos) em 1961 e um bloqueio naval em 1962 (a chamada "crise dos mísseis"). A política de duas vias acabou por sacrificar reformas sociais e fortalecer a repressão militar. Em meados da década de 1970, as "duas vias" tornaram-se uma só – a força. Os EUA invadiram a República Dominicana em 1965. Apoiaram uma série de golpes militares em toda região, isolando Cuba efectivamente. Em consequência, a força de trabalho latino-americana experimentou cerca de um quarto de século de declínio dos padrões de vida. 

Na década de 1980 os ditadores-clientes dos EUA haviam perdido sua utilidade e Washington mais uma vez adoptou uma estratégia de duas vias. Numa, a Casa Branca apoiou incondicionalmente a agenda neoliberal dos seus militares-clientes governantes e patrocinou-os como parceiros júniors na hegemonia regional de Washington. Na outra via, promoveu mudanças para uma política eleitoral altamente controlada, a qual foi descrita como "transição democrática", a fim de "descomprimir" pressões sociais de massa contra seus clientes militares. Washington assegurou a introdução de eleições e promoveu políticos clientes desejosos de continuar a estrutura sócio-econômica neoliberal estabelecida pelos regimes militares. 

Na viragem do novo século, os descontentamentos acumulados em trinta anos de domínio repressivo, de políticas sócio-econômicas regressivas e de desnacionalização e privatização do patrimônio nacional provocaram uma explosão de descontentamento social em massa. Isto levou ao derrube e derrota eleitoral dos regimes clientes neoliberais de Washington. 

Na maior parte da América Latina movimentos de massas estavam a exigir uma ruptura com os programas de "integração" centrados nos EUA. O anti-imperialismo aberto crescia e intensificava-se. Este período assistiu à emergência de numerosos governos de centro-esquerda na Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia, Brasil, Uruguai, Paraguai, Honduras e Nicarágua. Além das mudanças de regime, forças econômicas mundiais fizeram crescer mercados asiáticos, seus pedidos de matérias-primas latino-americanas e a ascensão dos preços das commodities ajudou a estimular o desenvolvimento de organizações regionais centradas na América Latina – fora do controle de Washington. 

Ainda estavam entranhados em Washington os seus 25 anos de política "via única" de apoio a políticas autoritárias civis-militares e de imposição neoliberal e era incapaz de responder e apresentar uma alternativa de reforma ao desafio anti-imperialista e de centro-esquerda à sua dominação. Washington trabalhou para reverter a nova configuração de poder. Suas agências para o exterior, a Agency for International Development (AID), a Drug Enforcement Agency (DEA) e embaixadas trabalhavam para desestabilizar os novos governos na Bolívia, Equador, Venezuela, Paraguai e Honduras. A "via única" de intervenção e desestabilização estado-unidense fracassou durante a primeira década do novo século (com a excepção de Honduras e Paraguai). 

No fim, Washington acabou politicamente isolada. Seus esquemas de integração foram rejeitados. Suas fatias de mercado na América Latina declinaram. Washington não só perdeu sua maioria automática na Organização dos Estados Americanos (OEA) como se tornou uma minoria nítida. 

A política "via única" de Washington de confiar no "porrete" e evitar a "cenoura" era baseada em várias considerações. Os regimes Bush e Obama estavam profundamente influenciados pelos vinte e cinco anos de dominação da região (1975-2000) e a noção de que os levantamento e mudanças políticas na América Latina na década seguinte eram efémeros, vulneráveis e facilmente reversíveis. Além disso, Washington, acostumada durante mais de um século de dominação econômica de mercados, recursos e trabalho, considerou como garantido que a sua hegemonia era inalterável . A Casa Branca falhou em reconhecer a força da participação crescente da China no mercado latino-americano. O Departamento de Estado ignorou a capacidade de governos latino-americanos para integrarem seus mercados e excluírem os EUA. 

Responsáveis do Departamento de Estado dos EUA nunca se afastaram da desacreditada doutrina neoliberal que haviam promovido com êxito na década de 1990. A Casa Branca fracassou na adopção de uma viragem "reformista" para conter o apelo de reformadores radicais como Hugo Chávez, o presidente venezuelano. Isto foi mais evidente nos países caribenhos e andinos onde o Presidente Chávez lançou suas duas "alianças para o progresso": a "Petro-Caribe" (programa da Venezuela de fornecimento de combustível barato, fortemente subsidiado, a países pobres da América Central e do Caribe e de óleo de calefacção para bairros pobres nos EUA) e o "ALBA" (união político-econômica de estados andinos, mais Cuba e Nicarágua, concebida para promover solidariedade política e laços econômicos regionais). Ambos os programas foram fortemente financiados por Caracas. Washington fracassou em propor um plano alternativo com êxito. 

Incapaz de vencer diplomaticamente ou na "batalha de ideias", Washington recorreu ao "grande porrete" e procurou perturbar o programa econômico regional da Venezuela ao invés de competir com os generosos e benéficos pacotes de ajuda de Chávez. As "tácticas destruidoras" dos EUA saíram pela culatra. Em 2009, o regime Obama apoiou um golpe militar em Honduras, removendo o liberal e reformista Presidente eleito, Zelaya, e instalou uma tirania sangrenta, uma reversão à década de 1970 quando os EUA apoiaram o golpe chileno que levou o general Pinochet ao poder. A secretária de Estado Hilary Clinton, num acto de pura palhaçada política, recusou-se a chamar de golpe o derrube violento de Zelaya e rapidamente reconheceu a ditadura. Nenhum outro governo apoiou os EUA na sua política de Honduras. Houve uma condenação universal do golpe , destacando o isolamento de Washington. 

Repetidamente, Washington tentou utilizar sua "carta hegemônica" mas foi vencida sem rodeios em reuniões regionais. Na Cimeira das Américas em 2010, países latino-americanos afastaram objecções dos EUA e votaram por convidar Cuba à sua reunião seguinte, desafiando um veto estado-unidense de 50 anos. Os EUA foram deixados sós na sua oposição. 

A posição de Washington foi mais uma vez enfraquecida pelo boom de commodities ao longo de uma década (estimulado pela procura voraz da China por produtos agro-minerais). O "mega-ciclo" pôs em causa a antecipação dos Departamentos do Tesouro e do Estado dos EUA de um colapso de preços . Nos ciclos anteriores, "baixas" de preços de commodities haviam forçado governos de centro-esquerda a correrem ao Fundo Monetário Internacional (FMI) controlado por Washington à procura de empréstimos altamente condicionados para sanar balanças de pagamentos, nos quais a Casa Branca costumava impor suas políticas neoliberais e dominação política. O "mega-ciclo" gerou receitas e rendimentos ascendentes. Isto deu enorme alavancagem a governos de centro-esquerda para evitar as "armadilhas da dívida" ("debt traps") e marginalizar o FMI. Isto virtualmente eliminou a condicionalidade imposta pelos EUA e permitiu a governos latino-americanos prosseguirem políticas populistas-nacionalistas. Estas políticas diminuíram a pobreza e o desemprego. Washington jogou a "carta da crise" e perdeu. No entanto, Washington continuou a trabalhar com grupos de oposição de extrema direita para desestabilizar os governos progressistas, na esperança de que "chegassem ao desastre", caso em que os apaniguados de Washington "valsariam" e tomariam o poder. 

A reintrodução da política de "duas vias" 

Após uma década e meia de golpes duras, de fracassos repetidos das suas políticas do "grande porrete", de rejeição de esquema de integração centrados nos EUA e de múltiplas derrotas inequívocas de políticos seus clientes nas urnas eleitorais, Washington finalmente começou a "repensar" sua política de "via única" e hesitantemente explora uma limitada abordagem pelas "duas vias". 

Contudo, as "duas vias" incluem polaridades claramente marcadas pelo passado recente. Enquanto o regime Obama abriu negociações e avançou para o estabelecimento de relações com Cuba, ele escalou as ameaças militares em relação à Venezuela ao absurdamente etiquetar Caracas como uma "ameaça à segurança nacional dos EUA". 

Washington acordou para o facto de que a sua política belicosa em relação a Cuba foi rejeitada universalmente e deixou os EUA isolados da América Latina. O regime Obama decidiu afirmar algumas "credenciais reformistas" com a exibição da sua abertura a Cuba . A "abertura a Cuba" realmente faz parte de uma mais vasta intervenção política mais activa na América Latina . Washington tomará pleno proveito da vulnerabilidade agravada dos governos de centro-esquerda quando o mega-ciclo das commodities chega ao fim e os preços entram em colapso. Washington aplaude o programa de austeridade orçamental perseguido pelo regime de Dilma Rousseff no Brasil. Apoia calorosamente o recém eleito regime "Frente Ampla" de Tabaré Vázquez no Uruguai com suas políticas de mercado livre e ajustamento estrutural. Apoia publicamente a recente nomeação pela presidente chilena Bachelet de democratas-cristãos de centro-direita para postos ministeriais a fim de obsequiar o big business. 

Estas mudanças dentro da América Latina proporcionam uma "abertura" para Washington prosseguir uma política de "duas vias". Por um lado Washington está a aumentar a pressão política e econômica e a intensificar sua campanha de propaganda contra políticas e regimes de "intervenção estatal" no período imediato . Por outro lado, o Pentágono está a intensificar e escalar sua presença na América Central e sua vizinhança imediata. O objectivo é finalmente recuperar alavancagem sobre o comando militar no resto do continente sul-americano. 

O Miami Herald (10/05/15) informou que a administração Obama enviou 280 marines para a América Central sem qualquer missão específica ou pretexto. Verificando-se logo após a Cimeira das Américas no Panamá (10-11/Abril/2015), esta acção tem grande importância simbólica . Se bem que a presença de Cuba na Cimeira possa ter sido louvada como uma vitória diplomática da reconciliação dentro das Américas, o despacho de centenas de fuzileiros navais estado-unidenses para a América Central sugere que outro cenário está em preparação. 

Ironicamente, na reunião da Cimeira, o secretário-geral da União das Nações Sul Americanas (UNASUL), o antigo presidente colombiano (1994-98) Ernesto Samper, conclamou os EUA a removerem todas as suas bases militares da América Latina, incluindo Guantanamo: "Um bom ponto na nova agenda de relações na América Latina seria a eliminação das bases militares estado-unidenses". 

A ideia da "abertura" dos EUA a Cuba é precisamente assinalar seu maior envolvimento na América Latina, o qual inclui um retorno a uma mais robusta intervenção militar estado-unidense. A intenção estratégica é restaurar regimes clientes neoliberais, pelos votos ou pelas balas. 

Conclusão 

A actual adopção de Washington de uma política de duas vias é uma "versão barata" da política de John F. Kennedy de combinar a "Aliança para o Progresso" com as "Boinas Verdes". Contudo, Obama oferece pouco quanto a apoio financeiro para modernização e reforma a fim de complementar seu desejo de restaurar a dominância neoliberal. 

Após uma década e meia de recuo político, isolamento diplomático e perda relativa de alavancagem militar, o regime Obama levou seis anos para reconhecer a profundidade do seu isolamento. No momento em que a secretária assistente para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson, afirmou que estava "surpreendida e desapontada" quando todos os países latino-americanos se opuseram à afirmação de Obama de que a Venezuela representava uma "ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos", ela mostrou quão ignorante e fora de sintonia se tornou o Departamento de Estado em relação à capacidade de Washington para influenciar a América Latina no apoio à sua agenda de intervenção imperial. 

Com o declínio e recuo do centro-esquerda, o regime Obama tem estado ansioso por explorar a estratégia das duas vias. Na medida em que as conversações de paz na Colômbia entre as FARC e o Presidente Santos avancem, é provável que Washington reajuste sua presença militar na Colômbia para enfatizar sua campanha de desestabilização contra a Venezuela. O Departamento de Estado aumentará aberturas diplomáticas à Bolívia. A National Endowment for Democracy intensificará sua intervenção nas eleições argentinas deste ano. 

Circunstâncias variadas e cambiantes ditam tácticas flexíveis . A pairar sobre as mudanças tácticas de Washington está uma perspectiva estratégica odiosa destinada a aumentar a alavancagem militar . Quando as negociações de paz entre o governo colombiano e as guerrilhas das FARC avançam rumo a um acordo, diminui o pretexto para manter sete bases militares estado-unidenses e vários milhares de militares dos EUA, assim como suas tropas de Forças Especiais. Contudo, o presidente Santos da Colômbia não deu indicação de que um "acordo de paz" estaria condicionado à retirada de tropas estado-unidenses ou ao encerramento das suas bases. Por outras palavras, o US Southern Command reteria uma plataforma militar vital e uma infraestrutura capaz de lançar ataques contra a Venezuela, Equador, América Central e o Caribe. Com bases militares por toda a região, na Colômbia, em Cuba (Guantanamo), Honduras (Soto Cano em Palmerola), Curaçao, Aruba e Peru, Washington pode rapidamente mobilizar forças de intervenção. Laços militares com as forças armadas do Uruguai, Paraguai e Chile asseguram contínuos exercícios conjuntos e estreita coordenação das chamadas políticas de "segurança" no "Cone Sul" da América Latina. Esta estratégia está concebida especificamente para preparar a repressão interna contra movimentos populares , sempre e em todo momento em que a luta de classe se intensifique na América Latina. A política de duas vias, hoje em vigor, é executada através de estratégias político-diplomáticas e militares. 

No período imediato , na maior parte da região, Washington busca uma política de intervenção e pressão política, diplomática e econômica. A Casa Branca está a contar com o "giro para direita" de antigos governos de centro-esquerda a fim de facilitar o retorno ao poder de regimes clientes descaradamente neoliberais em futuras eleições. Isto é especialmente verdadeiro em relação ao Brasil e à Argentina. 

A "via político-diplomática" é evidente nos movimentos de Washington para restabelecer relações com a Bolívia e fortalecer aliados alhures a fim de alavancar políticas favoráveis no Equador, Nicarágua e Cuba. Washington propõe oferecer acordos diplomáticos e comerciais em troca de um "amaciamento" da crítica anti-imperialista e do enfraquecimento dos programas da "era Chávez" de integração regional. 

A "abordagem em duas vias", tal como aplicada à Venezuela, tem uma componente militar mais aberta do que alhures. Washington continuará a subsidiar violentos cruzamentos paramilitares da fronteira com a Colômbia. Continuará a encorajar a sabotagem terrorista interna da rede eléctrica e do sistema de distribuição alimentar. O objectivo estratégico é desgastar a base eleitoral do governo Maduro, como preparação para as eleições legislativas no fim de 2015. Quando se trata da Venezuela, Washington está a seguir uma estratégia em "quatro passos": 

(1) Intervenção violenta indirecta para desgastar o apoio eleitoral do governo 

(2) Financiamento em grande escala da campanha eleitoral da oposição parlamentar para assegurar uma maioria no Congresso 

(3) Uma campanha maciça nos media em favor de um voto do Congresso para um referendo impedindo (impeaching) o Presidente 

(4) Uma campanha em grande escala financeira, política e nos media para assegurar uma maioria de votos para o impeachment por referendo. 

Na possibilidade de uma votação por margem estreita, o Pentágono prepararia uma intervenção militar rápida com seus colaboradores internos – procurando um derrube de Maduro "estilo Honduras". 

A fraqueza estratégica e táctica da política de duas vias é a ausência de qualquer ajuda econômica prolongada e abrangente, com programas de comércio e investimento que atraíssem e mantivessem eleitores da classe média. Washington está a contar mais com os efeitos negativos da crise para restaurar seus clientes neoliberais. O problema com esta abordagem é que as forças pró EUA só podem prometer um retorno a programas de austeridade ortodoxos, com reversão de programas sociais e de bem-estar público, fazendo ao mesmo tempo concessões econômicas em grande escala aos maiores investidores e banqueiros estrangeiros. A implementação de tais programas regressivos iriam atear e intensificar conflitos de classe, de comunidades e étnicos. 

A estratégia de "transição eleitoral" dos EUA é um expediente temporário , à luz das políticas econômicas altamente impopulares que certamente implementariam. A ausência completa de qualquer ajuda sócio-econômica substancial dos EUA para amortecer os efeitos adversos sobre famílias trabalhadoras significa que as vitórias eleitorais dos clientes dos EUA não perdurarão. Eis porque e quando a acumulação militar estratégica entra em cena. O êxito da via única, a busca de tácticas político-diplomáticas, inevitavelmente polarizará a sociedade latino-americana e aumentará as perspectivas para a luta de classe. Washington espera ter seus aliados-clientes político-militares prontos para responder com repressão violenta. A intervenção directa e o aumento da repressão interna entrarão em cena para assegurar a dominância estado-unidense. 

A "estratégia de duas vias", mais uma vez, evoluirá para uma "estratégia de via única" destinada a devolver a América Latina à [condição de] região satélite, pronta para a pilhagem por multinacionais extractivas e especuladores financeiros. 

Como temos visto ao longo da última década e meia, "políticas de duas vias" levam a levantamentos sociais. E na próxima ocasião os resultados podem ir muito além de regimes progressistas de centro-esquerda , rumo a governos verdadeiramente sociais-revolucionários! 

Epílogo 

Os construtores do império estado-unidense demonstraram claramente por todo o mundo a sua incapacidade para intervir e produzir estados clientes estáveis, prósperos e produtivos (Iraque e Líbia são casos exemplares). Não há razão para acreditar, mesmo que a "política das duas vias" leve a vitórias eleitorais temporárias, que os esforços de Washington para restaurar a sua dominância terão êxito na América Latina, ainda menos porque à sua estratégia falta qualquer mecanismo para a ajuda económica e reformas sociais que mantivesse uma elite pró EUA no poder. Exemplo: como poderiam os EUA compensar de algum modo o pacote de ajuda da China ao Brasil de US$50 mil milhões senão através da violência e da repressão? 

É importante analisar como a ascensão da China, Rússia, de fortes mercados regionais e de novos centros financeiros enfraqueceram gravemente os esforços de regimes clientes para realinharem com os EUA. Golpes militares e mercados livres já não são mais fórmulas garantidas de êxito na América Latina. Seus fracassos passados são demasiado recentes para serem esquecidos. 

Finalmente, a "financiarização" da economia estado-unidense, que até o Fundo Monetário Internacional descreve como impacto negativo de "demasiada finança" (Financial Times, 13/Maio/15, p. 4), significa que os EUA não podem conceder recursos capitais para desenvolver a actividade produtiva na América Latina. O estado imperial só pode servir de violento cobrador de dívidas para os seus bancos no contexto do desemprego em grande escala . O imperialismo financeiro e extractivo é um cocktail político-económico para detonar a revolução social num continente inteiro , muito para além da capacidade dos fuzileiros navais estado-unidenses o impedirem ou suprimirem. 



O original encontra-se em petras.lahaine.org/?p=2035


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .



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