Conferência Internacional de Praga, 23-24 de Maio de 2015 (Contribuição do PCP)

Conferência Internacional de Praga, 23-24 de Maio de 2015 (Contribuição do PCP)

"O combate à UE dos grandes grupos econômicos e das grandes potências é uma tarefa fundamental dos comunistas. E não se trata de corrigir os seus «excessos liberais» ou as suas «políticas de austeridade». A UE é irreformável. Trata-se de romper com esta construção capitalista contrapondo-lhe uma outra Europa de paz, progresso e cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos. Para o povo português que luta para pôr fim a décadas de política de direita e em defesa da soberania de Portugal, que está a ser espezinhada pelas políticas e mecanismos supranacionais – como o Tratado Orçamental –, esta é uma questão decisiva. Não há possibilidade de realizar em Portugal uma política de desenvolvimento de acordo com os interesses do país e a vontade do povo português sem a ruptura com as imposições do Euro e da integração capitalista europeia. Na nossa opinião o que está a passar-se com o brutal estrangulamento da Grécia vem confirmar esta posição do PCP."


Camaradas
Saudações fraternais do Partido Comunista Português

Participamos nesta Conferência no quadro das relações fraternais entre o PCP e o PCBM com a convicção de que ela constituirá um útil intercâmbio de opiniões e um contributo para a acção comum ou convergente entre os nossos partidos.

O tema proposto centra-se na Europa, mas creio que é útil abordá-lo num contexto mais amplo.

1. Na opinião do PCP a situação internacional está marcada por quatro traços principais: 1) As consequências do desaparecimento da URSS e das derrotas do socialismo e a contra-ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo para recuperar as posições perdidas ao longo do século XX e impor a sua hegemonia mundial; 2) O aprofundamento da crise estrutural do capitalismo em que se inscreve a profunda e prolongada crise cíclica despoletada em 2008 nos EUA e a crise da e na União Europeia cada vez mais difícil de disfarçar; 3) Um gigantesco processo de rearrumação de forças em que o declínio relativo dos EUA (e das potências do G7) e a ascensão económica da China (e do conjunto dos BRICS) são elementos relevantes; 4) O prosseguimento da resistência e da luta libertadora dos trabalhadores e dos povos, nomeadamente na Europa que, não estando ainda ao nível da ofensiva do grande capital, é uma realidade que deve ser valorizada e que se tem traduzido em importantes avanços, nomeadamente na América Latina.

2. Lutamos em tempos de grande instabilidade e incerteza em que é cada vez mais evidente que os sectores mais reaccionários e agressivos do imperialismo jogam no fascismo e na guerra como «saída» para a crise do capitalismo. Na Europa, a escalada militarista de confrontação com a Rússia é particularmente inquietante. O perigo de uma nova guerra de catastróficas dimensões é real. As lições da II Guerra Mundial não devem ser esquecidas.

Mas a guerra não é inevitável. Há forças que se unidas e mobilizadas podem obrigar o imperialismo a recuar. Compete aos partidos comunistas, ao mesmo tempo que reforçam a sua cooperação internacionalista, trabalhar para erguer uma ampla frente anti-imperialista certos de que a luta pela paz e contra o fascismo e a guerra e a luta pelo progresso social e o socialismo estão interligadas.

Uma frente que, como a experiência histórica mostra, será tanto mais ampla e consequente quanto mais fundas forem as suas raízes na realidade e na luta popular dos diferentes países e quanto mais fortes e enraizados na classe operária e nas massas populares forem os partidos comunistas. A maior contribuição que cada povo pode dar para o combate anti-imperialista e para a causa universal da paz e do progresso social, é o avanço da luta libertadora no seu próprio país.

3. Em Portugal a Revolução de Abril de 1974 trouxe ao povo português grandes conquistas revolucionárias que, apesar de diminuídas e mesmo destruídas, continuam a inspirar a luta do povo português. 39 anos de políticas de direita e 29 anos de integração na CEE/União Europeia, em que se inserem os agressivos programas de ajustamento da troika, conduziram o país para uma gravíssima situação de empobrecimento, de destruição do tecido produtivo, de demolição das funções sociais do Estado, de submissão nacional e de crescentes restrições à democracia. O PCP luta por uma alternativa patriótica e de esquerda que rompa com a política seguida pelo PS, PSD e CDS e com os constrangimentos externos impostos pela UE e pelo Euro, rompimento indispensável para realizar uma política de acordo com a vontade do povo português e as necessidades do país. Este não é um caminho fácil. As próximas eleições no Outono são uma oportunidade importante para avançar nesta direcção. Mas o essencial é o desenvolvimento da luta de massas, da luta da classe operária e demais classes anti-monopolistas, e o fortalecimento do PCP. É nestas duas tarefas que o PCP concentra o grosso das suas forças.

4. A luta pela transformação revolucionária da sociedade, obedecendo às leis gerais do materialismo histórico, segue caminhos diversificados de acordo com as particularidades nacionais de cada país. A situação em Portugal, a etapa actual da revolução portuguesa e as tarefas imediatas que se colocam ao PCP diferem da situação noutros países. Mas em todos o desenvolvimento da situação internacional exerce uma influência cada vez maior em resultado da internacionalização (acelerada) dos processos produtivos e demais esferas da vida social.

No momento actual consideramos necessário prestar particular atenção ao rápido e profundo processo de rearrumação de forças que se está a operar no mundo, quer pelas agudas tensões que suscita – com o imperialismo norte-americano a defender por todos os meios uma hegemonia que lhes escapa –, quer sobretudo pelos obstáculos que levanta ao propósito dos EUA e da NATO, em conjunto com os seus aliados da UE e do Japão, de submeter o mundo.

É neste quadro que valorizamos o papel da China e das suas audaciosas iniciativas de cooperação económica e financeira nos planos bilateral e internacional, o papel dos BRICS (não ignorando limitações e contradições que os atravessam) e de modo particular, o sistema de alianças e de integração solidária que vem sendo construído na América Latina, com destaque para a ALBA. O que está em jogo – como a hegemonia do dólar em que assenta o poder dos EUA, ou o sistema de Bretton Woods – é realmente muito importante.

5. A definição das alianças no plano social e no plano político é certamente uma das mais importantes questões que se colocam à intervenção dos comunistas.

O desenvolvimento do capitalismo com uma inédita concentração do poder económico e do poder político alarga substancialmente o campo das classes e camadas sociais interessadas na liquidação do poder dos monopólios e do imperialismo e gera contradições e tensões que têm frequentemente dado lugar a grandes explosões de descontentamento. Mas tais explosões e os movimentos políticos que por vezes suscitam são efémeros e inconsequentes se não forem acompanhados por uma clara perspectiva de transformação progressista e revolucionária e são facilmente recuperados pelas forças do capital. O papel da classe operária organizada, dos partidos comunistas e do sindicalismo de classe confirma-se assim de crucial importância para dar ao descontentamento e «indignação» social um consequente sentido transformador.

O PCP defende para Portugal uma alternativa patriótica e de esquerda e há quem pergunte se incluímos o Partido Socialista nessa alternativa. Não, não incluímos dada a sua convergência e aliança com a reacção em 39 anos de política de direita. Como noutros países o PS reclama-se e é apresentado como «esquerda» mas o PCP não avalia nenhuma força política pela sua etiqueta mas pelo lugar concreto que ocupa no terreno da luta de classes. As responsabilidades da social-democracia no agravamento das condições de vida das massas e da situação internacional são gravíssimas.

6. É partindo destas posições mais gerais que abordamos a acção dos partidos comunistas na Europa, conscientes de que a evolução do sistema capitalista e das grandes contradições do mundo contemporâneo tendem a deslocar para outros continentes as perspectivas de ruptura anti-imperialista e de transformação revolucionária. O anacronismo das concepções eurocentristas é cada vez mais evidente. Em qualquer caso desejamos sublinhar algumas questões:

– Também na Europa o espaço nacional de luta é determinante. A ideia de que em tempo de globalização imperialista só pode conceber-se a transformação social no plano supranacional e que o espaço nacional se tornou caduco, causou (e continua a causar) prejuízos ao movimento comunista pois desvia os partidos comunistas da sua tarefa incontornável de enraizamento na classe operária e nas massas populares e prejudica a definição do seu programa e a sua intervenção quotidiana de acordo com a situação concreta dos seus países. E conduz também a subestimar o problema da soberania nacional e da luta contra imposições do capital transnacional e das grandes potências, deixando espaço ao desenvolvimento do nacionalismo pequeno-burguês reaccionário.

– Simultaneamente, a consideração da existência de problemas comuns – a começar pelo objectivo de uma sociedade sem classes, o socialismo e o comunismo – e o desenvolvimento de processos de cooperação e integração capitalista na Europa, tornam cada vez mais necessário o reforço da cooperação e solidariedade internacionalista. A estreiteza nacional, a adopção de concepções autárcicas é tão negativa como o é o cosmopolitismo supranacional fomentado pela classe dominante para desenraizar e tornar inofensivas as forças que põem em causa o seu poder. Para o PCP patriotismo e internacionalismo são duas faces da mesma moeda. E quando a classe dominante dos diferentes países concerta estreitamente a sua acção contra o movimento operário e as forças progressistas, mais necessário se torna encontrar formas apropriadas para articular a acção dos comunistas e destes com outras forças de esquerda em torno de objectivos comuns.

– A existência da UE (sem esquecer a NATO e outras formas de concertação capitalista) cria particulares exigências à acção comum dos comunistas. Historicamente a questão da integração capitalista europeia tem sido um sério factor de clivagem e de divisão entre partidos comunistas europeus. Com a ilusão de que a UE seria um contrapeso às pretensões hegemónicas dos EUA e de defesa do chamado «modelo social europeu» frente ao neoliberalismo do «modelo norte-americano», concepções de que foi expoente o «eurocomunismo» (e de modo destacado o desaparecido Partido Comunista Italiano), vários partidos comunistas perderam de vista, em nossa opinião, a natureza de classe da União Europeia. Como a prática mostrou, embora num quadro de rivalidades e contradições que a crise do capitalismo e do próprio processo de integração capitalista europeu tendem a avolumar, a UE evoluiu sempre num sentido mais neoliberal, militarista e federalista e estreitando sempre mais o seu relacionamento com os EUA.

7. O combate à UE dos grandes grupos econômicos e das grandes potências é uma tarefa fundamental dos comunistas. E não se trata de corrigir os seus «excessos liberais» ou as suas «políticas de austeridade». A UE é irreformável. Trata-se de romper com esta construção capitalista contrapondo-lhe uma outra Europa de paz, progresso e cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos. Para o povo português que luta para pôr fim a décadas de política de direita e em defesa da soberania de Portugal, que está a ser espezinhada pelas políticas e mecanismos supranacionais – como o Tratado Orçamental –, esta é uma questão decisiva. Não há possibilidade de realizar em Portugal uma política de desenvolvimento de acordo com os interesses do país e a vontade do povo português sem a ruptura com as imposições do Euro e da integração capitalista europeia. Na nossa opinião o que está a passar-se com o brutal estrangulamento da Grécia vem confirmar esta posição do PCP.

– As diferentes posições em relação à UE e ao modo de lutar contra as mais nefastas consequências das suas políticas não devem impedir a necessária cooperação dos partidos comunistas, e destes com outras forças de esquerda claramente demarcadas da social-democracia, em torno de questões concretas que vão desde a defesa dos direitos sociais e laborais, que estão a ser violentamente atacados, ao TTIP, da rejeição de medidas securitárias que põem em causa liberdades e direitos democráticos fundamentais a pretexto do «combate ao terrorismo» até à firme oposição ao militarismo e à agressão a outros povos.

É neste quadro que para além de iniciativas específicas de partidos comunistas, o PCP participa no Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu, um grupo muito heterogéneo mas útil para intervir contra aspectos particularmente negativos das políticas dominantes, defendendo o seu carácter confederal e preservando a completa independência do nosso Partido.

A diversidade de situações em cada país determina objectivos e tarefas imediatas também diversificadas e há também análises diversas sobre importantes questões da teoria, da história e da estratégia do movimento comunista internacional. Mas isso não deve constituir obstáculo à cooperação. Pela nossa parte, sem ignorar a importância de tais diferenças e mesmo divergências, consideramos que deve ser valorizado o que nos une e promover a acção comum ou convergente em torno de questões de interesse comum, como é o caso das celebrações do 70.º aniversário da Vitória sobre o nazi-fascismo com a posição comum adoptada por numerosos partidos comunistas.

8. Camaradas. O processo de transformação social é irregular e acidentado. O grande salto atrás que as derrotas do socialismo no final do século XX representaram e a complexidade da situação actual não devem levar a perder de vista a perspectiva histórica e a esquecer que a época actual é a época da passagem do capitalismo ao socialismo inaugurada com a Revolução de Outubro.

O imperialismo está na ofensiva, é ainda poderoso e mostra inesperada capacidade de adaptação e de recuperação. Mas está minado por contradições insanáveis, dominado pelo capital financeiro especulativo, revela-se cada dia que passa mais rentista, parasitário e decadente, incapaz de dar resposta às aspirações dos trabalhadores e aos grandes problemas da Humanidade. A alternativa do socialismo é mais actual do que nunca.

É certo que o movimento comunista e revolucionário não recuperou ainda de golpes sofridos. A situação é ainda globalmente de resistência e acumulação de forças. Mas a luta de classes é uma realidade, por toda a parte prossegue a resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos, e o nó de contradições de classe e nacionais é tão denso que grandes perigos coexistem com grandes possibilidades de desenvolvimento progressista e revolucionário.

Em tão complexa e incerta situação o mais importante para o PCP é rejeitar a ideologia que considera o capitalismo sistema histórico terminal, é defender e afirmar a sua identidade comunista e o objectivo de uma sociedade socialista, é confiar na classe operária e nas massas e na força poderosa da sua luta organizada. Não há caminho transformador que não passe pelo desenvolvimento perseverante da luta em cada país e pelo reforço da acção comum ou convergente dos partidos comunistas.


Partido Comunista Português - PCP



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