Krupskaia, educadora e líder bolchevique

Krupskaia, educadora e líder bolchevique
por José Levino


"Esteve ao lado de Lênin até o fim, cuidando dele com zelo na doença que o abate de vez, em 1924. Discursa na homenagem fúnebre, dizendo do companheiro: “Seu coração pulsou com imenso carinho por todos os trabalhadores, por todos os oprimidos. Ele não o dizia nunca, nem eu o diria, noutro momento menos solene, e digo isto agora porque foi um sentimento que herdou do heróico movimento revolucionário russo. Ele queria que o Poder pertencesse aos trabalhadores. Compreendia que a classe operária precisava do Poder não para gozar uma boa vida à custa dos demais trabalhadores; compreendia que a missão histórica da classe operária consiste em libertar todos os oprimidos, todos os trabalhadores. Esta ideia fundamental imprimiu sua marca a toda a atividade de Vladimir Ilitch. Camaradas comunistas, levantai mais alto a bandeira que Lênin amara, a bandeira do comunismo!”."

Não era apenas a esposa de Lênin. “Ela transmitia inabalável confiança, e a sua firmeza de espírito escondia uma rara modéstia, contaminava sempre com o seu ânimo todos aqueles que entravam em contato com a companheira do grande líder da Revolução de Outubro”, segundo testemunho de Alexandra Kollontai, outra líder bolchevique de primeira linha.

Nadezhda Konstantinovna Krupskaia nasceu em 26 de fevereiro de 1869, em São Petersburgo, capital do Império Russo e sua principal cidade industrial, filha de um oficial do Exército, Konstantin Krupski, e de uma professora, Elisabete Krupskaia. Apesar da origem nobre, a família era pobre; Konstantin não simpatizava com o regime czarista, chegando a ser processado sob acusação de boicotar ordens de superiores.

O pai comentava a exploração a que os operários eram submetidos nas fábricas. Krupskaia ficava revoltada e pensava que quando crescesse iria ajudar aqueles trabalhadores.

Tornou-se professora como a mãe. O pai faleceu quando ela ainda era muito jovem. Como a pensão era irrisória, ela e a genitora tiveram que trabalhar muito para sobreviver, mas Krupskaia arranjava tempo para dar aulas gratuitas aos filhos dos operários nos bairros populares. Nesse contato diário com os oprimidos, convenceu-se de que o tipo de ajuda que ela dava não era bastante. Era preciso mudar o sistema de exploração. Aos 21anos, conhece um círculo de estudos marxistas e se integra nele, começando aí sua militância revolucionária.

Casamento Revolucionário

Conheceu Lênin em 1893. Ele era um ano mais velho. Vinha de Kazan, onde concluíra Direito, estudara o marxismo e se integrara ao grupo revolucionário “Vontade do Povo”. Ora, se a classe operária era a única que poderia destruir o capitalismo, o lugar seria São Petersburgo, para onde se mudou. Krupskaia tornou-se sua secretária, companheira de estudos, auxiliava nas suas pesquisas e reflexões, além de estar sempre em contato direto com os operários. A ligação entre os dois foi se aprofundando e passaram a namorar; depois veio o casamento. Grande pensador e organizador que era Lênin, em pouco tempo havia em São Petersburgo 20 círculos de estudos do marxismo articulados na União de Luta pela Emancipação da Classe Operária. Era o germe do futuro Partido Bolchevique.

Lênin é preso em1895; Krupskaia, em 1896; ambos vão para o degredo na Sibéria, onde se casam. Trinta anos depois, escrevendo para um jornal, Krupskaia lembra: “Como renasce vivo diante de meus olhos aquele tempo de primitiva integridade e alegria de viver. Tudo parecia primitivo: a natureza, os cogumelos, a caça, o afetuoso círculo de amigos íntimos — faz precisamente 30 anos. Era em Minusinsk: passeios, canções, certa alegria ingênua comum. Em casa: mamãe, a economia doméstica primitiva, nossa vida, o trabalho em comum, as mesmas impressões e reações”. Mas foi um período de muito trabalho também em que colaborou com Lênin na escrita de obras como “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia”, bem como no planejamento da organização de um partido revolucionário e de um jornal que fosse o instrumento de aglutinação dos militantes em toda a Rússia. Dessas ideias, nasceria a “Iskra” (Centelha).

Da Sibéria, seguem para o exílio na Europa, onde, além de sempre auxiliar Lênin nas pesquisas, secretaria o jornal, acompanhando a organização da rede de colaboradores, organiza o transporte de cada edição até a fronteira com a Rússia e também redige seus próprios escritos, como o folheto “A Mulher Operária”, no qual enfatiza que a mulher sofre exploração ainda maior que os homens no trabalho (salários mais baixos, desrespeito – hoje conhecido como assédio moral e sexual) e cumpre a dupla jornada, pois em casa os companheiros operários não aceitam dividir as tarefas domésticas.

Em 1905, voltam clandestinamente para a Rússia, tendo em vista o levante operário que eclodiu. Moravam separadamente, por razões de segurança. Ela era a secretária do Comitê Central do Partido, documentando, relatando, organizando. Escreve para o escritor revolucionário Máximo Gorki: “A organização caminha de vento em popa. Parece que só agora começa a formar-se um verdadeiro Partido operário”.

Ainda era o Partido Operário Socialdemocrata da Rússia (POSDR), mas as frações menchevique e bolchevique já se delineavam. Os bolcheviques se organizam como partido de novo tipo em 1912, ano da retomada do movimento operário russo, que fora derrotado no final de 1905, levando mais uma vez Lênin e Krupskaia para o exílio. A atividade revolucionária não para. Em 1913, colabora do exterior com a fundação de um jornal legal voltado para a mulher operária da Rússia, o “Rabótniza”.

Educando para construir o socialismo

O novo retorno só aconteceria em 1917, ano da Revolução. Eis as impressões de Krupskaia: “Quando, depois de muitos anos de desterro, voltei à Rússia, em abril de 1917, e cheguei a Petrogrado (São Petersburgo, na época), o movimento da juventude operária já tinha grande amplitude. Comecei a observá-lo atentamente, frequentando as reuniões juvenis. A onda revolucionária tinha se apoderado da juventude com uma força extraordinária; a juventude estava em ebulição, era atraída pela luta, pela nova vida”.

Nesse período, se instala no bairro operário de Viborg, onde desenvolve um trabalho de alfabetização de operários e de organização de sovietes.

Após a Revolução Bolchevique de outubro de 1917, é nomeada Comissária da Educação, desenvolvendo a adequação do ensino à nova sociedade, dentro dos seguintes princípios: “O governo operário e campesino, que resguarda o interesse das massas populares, deve eliminar o caráter de classe da escola, deve fazer a escola de todos os graus acessíveis para todos os setores da população e deve fazê-lo não em palavra, mas de fato. A instrução seguirá sendo privilégio classista da burguesia enquanto não se modifiquem os objetivos da escola. A população está interessada em que as escolas primárias, secundária e superior tenham um mesmo objetivo: educar indivíduos integralmente desenvolvidos, com instintos sociais conscientes e organizados, possuidores de uma visão de mundo refletiva e íntegra, que tenham clara compreensão de tudo o que ocorre ao seu redor na natureza e na vida social; indivíduos preparados na teoria e prática para todo o gênero de trabalho, tanto manual como intelectual, que visam a construir uma vida social razoável, abundante, formosa e alegre. Tais indivíduos fazem falta à sociedade socialista, sem eles não pode materializar-se cabalmente o socialismo”. (Contribuição ao tema da escola socialista – 1918). E não deixa de realizar sua grande paixão: criar jardins de infância, creches, escolas de crianças e pioneiros. Comenta com a mãe de um garoto: “Não sabes com que rapidez consigo ganhar a simpatia das crianças, sei brincar com elas de um modo que imediatamente começam a querer-me”. Incansável até o último dia

Esteve ao lado de Lênin até o fim, cuidando dele com zelo na doença que o abate de vez, em 1924. Discursa na homenagem fúnebre, dizendo do companheiro: “Seu coração pulsou com imenso carinho por todos os trabalhadores, por todos os oprimidos. Ele não o dizia nunca, nem eu o diria, noutro momento menos solene, e digo isto agora porque foi um sentimento que herdou do heróico movimento revolucionário russo. Ele queria que o Poder pertencesse aos trabalhadores. Compreendia que a classe operária precisava do Poder não para gozar uma boa vida à custa dos demais trabalhadores; compreendia que a missão histórica da classe operária consiste em libertar todos os oprimidos, todos os trabalhadores. Esta ideia fundamental imprimiu sua marca a toda a atividade de Vladimir Ilitch. Camaradas comunistas, levantai mais alto a bandeira que Lênin amara, a bandeira do comunismo!”.

E continuou seu trabalho educativo incessante sob o comando de Stálin: o trabalho escolar, os clubes e bibliotecas, os destacamentos de pioneiros, a literatura para a juventude e a infância, o estudo científico dos problemas de pedagogia, etc. Era membro do Comitê Central e deputada do Soviete Supremo.

8 de março é dia de luta

Durante o exílio, Krupskaia participou da organização da III Internacional Comunista e de várias conferências de mulheres, tendo sido, junto com Clara Zetkin (ver A Verdade, nº 134), uma das maiores incentivadoras da criação do Dia Internacional de Luta das Mulheres.

Depois da Revolução, o 8 de março passa a ser feriado na Rússia, como Dia de Luta das Mulheres, uma proposta da deputada Alexandra Kollontai, apoiada entusiasticamente por Krupskaia, que, como Comissária da Educação, incentivava a realização de atividades também nas outras datas comemorativas: Dia da Juventude, Dia da Constituição, Dia do Exército Vermelho, o 1º de Maio, o 7 de Novembro, etc.

No dia 26 de fevereiro de 1939, o Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, o Conselho de Comissários do Povo, as organizações do Partido, os órgãos soviéticos e as organizações sociais celebraram o aniversário de 70 anos da grande lutadora pela causa do comunismo, dedicada e incansável companheira de vida e de luta de Lênin. Na madrugada do dia seguinte, 27 de fevereiro de 1939, falece Nadezhda Krupskaia.

Em 1977, a ONU oficializa o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, que deixa de ser um dia de luta para ser apenas um dia de homenagens (muitas vezes falsas) e distribuição de rosas. Resgatar o 8 de março como Dia de Luta da Mulher trabalhadora é honrar a memória das grandes revolucionárias como Krupskaia e dar seguimento à verdadeira luta de libertação.

José Levino é historiador

Fonte: Figuras do Movimento Operário: Nadezhda Krupskaia, por C. Bobrovskaia, artigo traduzido e publicado pela revista Problemas, nº 27, junho de 1950.


Texto extraido do Jornal a Verdade



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