EUA:Assassínio policial na Carolina do Sul

Assassínio policial na Carolina do Sul
por Joseph Kishore


"A repressão policial no interior dos Estados Unidos é a expressão doméstica dos mesmos métodos que a classe dominante emprega para defender no estrangeiro os seus interesses, através de infindáveis guerras e assassínios por meio de drones. Dentro do país, a aristocracia das corporações e da finança, que acumulou a sua riqueza por meios fraudulentos e criminosos, está instalada sobre um sistema minado pela crise, com níveis historicamente sem precedentes de desigualdade ameaçando desencadear conflitos sociais explosivos. Responde-lhes com violência e brutalidade."
Funcionários na Carolina do Sul processaram o agente da polícia de North Charleston Michael Slager pelo assassínio de Walter Scott, de cinquenta anos, pai de quatro crianças, no passado sábado. Esta decisão apenas se verificou após a divulgação de um vídeo do assassínio, gravado no telemóvel por uma testemunha e enviado para o New York Times por um advogado da família de Scott.

O vídeo mostra uma inequívoca acção de assassínio e tentativa de encobrimento. Scott e Slager estão num lote desocupado. Scott, desarmado, começa a fugir de Slager, que saca da arma e dispara oito balas nas costas de Scott, a uma distância de cerca de seis metros.

O agente policial depois caminha calmamente até junto de Scott, gritando ao homem imóvel que ponha as mãos atrás das costas. Com Scott inerte, Slager algema-o. Corre depois para o local do confronto inicial, pega no que aparente ser uma arma Taser imobilizadora, e deixa-a cair junto do corpo sem vida. Um segundo agente que entretanto chegou ao local testemunha a tentativa de simulação.

Não são feitas quaisquer tentativas de reanimação ou qualquer outra forma de assistência a Scott, que está de borco caído na lama. Será depois declarado morto no local.

O assassínio de Scott não evidencia apenas a violência selvagem com que a polícia diariamente actua em cidades americanas, mas o modus operandi utilizado para justificar estas acções. No período de tempo que mediou entre o assassínio e a divulgação do vídeo, a polícia e os funcionários locais, bem como os meios de comunicação, difundiam as habituais mentiras e justificações.

O agente policial “sentira-se ameaçado no último fim-de-semana quando um condutor que mandara parar tentou dominá-lo e tirar-lhe o Taser,” dizia na segunda-feira o jornal local de Charleston, Carolina do Sul Post and Courier. O mesmo jornal prosseguia dizendo que Scott tinha cadastro criminal e que o polícia temera pela sua vida. Que os agentes tinham feito tentativas de reanimação e tentado socorrer, informava, mas que nada resultara.

Citava-se a afirmação do advogado de Slater de que fora apenas um “trágico incidente.”

Tudo mentiras que só as imagens vídeo permitiram desmascarar. Walter Scott Sr., pai da vítima, observou no decurso de uma entrevista na NBC que, sem o vídeo, “nada teria sido revelado. Teriam varrido a questão para debaixo do tapete, como fizeram com muitos outros casos.” E acrescentou: “Pela forma como disparava, parecia que estava a tentar atingir uma peça de caça.”

O assassínio de Scott é horrível, mas não constitui uma aberração. Segundo killedbypolice.net, só no ano em curso 132 pessoas foram mortas em todo o país por agentes policiais, o que dá uma média de mais de três por dia. A manter-se este ritmo, o número de pessoas mortas este ano pela polícia irá ultrapassar as 1100 do ano passado.

Alguns dos incidentes mais recentes incluem:

* Philip White, 32, em Vineland, New Jersey, a 31 de Março. Um vídeo mostra o desarmado White, caído no chão, sendo espancado pela polícia e mordido na cara por um cão polícia. Vê-se um agente tentando confiscar o telemóvel da pessoa que gravou a detenção. White morreu depois naquilo que o chefe da polícia de Vineland Timothy Codispoty designou como uma “morte em detenção não resultante de disparos.”

* Eric Harris, 44, em Tulsa, Oklahoma, a 2 de Abril. Um agente da polícia alega que alvejou o desarmado Harris quando o detinha, usando “inadvertidamente” a pistola em vez do Taser.

* Justus Howell, 17, em Zion, Illinois, a 4 de Abril. Howell morreu em resultado de dois ferimentos por ama de fogo nas costas. A Polícia alegou que ele tentara anteriormente roubar uma arma, mas não existem indícios de que constituísse qualquer ameaça para os agentes. Não existe vídeo do assassínio.

* Homem não identificado em Phoenix, Arizona, a 4 de Abril. A polícia diz que o homem, manifestamente sofrendo de perturbação mental, tinha estado a esfaquear-se a si próprio em plena rua. Uma notícia local informa que quando os agentes chegaram “se diz que o correu para eles. “Sentiram-se ameaçados e dispararam.”

A mesma história-padrão é repetida vezes sem conta. Aos agentes da polícia, armados até aos dentes com equipamento de características militares, foi dada licença para matar que utilizam com chocante regularidade e quase sempre com completa impunidade legal.

Slager deve ser condenado pela sua acção e punido com a maior severidade que a lei permita. Todos aqueles que procuraram encobrir o assassínio devem também ser presos e levados a julgamento.

Entretanto, isto é apenas o início da verdadeira prestação de contas. O Estado é, no seu conjunto, responsável pelo desenvolvimento daquilo que, na realidade, é uma força paramilitar de ocupação, composta por esquadrões da morte e actuando ao abrigo da lei.

Passam hoje exactamente oito meses desde o assassínio, a 9 de Agosto, de Michael Brown em Ferguson, Missouri, que provocou indignação popular e manifestações por todo o país. O situacionismo político respondeu orquestrando a exoneração do agente da polícia Darren Wilson, orquestração que incluiu, no mês passado, a decisão da administração Obama de não instaurar um processo por violação de direitos civis. A transferência maciça de equipamento militar para forças policiais locais tem prosseguido ao mesmo ritmo.

Isto foi interpretado pela polícia como luz verde para a escalada da sua furiosa acção mortífera, resultando em pelo menos 746 mortes desde o assassínio de Brown.

O comportamento homicida evidente nas acções de Slager e nas de um incontável número de outros reflecte uma mentalidade deliberada e sistematicamente cultivada na polícia. A população não tem direitos. Qualquer acto de desobediência pode tornar-se um delito capital. As vidas dos trabalhadores e dos pobres são descartáveis.

Os comentários nos media sobre o assassínio de Scott têm-se centrado no facto de que Scott é negro Slager é branco. Entretanto, a violência policial na América, e a determinação do Estado na defesa desta violência, não podem ser explicadas simplesmente e antes de tudo pela referência ao racismo, independentemente do papel que este possa desempenhar neste ou naquele caso particular. O foco na questão racial tem o objectivo de obscurecer questões mais de fundo.

A repressão policial no interior dos Estados Unidos é a expressão doméstica dos mesmos métodos que a classe dominante emprega para defender no estrangeiro os seus interesses, através de infindáveis guerras e assassínios por meio de drones. Dentro do país, a aristocracia das corporações e da finança, que acumulou a sua riqueza por meios fraudulentos e criminosos, está instalada sobre um sistema minado pela crise, com níveis historicamente sem precedentes de desigualdade ameaçando desencadear conflitos sociais explosivos. Responde-lhes com violência e brutalidade.

Nas mortíferas acções da polícia identificamos a realidade da dominação de classe na América.




Fonte: O Diário


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