A pobreza e o empobrecimento

A pobreza e o empobrecimento
por ARMINDO MIRANDA


"Tendo como alicerce a exploração, fabulosos lucros directos e verbas dos orçamentos de Estado, roubadas aos salários dos trabalhadores, às pensões e reformas, são transferidos para os grupos económicos e banqueiros, autênticos parasitas da desgraça alheia. Assim, num tempo em que reaparecem doenças dadas como vencidas num passado recente, em que para milhões de seres humanos é cada vez mais difícil o acesso a serviços de saúde, em que morrem diariamente centenas de milhares de pessoas, das quais mais de 30 mil crianças devido a causas para as quais a ciência tem solução, os capitalistas, donos dos meios de produção e da indústria do medicamento, colocam os avanços da ciência ao serviço dos seus interesses de classe e aumentam de forma escandalosa e desumana os seus lucros."
"A grande burguesia incomodada, mas sobretudo inquieta, com as consequências sociais e políticas do alastramento da pobreza, no plano ideológico faz passar a ideia de que a pobreza é uma fatalidade que atinge quem não tem sorte, quem não se esforça, ou quem não quer trabalhar. Daqui conclui que a responsabilidade última das situações de pobreza radica nos próprios pobres. Outra linha ideológica que tem vindo a perder eficácia mas que a classe dominante continua a difundir, consiste em tentar reduzir as margens da percepção da pobreza isolando-a nas situações extremas de miséria, como pedintes ou sem abrigo, entre outros. Esta visão da pobreza convém ao grande capital dando força à ideia assistencialista ainda muito generalizada de que é apenas necessário garantir a sobrevivência dos pobres sem contudo alterar a sua situação. Como se alguém desejasse a pobreza como forma de vida!"


A crise do capitalismo está a acentuar o seu carácter explorador, opressor e desumano e a aprofundar o fosso entre uma enorme massa de seres humanos e uma elite multimilionária.

Segundo o «Relatório de Desenvolvimento Humano de 2014» da UNESCO, em cerca de 1,5 bilião de pessoas de 91 países abrangidos mais de 1/3 vive na pobreza, 1,2 bilião vive com 1,25 dólar por dia e cerca de 800 milhões está em risco de cair nesse estado de degradação social.

Um relatório da Oxfam de Janeiro de 2014 indica que os 85 indivíduos mais ricos do mundo possuem uma riqueza combinada igual à de 50% da população mais pobre do planeta, isto é, 3,5 mil milhões de pessoas.

Milhões de trabalhadores são empurrados para o desemprego, a maioria dos quais acaba na situação de pobreza.

Segundo a ONU, anualmente morrem mais de 36 milhões de seres humanos devido à fome e, em média, morrem por minuto 70 pessoas por falta de alimentos.

O número de quem vive abaixo do limiar da pobreza tem vindo a aumentar mesmo na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Estudos recentes divulgados nos EUA, o país que mais gasta em despesas militares, refere que a pobreza está em crescimento e atinge valores nunca vistos desde 1960. Em 2012, os 1% mais ricos nos EUA arrebataram 25% dos rendimentos totais do país.

Um trabalho sobre a pobreza infantil envolvendo 35 países, incluindo Portugal, Grécia e Espanha, refere que os EUA ocupam o 34.º lugar, apenas seguido pela Roménia. Nos EUA, país com elevado número de pessoas que sobrevive graças a cupões alimentares, a mortalidade infantil aumentou 50% desde 1990, atingindo a média mais elevada dos países desenvolvidos.

Ainda nos EUA, a dívida estudantil contraída em empréstimos bancários para concluir cursos é uma bolha insustentável. Chega já a um bilião de dólares e não pára de crescer. Trata-se de uma bomba ao retardador na medida em que, acabados os cursos, os estudantes ao não conseguirem emprego ficam sem poder saldar a dívida.

Segundo dados da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), actualizados em Março de 2014, a situação na UE é também de agravamento das desigualdades sociais e da pobreza. «Entre a população da UE27, em 2011, 20% da população com rendimento disponível mais elevado recebia 5 vezes mais do que 20% da população com o mais baixo rendimento disponível». «Em 2012, 24,8% da população da UE28 vivia em agregados familiares em situação de pobreza e exclusão social… e mais 17% da população encontrava-se em risco de pobreza», verificando-se «que continuam a ser as crianças o grupo mais vulnerável a situações de pobreza.»

Tudo isto acontece num tempo em que os avanços e conquistas da ciência e da técnica, se postos ao serviço da humanidade, possibilitariam níveis de desenvolvimento e emancipação do ser humano nunca antes experimentados. E que só não se verificam porque, a par desta dramática situação para milhões de seres humanos, cresce em igual proporção a concentração da riqueza.

Tendo como alicerce a exploração, fabulosos lucros directos e verbas dos orçamentos de Estado, roubadas aos salários dos trabalhadores, às pensões e reformas, são transferidos para os grupos económicos e banqueiros, autênticos parasitas da desgraça alheia. Assim, num tempo em que reaparecem doenças dadas como vencidas num passado recente, em que para milhões de seres humanos é cada vez mais difícil o acesso a serviços de saúde, em que morrem diariamente centenas de milhares de pessoas, das quais mais de 30 mil crianças devido a causas para as quais a ciência tem solução, os capitalistas, donos dos meios de produção e da indústria do medicamento, colocam os avanços da ciência ao serviço dos seus interesses de classe e aumentam de forma escandalosa e desumana os seus lucros.

A contradição entra o carácter social de produção e a apropriação privada – que Marx identificou como a contradição fundamental do capitalismo – é flagrante e tem de ser resolvida pela luta revolucionária dos povos. Os principais meios de produção agora privados, têm de passar a ter carácter social em conformidade com o carácter social da produção de medicamentos, de bens alimentares e outros bens essenciais à vida do ser humano. Neste quadro em que a natureza exploradora do capitalismo é cada vez mais evidente, reforça-se a actualidade do projecto comunista e a necessidade de partidos comunistas com independência política, orgânica e ideológica em relação aos interesses do capital. Partidos da classe operária e dos trabalhadores em geral. Dos explorados e oprimidos.

Em Portugal, os trabalhadores, os reformados e pensionistas, os jovens, os pequenos e médios empresários, o povo em geral, vivem uma situação preocupante e em muitos casos dramática. À medida que uma imensa maioria vê as suas vidas destruídas, prossegue o saque dos recursos nacionais e crescem as desigualdades sociais. Os ricos estão cada vez mais ricos. A pobreza e o empobrecimento alastram por todo o país.

A grande burguesia incomodada, mas sobretudo inquieta, com as consequências sociais e políticas do alastramento da pobreza, no plano ideológico faz passar a ideia de que a pobreza é uma fatalidade que atinge quem não tem sorte, quem não se esforça, ou quem não quer trabalhar. Daqui conclui que a responsabilidade última das situações de pobreza radica nos próprios pobres. Outra linha ideológica que tem vindo a perder eficácia mas que a classe dominante continua a difundir, consiste em tentar reduzir as margens da percepção da pobreza isolando-a nas situações extremas de miséria, como pedintes ou sem abrigo, entre outros. Esta visão da pobreza convém ao grande capital dando força à ideia assistencialista ainda muito generalizada de que é apenas necessário garantir a sobrevivência dos pobres sem contudo alterar a sua situação. Como se alguém desejasse a pobreza como forma de vida!

Só que a realidade nada tem a ver com isto e desmonta ela própria esta perversa visão da pobreza. No nosso país caminhamos para cerca de 3 milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza, destes cerca de 1/3 são assalariados. Segundo o MURPI haverá em Portugal «cerca de dois milhões de pessoas idosas, vítimas da pobreza, exclusão social, solidão e doença incapacitante».

Perante este flagelo social, o Governo propagandeia que não esquece os que mais precisam, uma falácia que pretende ocultar a substituição de direitos pelo assistencialismo e a esmola, e fica à espera que o pobre agradeça em vez de exigir os seus direitos. Enquanto isso, persiste em aprofundar as causas geradoras da pobreza: baixos salários, pensões e reformas; desemprego; roubo nos salários e nas pensões e insuportável carga fiscal que reduz drasticamente o rendimento das famílias; agravamento da exploração dos trabalhadores, com a transferência directa dos rendimentos do trabalho para o capital através da redução de salários, do aumento do horário de trabalho, do não pagamento do trabalho extraordinário, entre outros. Uma realidade que se ampliou com a drástica desvalorização de um conjunto de prestações sociais, nomeadamente o Rendimento Social de Inserção, e da cobertura da protecção social no desemprego, na doença e na velhice. Foi ainda a retirada do abono de família a mais de 500 mil crianças. As despesas com a educação que retiram anualmente às famílias com dois ou mais filhos uma média de 1078 euros. As despesas com a saúde que os portugueses pagam já em mais de 50% do total. Os aumentos das despesas com transportes, habitação, etc.

É por estas razões e não outras que a fome e a miséria grassam nos lares de muitos portugueses, como é denunciado por diversas instituições nacionais e internacionais. No lar de milhares de famílias – mais de 500 mil –, a fome ou já se sentou à mesa, ou anda a rondar a casa. E todos os dias milhares de crianças transportam consigo para a escola a fome – o mais vil atentado contra os direitos humanos.

Enquanto isso, aumentam escandalosamente a riqueza e os lucros do grande capital. Referindo dados de 2012, revistas da especialidade dão nota que as 25 maiores fortunas aumentaram 2,3 mil milhões de euros, estando avaliadas em 16,7 mil milhões de euros, 10% do PIB. E em 2013, dados vindos a público referem que não só aumentou o número de multimilionários (800 para 870, com fortunas superiores a 25 milhões de euros) como o valor global das suas fortunas passou de 90 para 100 mil milhões de dólares (mais 11%).

Entretanto, os grandes capitalistas continuam a receber milhões e milhões pelos ruinosos negócios das chamadas Parcerias Público Privadas.

E enquanto milhares de crianças levam diariamente a fome para a escola, uma vergonha nacional sem direito a notícia de rodapé, em 2013 um único banqueiro (BANIF) recebeu do Estado, em média, 3 milhões de euros por dia.

Só nos últimos três anos, os juros pagos de uma dívida em grande parte ilegítima ultrapassam os 20 mil milhões de euros.

Vejamos o que pensa sobre esta grande «ajuda« das troikas um ex-conselheiro de Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, de seu nome Philippe Legrain, em entrevista ao Diário Económico no início deste ano: «Os resgates de Portugal e Grécia foram sobretudo resgates para salvar os bancos Alemães e Franceses de empréstimos irresponsáveis (...) Os governos puseram os interesses dos bancos à frente dos interesses dos cidadãos. Nalguns casos porque identificam os bancos como campeões nacionais a proteger. Noutros por causa de uma relação quase corrupta entre bancos e políticos. Muitos políticos seniores ou trabalharam para bancos anteriormente ou esperam trabalhar depois.»

Segundo dados do INE (Rendimentos e Condições de Vida), em 2012, 20% da população com mais rendimentos recebia aproximadamente seis vezes mais o rendimento dos 20% da população com rendimentos mais baixos. Esta desigualdade é ainda mais escandalosa quando verificamos que 10% dos mais ricos aufere 10,7% vezes o rendimento dos 10% da população mais pobre.

Esta injusta realidade social, com grande agravamento nos últimos anos, é consequência directa da política de direita levada a cabo pelo PS, PSD e CDS, geradora deste flagelo social a que é preciso pôr termo. E hoje são já milhares de homens e mulheres, que antes defendiam a tal concepção assistencialista, que estão disponíveis para lutar pela erradicação da pobreza. Muitos trabalham em IPSS, outros em centenas de associações e grupos mais ou menos organizados e estruturados que intervêm nessa área. A grande maioria são católicos praticantes ou activistas sociais que, a partir da doutrina e motivações em que acreditam, são envolvidos sem qualquer interesse material em iniciativas com vista a colmatar as consequências imediatas da pobreza. Muitos já concluíram que a sociedade não está dividida entre católicos e comunistas, mas sim entre explorados e exploradores e que na classe dos explorados há católicos, comunistas, não comunistas, ateus, entre outros oprimidos. Sobretudo, tem vindo a crescer a consciência de que a pobreza configura uma violação dos direitos humanos e que os governos e a UE deveriam criar condições para combatê-la. Mas, não obstante o anúncio de programas para a sua erradicação, a pobreza continua a aumentar todos os dias, nomeadamente no nosso País.

De qualquer forma, por iniciativa da Comissão Nacional Justiça e Paz, a Assembleia da República declarou, em 2008, por consenso, em duas resoluções (10/2008, de 19 de Março e 31/2008, de 23 de Julho) a pobreza como uma violação dos direitos humanos e cometeu aos governos a tarefa de implementar as políticas públicas no sentido de erradicar a pobreza no nosso país. O terem ficado esquecidas na gaveta, de onde foram tiradas pelo Grupo Parlamentar do PCP por altura do dia internacional da luta contra a pobreza, não lhes retira a importância política e mostra a existência de excelentes condições objectivas para alargar a luta pela erradicação da pobreza. Sem esquecer que a luta se trava em primeiro lugar nas empresas e locais de trabalho, esta luta coloca às organizações do Partido a necessidade de, a partir de cada realidade concreta, tomarem medidas que levem à dinamização de acções de esclarecimento, de protesto, de luta e de convergência, em que os militantes do Partido participem ao lado de todos aqueles que consideram a pobreza indigna do ser humano e estejam disponíveis para lutar pela sua erradicação. Nos últimos meses tiveram já lugar, em várias regiões do país, diversas acções com este objectivo. As potencialidades para alargar este trabalho são enormes, gerando condições para aumentar o prestígio e a influência do Partido, assim como de recrutamento.

Conhecemos as causas e temos soluções para libertar o nosso povo deste flagelo social, estamos a discuti-las com o povo português com a iniciativa em curso – «A força do povo por um Portugal com futuro» –, em que damos conteúdo concreto à política patriótica e de esquerda que defendemos para o nosso país. Dar a conhecê-las, discuti-las e ouvir e aprender com os outros, fazer com que cada vez mais homens e mulheres se sintam irmanados connosco na luta que travamos por uma justa distribuição da riqueza é tarefa de todos os militantes e organizações do Partido. Dinamizando a luta pela erradicação da pobreza alargamos a frente social de luta que acabará por impor a alternativa política para o país, retomando os valores de Abril no futuro de Portugal. Alargamos também a estrada que há-de levar-nos à concretização do projecto do Partido, no qual, pela sua nobreza, pelo seu carácter emancipador e libertador, a pobreza não tem lugar porque dele está arredada a exploração do homem por outro homem. O Socialismo.


Armindo Miranda



Fonte: Revista O Militante TEMA, EDIÇÃO Nº 332 - NOV/DEZ 2014




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