A directiva sobre o tempo de trabalho

A directiva sobre o tempo de trabalho
por Miguel Viegas
"Confirmando-se como ponta-de-lança ao serviço do capital, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu aprovam em 1993 a primeira directiva, procurando, através de um denominador comum, nivelar por baixo as normas relativas ao tempo de trabalho. Desta forma, a flexibilidade laboral é introduzida com a consagração das 48 horas como limite máximo num período de referência de quatro meses. A directiva é revista em 2003 com o objectivo de «clarificar» conceitos. Um destes prende-se com o trabalho nocturno que apenas é considerado como tal entre as 24 e as 5 horas da manhã, muito abaixo como é sabido de muitas legislações nacionais. Ainda assim qualquer país pode optar pelo «opt-out» e ultrapassar estes limite como o fará o Reino Unido onde a semana de trabalho pode ir às 80 horas sem pagamento de horas extraordinárias. Mais tarde, o Conselho e a Comissão Europeia voltam à carga, tentando consagrar em letra de lei uma interpretação judicial que pretende excluir os períodos inactivos do tempo de trabalho. Não contente com isto pretende igualmente alargar para um ano o período de referência e rever a cláusula de «opt-out», impondo um limite de 65 horas desde que haja «acordo» do trabalhador. Felizmente estava-se em vésperas de eleições e a proposta de revisão da directiva foi chumbada no Parlamento Europeu em 2008, sob o aplauso de milhares de trabalhadores em luta."

«A jornada de trabalho não é uma grandeza constante. Uma das suas partes é determinada pelo tempo necessário para a reprodução da força de trabalho mas o seu tamanho global varia de acordo com a duração do sobre-trabalho. A jornada de trabalho é desta forma variável. O capitalista mantém os seus direitos como um comprador quando ele tenta estender este dia o maior tempo possível (...), por outro lado, o trabalhador mantém o seu direito, como vendedor, quando quer limitar a jornada de trabalho. Entre estes dois direitos iguais quem decide? A força. É por isso que a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na história da produção como uma luta secular para os limites da jornada de trabalho».

(Karl Marx, O Capital, Livro 1, Volume I).

Desde a revolução industrial que a duração da jornada de trabalho está no cerne da luta de classes. Com avanços e recuos em função da correlação de forças existente, foi a luta organizada dos trabalhadores ao longo de todo o século XIX e XX que permitiu a redução da jornada de trabalho sem diminuição de salários. Os anos 80 e 90 marcam um culminar desta luta com a imposição em muitos países e sectores da semana das 35 horas. Em França a redução para as 35 horas semanais, iniciada em 1982 e finalizada em 1997, leva à criação só naquele país de cerca de 500 mil postos de trabalho.

O grande capital, como é fácil entender, nunca se conformou com estas derrotas e cedo começou a usar todos os instrumentos para reverter a duração da jornada de trabalho a seu favor. O grande patronato europeu, através das suas diversas ramificações nacionais procura desde então trabalhar em várias frentes. Procura aumentar a jornada normal de trabalho, com êxitos assinaláveis na Alemanha, contando sempre com o habitual contributo da social-democracia do SPD. Procura impor mecanismos de flexibilização dos horários de trabalho. Procura, finalmente, afastar os sindicatos dos instrumentos de gestão do tempo de trabalho, deslocando os respectivos centros de decisão e negociação para dentro das empresas. Sob o quadro de uma concorrência internacional acrescida, aumenta a pressão sobre a jornada de trabalho cujo alongamento é apresentado como único meio de manter o salário e a competitividade da empresa. A criação de um enorme exército de reserva e a ameaça do desemprego reforçam os argumentos patronais, contribuindo assim para iniciar a fase de regressão social em que nos encontramos.

É neste cenário que deve ser analisada a evolução da política da União Europeia relativamente a esta matéria. Confirmando-se como ponta-de-lança ao serviço do capital, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu aprovam em 1993 a primeira directiva, procurando, através de um denominador comum, nivelar por baixo as normas relativas ao tempo de trabalho. Desta forma, a flexibilidade laboral é introduzida com a consagração das 48 horas como limite máximo num período de referência de quatro meses. A directiva é revista em 2003 com o objectivo de «clarificar» conceitos. Um destes prende-se com o trabalho nocturno que apenas é considerado como tal entre as 24 e as 5 horas da manhã, muito abaixo como é sabido de muitas legislações nacionais. Ainda assim qualquer país pode optar pelo «opt-out» e ultrapassar estes limite como o fará o Reino Unido onde a semana de trabalho pode ir às 80 horas sem pagamento de horas extraordinárias. Mais tarde, o Conselho e a Comissão Europeia voltam à carga, tentando consagrar em letra de lei uma interpretação judicial que pretende excluir os períodos inactivos do tempo de trabalho. Não contente com isto pretende igualmente alargar para um ano o período de referência e rever a cláusula de «opt-out», impondo um limite de 65 horas desde que haja «acordo» do trabalhador. Felizmente estava-se em vésperas de eleições e a proposta de revisão da directiva foi chumbada no Parlamento Europeu em 2008, sob o aplauso de milhares de trabalhadores em luta.

Em Março de 2010, a Comissão Europeia decidiu iniciar mais um período de consulta aos parceiros sociais com vista à completa revisão da directiva sobre o tempo de trabalho. Voltam a estar em cima da mesa o período de referência, o período inactivo e a necessidade de flexibilizar ainda mais os horários de trabalho. As declarações da Business Europe, organização que representa o patronato europeu, não poderiam ser mais claras: «O trabalhador assalariado deve ter a possibilidade de trabalhar para lá das 48 horas semanais se assim o desejar. Os assalariados não devem estar limitados por uma legislação europeia demasiado severa».1 Entretanto não foi possível chegar a nenhum acordo. A bola está portanto do lado da Comissão Europeia que deverá pronunciar-se a breve prazo. Todo o cuidado é pouco...

1 http://www.businesseurope.eu/content/default.asp?PageID=651




Fonte: AVANTE



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