Máximo Gorki - Resposta a um intelectual

Stálin e Gorki
Resposta a um intelectual
Máximo Gorki


"Os ideólogos do capitalismo são completamente estranhos à ideia do homem enquanto fonte imensa de energia intelectual. Apesar dos truques e floreados verbais, a ideologia dos protagonistas da submissão da maioria à minoria é essencialmente animalesca. O Estado de classe foi construído sobre uma espécie de jardins zoológicos, onde todos os animais estão fechados em jaulas de ferro. No Estado de classe, estas jaulas, mais ou menos bem construídas, servem para aprisionar as ideias que, dividindo a humanidade, tornam impossível o desenvolvimento da consciência que cada homem tem dos seus interesses e impedem o crescimento de uma cultura real única do homem."

" Está suficientemente claro que os chefes políticos da Europa servem, não os interesses «da nação» em geral, mas apenas o interesse dos grupos capitalistas mutuamente hostis. Esta hostilidade mercantil das camadas sociais absolutamente irresponsáveis perante as nações provocou uma série de crimes contra a humanidade, como a carnificina mundial de 1914-1918; aprofundou a desconfiança mútua entre as nações, transformou a Europa numa série de campos fortificados; delapida uma quantidade enorme de trabalho do povo, ouro e ferro para a produção massiva de máquinas de morte. Esta hostilidade dos capitalistas entre si é agravada pela crise econômica mundial que, esgotando as forças físicas das «nações», diminui o crescimento das forças intelectuais; esta hostilidade dos rapaces entre si serve-vos para a organização de uma nova carnificina mundial."

"No mundo capitalista desenvolve-se, de modo cada vez mais encarniçado, a luta pelo petróleo, o ferro, os armamentos, para uma nova carnificina que custará a vida a milhões de homens, 
pelo direito à opressão política e econômica da maioria pela minoria."
Escreveis :

«Muitos intelectuais europeus começam a sentir que são gente sem pátria e o nosso interesse pela vida da Rússia aumenta, mas não compreendemos ainda o que se passa no país dos Sovietes.»

Na União Soviética desenrola-se a luta entre a vontade inteligentemente organizada das forças do trabalho contra as forças da natureza e as «forças naturais» do homem, cuja essência não é outra coisa senão um anarquismo instintivo do indivíduo educado por séculos de opressão no Estado de classe. Esta luta constitui o sentido principal da atualidade da União dos Sovietes.

Não se pode compreender o sentido profundo do processo revolucionário e cultural da antiga Rússia senão considerando-o como uma luta pela cultura e pela criação cultural.

Vós, homens do ocidente, adotais para com o povo da URSS um ponto de vista que não posso julgar digno de homens que se consideram representantes de uma cultura que deve ser aceite pelo mundo inteiro, pois este ponto de vista é o do comerciante a respeito do comprador, do credor a respeito do devedor.

Recordais-vos que a Rússia czarista vos emprestou dinheiro e aprendeu convosco a refletir. Mas esqueceis-vos que os empréstimos renderam grandes lucros aos vossos industriais e aos vossos comerciantes, que a ciência russa dos séculos XIX e XX participou poderosamente na vaga geral do trabalho científico da Europa e que, agora, enquanto o vosso potencial de criação artística se esgota tão tristemente e tão visivelmente, vós não viveis senão graças às forças, às ideias e às imagens da arte russa. Não negareis que a música e a literatura como a ciência russas se tornaram há muito tempo atributo de todo o mundo letrado.

Pareceria que um povo que, num século, soube elevar o seu poder de criação espiritual a um nível que a Europa levou vários séculos a atingir, este povo, tendo tido atualmente a possibilidade de criar livremente, merece uma atenção mais séria que aquela que lhe é prestada pelos intelectuais da Europa.

Não será tempo para vos colocardes resolutamente a questão das diferenças entre os objetivos perseguidos pela Europa burguesa e os povos da União dos Sovietes? Está suficientemente claro que os chefes políticos da Europa servem, não os interesses «da nação» em geral, mas apenas o interesse dos grupos capitalistas mutuamente hostis. Esta hostilidade mercantil das camadas sociais absolutamente irresponsáveis perante as nações provocou uma série de crimes contra a humanidade, como a carnificina mundial de 1914-1918; aprofundou a desconfiança mútua entre as nações, transformou a Europa numa série de campos fortificados; delapida uma quantidade enorme de trabalho do povo, ouro e ferro para a produção massiva de máquinas de morte. Esta hostilidade dos capitalistas entre si é agravada pela crise econômica mundial que, esgotando as forças físicas das «nações», diminui o crescimento das forças intelectuais; esta hostilidade dos rapaces entre si serve-vos para a organização de uma nova carnificina mundial.

Colocais a questão : «Em nome de quê se faz tudo isso?» e, em geral, se desejais sinceramente curar-vos destas pesadas inquietações e da vossa passividade a respeito da vida, colocai-vos as questões de ordem social mais simples, sem vos deixardes arrastar pelas palavras; pensai seriamente nos objetivos da existência do capitalismo ou, mais exactamente, no caráter criminoso da sua existência.

A «cultura, cuja importância para a humanidade é indiscutível», é-vos cara, intelectuais, não é verdade? Mas sob os vossos olhos o capitalismo destrói todos os dias na Europa esta cultura a que tanto vos apegais e, pela sua política desumana e cínica nas colônias, cria incontestavelmente um exército inimigo da cultura europeia. Se esta «cultura» de rapaces educa através do material negro e amarelo dos milhares de rapaces semelhantes, é preciso não esquecer que, lá em baixo, estão centenas de milhões de homens destroçados e votados à indigência. O Hindu, o Chinês, o Anamita curvam-se diante dos canhões, mas isso não é um gesto de admiração pela cultura europeia. E eles começam a compreender que uma nova cultura, na forma e no conteúdo, se edifica na União dos Sovietes (…)

No mundo capitalista desenvolve-se, de modo cada vez mais encarniçado, a luta pelo petróleo, o ferro, os armamentos, para uma nova carnificina que custará a vida a milhões de homens, pelo direito à opressão política e econômica da maioria pela minoria.

Esta luta cínica, infame e criminosa, organizada por um pequeno grupo de pessoas, que a sede imbecil de dinheiro levou ao estado selvagem, recebe a bênção da Igreja cristã, que é a mais falsa e a mais criminosa de todas as Igrejas da terra.

Esta luta matou completamente e destruiu o «humanismo» que custou tão caro aos intelectuais da Europa e do qual estes últimos eram tão orgulhosos. Nunca os intelectuais tinham ainda mostrado a sua fraqueza com uma tal clareza e indiferença a respeito da vida, com tal impudência, como no século XX, tão fértil em tragédias criadas no mundo inteiro pelo cinismo das classes dominantes.

Em política, os sentidos e o pensamento dos intelectuais são comandados por aventureiros, executores servis da vontade dos grupos capitalistas que, fazendo comércio de tudo o que se pode comprar, traficam, no fim de contas, a energia do povo. Aqui, por «povo», entendo não apenas os operários e camponeses, mas os pequenos funcionários e o exército de «empregados» do Capital em geral, os intelectuais que, sobre os restos sujos da sociedade burguesa, formam um grupo social ainda suficientemente vivo.

Arrastados pela busca vã de «qualquer coisa de humano», os intelectuais de diversas línguas observam-se mutuamente atrás do muro dos seus preconceitos de nação e de classe.

É por isso que os defeitos e os vícios do vizinho lhes interessam muito mais do que as suas qualidades. Eles confrontam-se entre si tantas vezes que não sabem já qual de entre eles foi menos atacado e merece, por esta razão, maior respeito. O capitalismo inculcou-lhes uma desconfiança cética mútua e joga habilmente com este sentimento.

Eles não compreenderam o sentido histórico da Revolução de Outubro e não encontraram em si nem a força nem a vontade de protestar contra a intervenção sangrenta e criminosa dos capitalistas em 1918-1921.

Protestam quando na URSS os poderes prendem um professor monárquico e conspirador, mas ficam indiferentes quando os seus próprios capitalistas violentam os povos da Indochina, da Índia e da África.

Se, na União Soviética, se fuzila cinco dezenas de criminosos ignóbeis, gritam cheios de ferocidade; mas se, nas Índias, no Aname 1, milhares de pessoas inocentes são exterminadas a golpes de canhão e de metralhadora, os intelectuais «humanos» calam-se humildemente. Não podem, até aqui, avaliar os resultados de um trabalho de treze anos das forças ativas da União dos Sovietes. Os políticos, nos parlamentos e na imprensa, inculcam-lhes a ideia que o trabalho do poder dos Sovietes tende exclusivamente para a destruição do mundo «antigo», e acreditam que é assim.

Mas, na União dos Sovietes, o povo trabalhador assimila rapidamente tudo o que há de melhor e incontestavelmente precioso na cultura humana, e este processo de assimilação é acompanhado por um processo de desenvolvimento destes valores.

Nós destruímos, naturalmente, o velho mundo, pois é necessário emancipar o homem das diversas restrições que limitam o seu crescimento intelectual, libertá-lo das ideias nacionais, religiosas e de classe, assim como das superstições. O objetivo principal do processo cultural da União dos Sovietes é a reunião dos homens do mundo inteiro num todo único.

Este trabalho é apontado e comandado por toda a história da humanidade; é o começo do renascimento não apenas nacional, mas mundial. Individualidades como Campanella, Thomas More, Saint-Simon, Fourier, sonhavam já este renascimento num tempo em que os elementos técnicos industriais necessários à realização do seu sonho eram ainda inexistentes. Agora, esses dados existem; o sonho dos utopistas está cientificamente fundamentado, e as massas de milhares de milhões de homens empenham-se na sua realização.

Ainda uma geração e, só na União dos Sovietes, haverá perto de 200 milhões de trabalhadores que operarão neste campo de ação. Acredita-se cegamente quando não se quer ou não há força para compreender. O instinto de classe, a mentalidade do pequeno proprietário e a filosofia dos defensores cegos da sociedade de classes fazem crer aos intelectuais que o indivíduo é oprimido e tornado servo na União dos Sovietes, que a industrialização do país se efetua com o emprego de trabalho forçado, duma maneira semelhante àquela que presidiu à construção das pirâmides do Egito.

É uma mentira de tal modo evidente que, para a aceitar como verdade, é preciso ter perdido toda a personalidade, encontrar-se num estado de degenerescência e esgotamento completo do ponto de vista da energia intelectual e do sentido crítico.

A rapidez do crescimento do número de pessoas talentosas em todos os ramos da vida, na arte, nas ciências e na técnica, demonstra irrefutavelmente a falsidade desta lenda sobre a opressão da personalidade na URSS. Não podia ser de outro modo no país em que toda a massa da população participa no trabalho cultural.

Em vinte e cinco milhões de «proprietários privados», camponeses quase completamente analfabetos, oprimidos pela autocracia dos Romanov e pela burguesia rentista, doze milhões já compreenderam o caráter racional e as vantagens da economia colectiva.

Esta nova forma de trabalho liberta o camponês do seu espírito conservador e anárquico, assim como da mentalidade rude própria do pequeno proprietário. Ela proporciona-lhe o tempo de lazer que emprega para se instruir. Em 1931, na Rússia, cinquenta milhões de adultos e de crianças estudam; prevê-se, para este mesmo ano, a publicação de oitocentos milhões de livros, ou três mil e quinhentos milhões de folhas impressas.

As necessidades da população atingem já cinquenta mil milhões de folhas, mas as fábricas não são suficientes para a produção de papel. Aumenta a sede de instrução. Em treze anos, várias dezenas de institutos de estudos científicos, de novas universidades e de escolas politécnicas foram criadas. Todas regurgitam de estudantes. Milhares de operários e de camponeses regressam, na qualidade de trabalhadores culturais, ao trabalho no seio das massas de que vieram.

Alguma vez um Estado burguês teve como objetivo a educação cultural de toda a massa do povo trabalhador? A história responde negativamente a esta simples questão. O capitalismo nunca ajudou o desenvolvimento intelectual dos trabalhadores, a não ser na medida em que era necessário e vantajoso para a indústria e o comércio.

O capitalismo tem necessidade do homem na qualidade de força, mais ou menos cara, que serve para defender o regime estabelecido. Ainda não chegou, e não podia chegar, à compreensão de que o sentido e o objetivo da cultura verdadeira se encontram no desenvolvimento e na acumulação de energia intelectual.

Para que esta energia se possa desenvolver sem interrupção e ajudar o mais rapidamente possível a humanidade a utilizar todas as suas forças, todos os dons da natureza, é necessário libertar a maior quantidade possível de energia física do trabalho imbecil e anárquico utilizado nos interesses estreitos e mercantis dos capitalistas, aves de rapina e parasitas da humanidade trabalhadora.

Os ideólogos do capitalismo são completamente estranhos à ideia do homem enquanto fonte imensa de energia intelectual. Apesar dos truques e floreados verbais, a ideologia dos protagonistas da submissão da maioria à minoria é essencialmente animalesca. O Estado de classe foi construído sobre uma espécie de jardins zoológicos, onde todos os animais estão fechados em jaulas de ferro. No Estado de classe, estas jaulas, mais ou menos bem construídas, servem para aprisionar as ideias que, dividindo a humanidade, tornam impossível o desenvolvimento da consciência que cada homem tem dos seus interesses e
impedem o crescimento de uma cultura real única do homem.

Devo negar que, na União Soviética, o indivíduo é limitado? Naturalmente, não. Na URSS a vontade do indivíduo é limitada de cada vez que ela é dirigida contra a massa que tem a consciência do seu direito à edificação de novas formas de vida, contra a vontade da massa que assumiu um objetivo inacessível a um só indivíduo, por muito genial que ele seja.

Os destacamentos de vanguarda dos operários e camponeses da União dos Sovietes caminham em direção ao seu grandioso objetivo, ultrapassando heroicamente uma quantidade de obstáculos e incômodos de natureza externa. O indivíduo defende a sua liberdade aparente e a sua independência habitual que lhe foram inculcadas no interior da sua jaula. Estas jaulas nas quais são aprisionados os escritores, os jornalistas, os filósofos, os funcionários e todas as outras partículas cuidadosamente lustradas do aparelho capitalista são naturalmente mais cômodas que a jaula do camponês.

A cabana suja e cheia de fumo do camponês obrigam-no a estar continuamente na defensiva para se proteger dos caprichos das forças da natureza e da violência do Estado capitalista que o esfola. Na Calábria, na Baviera, na Hungria, na Grã-Bretanha, na África, na América, os camponeses, abstraindo da língua, não se diferenciam muito, psicologicamente, uns dos outros.

Em todo o globo terrestre os camponeses são, pouco mais ou menos, da mesma forma, entregues à sua sorte e contaminados pelo individualismo animal. Na União dos Sovietes, o camponês perde progressivamente esta mentalidade específica de escravo da terra, de eterno prisioneiro da sua miserável propriedade.

O individualismo é o resultado da pressão exterior feita sobre o homem pela sociedade de classes; o individualismo é uma tentativa estéril do indivíduo para se defender contra a violência, mas a autodefesa não é outra coisa senão a auto-limitação. Pois o processo de crescimento da energia intelectual torna-se mais lento quando se está em estado de autodefesa. Este estado é também prejudicial à sociedade e ao indivíduo. As «nações» gastam milhões em armamento contra os seus vizinhos; o indivíduo esgota a maioria das suas forças para se defender contra a violência de que é objeto por parte da sociedade de classes.

«A vida é uma luta ?» Sim, deve ser uma luta do homem e da humanidade contra as forças da natureza, uma luta para as vencer e dirigir. O Estado de classe transformou esta luta grandiosa numa batalha abjeta pelo domínio da energia física do homem para a sua servidão.

O individualismo do intelectual dos séculos XIX e XX diferencia-se muito do individualismo do camponês, mas apenas pelas formas de expressão: é mais floreado, mais polido, mas também animal e cego. O intelectual está entre a espada do povo e a parede do Estado; as condições em que ele vive são, em geral, naturalmente penosas e dramáticas, pois o ambiente é-lhe habitualmente hostil. É por isso que o pensamento prisioneiro do intelectual o faz muitas vezes transferir para o mundo inteiro o peso das suas próprias condições de vida, e é destas concepções subjetivas que nascem o pessimismo filosófico, o ceticismo e outras deformações do pensamento. (…) O sistema social de classes atual restringe a liberdade de crescimento do indivíduo. É por isso que ele procura o seu lugar e procura o repouso fora dos limites da realidade.

Por exemplo, a questão de Deus. O povo trabalhador, na procura de uma explicação dos fenômenos naturais que lhes eram úteis ou prejudiciais, personificou magnificamente estes fenômenos sob a forma de seres com uma figura humana, mas mais poderosos do que qualquer homem. O povo adornou os seus deuses com todas as qualidades e todos os defeitos que ele próprio tinha; os deuses do Olimpo são homens com dimensões exageradas; Vulcano e Thor são ferreiros que em nada se distinguem de todos os outros ferreiros e apenas são mais fortes, mas não mais hábeis no trabalho.

As imagens religiosas criadas pelo povo trabalhador são simplesmente criações artísticas das quais o misticismo está ausente; são completamente realistas e adequadas à realidade, sente-se com força a influência da atividade laboriosa, e o objetivo desta arte consiste, em resumo, em encorajar esta atividade.

Na poesia, verifica-se que o povo tomou consciência do facto que, afinal de contas, a atualidade foi criada, não pelos deuses, mas pela atividade laboriosa dos homens. O povo é idólatra.

Mesmo quinhentos anos depois de o cristianismo se ter afirmado na sua qualidade de religião de Estado, os deuses, na imaginação dos camponeses, apresentam-se sempre como eram na antiguidade: Cristo, a Virgem, os santos caminham sobre a terra e misturam-se com a vida laboriosa das pessoas, do mesmo modo que os deuses dos antigos gregos e dos povos escandinavos. O individualismo nasceu da «economia privada». Cada clã, juntando-se ao clã anterior, criava uma coletividade. Um indivíduo escapando, por uma razão ou por outra, à coletividade e, por isso mesmo, à realidade que se criava constantemente, criava o seu próprio deus, único, místico, inacessível à inteligência, cujo objetivo era justificar o direito do indivíduo à independência e ao poder.

O misticismo tem de intervir necessariamente aqui, pois é impossível explicar apenas com a ajuda da inteligência, o direito do indivíduo à «autocracia», ao poder único.

O individualismo enfarpelou o seu deus com as qualidades da omnipotência, da sabedoria infinita e do conhecimento absoluto, quer dizer, das qualidades que o homem quereria muito possuir, mas que não se podem desenvolver senão na atividade criada pelo trabalho coletivo.

Esta atualidade fica sempre a um nível inferior ao da inteligência humana, pois a inteligência que a criou aperfeiçoa-se, ainda que lentamente, mas de uma forma contínua e, na sua falta, naturalmente, a realidade satisfaria os homens, e o estado de satisfação é um estado passivo.

A atualidade é criada pela força inesgotável da vontade inteligente dos homens, e o seu desenvolvimento nunca parou. O deus místico dos individualistas ficou e fica sempre imóvel, inativo e inerte; e não poderia ser de outro modo, pois reflete a fraqueza interior absoluta das forças de criação do individualismo.

A história das hesitações estéreis do pensamento metafísico e religioso dos individualistas é conhecida de todo o homem letrado. Na nossa época, a fraqueza destas hesitações manifestou-se com uma clareza indiscutível e mostrou a bancarrota completa da filosofia individualista. Mas o individualismo continua ainda as suas pesquisas estéreis para encontrar uma resposta para os «enigmas» da vida; esta resposta, ele procura-a não na realidade do labor que se desenvolve com uma rapidez revolucionária e de uma forma perfeita, mas nos «abismos do seu eu». Continua a conservar a sua «economia privada indigente» e não quer fecundar a vida.

Ele ocupa-se com o auto-aprofundamento para sua autodefesa, não vive, esconde-se e, pela sua «actividade contemplativa», lembra um dos personagens da Bíblia: Onan.

Submetendo-se docilmente às imposições do Estado capitalista, os intelectuais da Europa e da América, literatos, publicistas, economistas, antigos socialistas tornados simples aventureiros, sonhadores do tipo de Gandhi, consciente e inconscientemente, defendem a ordem de classe burguesa, que obstaculiza firmemente o desenvolvimento do processo cultural humano.

Neste processo, desempenha um papel cada vez mais ativo a vontade das massas trabalhadoras, dirigidas para a criação de uma nova atualidade. Os intelectuais pensam que defendem a «democracia», cuja fraqueza eles já demonstraram e continuam a demonstrar; defendem a «liberdade individual», ainda que ela esteja fechada na jaula das ideias que limitam o seu crescimento individual; defendem a «liberdade de imprensa», mesmo que esteja conquistada pelos capitalistas e não tenha o direito de servir outra coisa para além dos seus interesses anárquicos, desumanos e criminosos.

O intelectual trabalha para o seu inimigo, pois o patrão sempre foi e continua a ser o inimigo do operário, e a ideia da «colaboração de classes» é uma inépcia tão ingênua como a da amizade do lobo e do cordeiro.

Os intelectuais da Europa e da América trabalham para os seus inimigos e esta atividade manifesta-se de uma forma particularmente brutal e impudente a respeito do processo revolucionário cultural que se desenvolve entre a massa operária e camponesa da União dos Sovietes. Este processo desenvolve-se numa atmosfera de hostilidade inaudita criada pela burguesia europeia e sob a ameaça do seu ataque criminoso contra a União dos Sovietes. A influência destes dois fatores explica quase inteiramente todos os factos negativos que os inimigos dos operários e dos camponeses da União dos Sovietes tanto gostam de sublinhar.

Os políticos de baixo nível da emigração branca, que são os informadores credenciados da imprensa burguesa europeia, ocupam-se da compatibilidade destes factos negativos da actualidade soviética. Quem são estes emigrados? A maioria deles é constituída por políticos falhados, pessoas que gostam das pequenas glórias, gentinha de «grandes esperanças». Uns querem tornar-se os Masaryks, outros os Briands e Churchills, muitos uns Fords; e é igualmente característico que todos estes políticos tenham procurado atingir posições de comando empregando «meios caducados»

Conheço muito bem, e há muito tempo, a sua nulidade moral e intelectual; já o demonstraram em 1905-1907, depois da sua primeira revolução. Depois, demonstraram diariamente a sua incapacidade na Duma e manifestaram-se, com toda a clareza de que eram capazes, em 1914-1917 enquanto «lutadores contra a autocracia», na realidade campeões do chauvinismo pan-russo. Adquiriram uma certa popularidade enquanto organizadores da consciência política da pequena e da grande burguesia; em suma, a sua ideologia é a do pequeno burguês mesquinho.

É conhecido o ditado russo: «Quando não há peixe, come-se lagostim-do-rio». Eles desempenharam na vida da Rússia o papel do caranguejo: avançaram aos recuos. É o papel habitual da maioria dos intelectuais em período revolucionário.

O seu papel vergonhoso não se limita à mudança constante dos seus «bornes» políticos e ao esquecimento dos seus «juramentos de Aníbal». Desde 1917, servem os proprietários dos poços de petróleo, das fábricas têxteis, das minas de carvão, os moageiros e os grandes proprietários fundiários russos e, ao mesmo tempo, do que resta dos generais czaristas, que os desprezavam anteriormente como renegados e «inimigos do czar». Na história russa deixaram a imagem de traidores do seu povo.

Durante quatro anos não fizeram mais do que trair e vender o seu povo aos vossos capitalistas, senhores intelectuais da Europa. Ajudaram Dénikine, Koltchak, Wrangel, Youdénitch e outros assassinos de profissão a destruir a economia do seu país, já arruinada por uma carnificina que é a vergonha de toda a Europa.

Com a ajuda destes homens desprezíveis, os generais dos capitalistas europeus e do czar destruíram centenas de milhares de vidas operárias e camponesas da União dos Sovietes, queimaram centenas de aldeias e vilas cossacas, destruíram vias férreas, fizeram explodir pontes e arrasaram tudo o que havia para arrasar para enfraquecer definitivamente o seu país e entregá-lo aos capitalistas europeus.

Perguntai-lhes por que destruíram tantos seres humanos e a economia do seu país. Irão responder-vos insolentemente: «Para o bem do povo» e guardarão silêncio sobre o facto de o «povo» os ter expulsado do seu país. Desde 1926, ajudam a organização de numerosas conspirações contra o poder operário e camponês. Negam a sua participação nestes crimes, enquanto os conspiradores, seus amigos, afirmavam que forneciam informações «notoriamente falsas» sobre o trabalho do poder dos Sovietes. Por sua vez, os conspiradores trabalhavam segundo diretivas da imprensa dos traidores à sua pátria.

O vosso humanismo, senhores europeus, indignou-se com a execução merecida de 48 sádicos organizadores de fomes: isto é muito estranho. Por que não se indignaram pelos assassinatos quase diários de operários absolutamente inocentes, cometidos pela polícia nas ruas das vossas aldeias, em vez de tomar a defesa de 48 degenerados mais abjectos do que o sádico Kurten de Düsseldorf, nove vezes condenado à morte.

Não conheço os motivos pelos quais o poder dos Sovietes não fez passar estes traidores pela justiça, mas adivinho-os: há crimes cuja infâmia é demasiado agradável aos inimigos, e dar lições de infâmia aos nossos inimigos seria demasiado ingênuo. (…) É permitido perguntar por que defendem os intelectuais a «liberdade individual», sempre que se trata, por exemplo, do professor monárquico S.I. Platonov, mas se quedam indiferentes sempre que se trata de um comunista?

Se quereis ter uma noção exata do grau de ferocidade a que chegou a emigração russa, lede o apelo à recolha de fundos a favor da luta contra os povos da União dos Sovietes, apelo que foi publicado pelo órgão parisiense dos emigrados monárquicos Vozrojdénié (A Renascença). À cabeça desta manobra baixa encontra-se «Sua Eminência o metropolita António, presidente do sínodo dos arcebispos da Igreja ortodoxa no exterior da Rússia».

Cito textualmente as palavras deste Tartufo :

«Investido do poder divino, dou a minha bênção a qualquer arma que seja dirigida contra o poder satânico vermelho e concedo a absolvição a todos os que, nas fileiras dos destacamentos de rebeldes, ou a quem na qualidade de vingador individual do povo, sacrificar a sua vida à causa da Rússia de Cristo.

Sobretudo bendigo as armas e qualquer ação combativa da Confraria popular da verdade russa que, há anos, pela palavra e pela ação, conduz uma luta sem tréguas em nome de Deus e da Rússia contra o Satã vermelho. Que a bondade do Eterno seja com todos os que venham a fazer parte da confraria ou venham em seu auxílio.

Metropolita António.

Está completamente claro que o metropolita, chefe da Igreja cristã, abençoa os que violentam a vontade do povo e da União dos Sovietes e que praticam atos de terrorismo.

Mas não vos parece que tais apelos, tais bênçãos aos assassinatos concedidas por um padre cuja cólera atinge evidentemente a idiotia, não têm lugar na capital de um Estado «civilizado»? Não pensais que é preciso gritar «Chiu!» ou mandar calar «delicadamente» «Sua Eminência»?

Este ataque selvagem de um pope russo não é para vós um indício que mostra não apenas o grau de ferocidade da emigração russa, mas também uma indiferença extrema, vergonhosa, dos intelectuais da Europa no que respeita a questões de moral e de higiene sociais? E ousais falar da «selvajaria do Oriente»!

Estais convencidos da veracidade dos testemunhos da emigração russa. Pois bem. Não vou dizer que é um «assunto pessoal» vosso, mas duvido de que seja direito vosso. Duvido, porque os testemunhos que vêm do outro lado, do lado do poder operário e camponês não vos interessam.

A imprensa soviética não esconde os aspetos maus da nossa vida, pois está organizada sobre o princípio da autocrítica mais severa, e não há «roupa suja» de que ela tenha medo de «lavar fora da família».

Ela trabalha entre milhões de homens que ainda não são muito letrados – o que não se lhes pode censurar – mas as pessoas honestas deveriam lembrar-se bem que o homem pouco instruído pode enganar-se facilmente. E depois é preciso saber que a maioria das calúnias e das mentiras de que vive e com cuja difusão se consola a imprensa dos emigrados está assente em dados da autocrítica soviética.

Pessoalmente, protestei na imprensa e nas reuniões, em Moscovo e em Leninegrado, contra os exageros da autocrítica. Sei com que voluptuosidade o emigrado se agarra a tudo o que é de molde a satisfazer, ainda que com pouco, a sua cólera doentia contra os operários e os camponeses da União dos Sovietes.

Publiquei, não há muito tempo, um artigo na imprensa soviética a respeito do livro de Brehm que foi arrasado por um literato que, não sendo um aprendiz, é negligente e bastante pouco letrado. De imediato, o redactor do Roui (nota: folha dos emigrados contrarrevolucionários publicada em Berlim), Joseph Hessen, um velhinho muito burro e comicamente colérico, publicou uma manchete na qual, com uma alegria risível, exclamava: «O próprio Gorki critica o poder dos Sovietes!»

Ele sabe perfeitamente que eu nunca me incomodei por dizer a verdade frente a pessoas que trabalham negligentemente e sem consciência. Mas é-lhe impossível não mentir e o mesmo acontece com os «políticos» emigrados.

Existe uma forma especial de «verdade»; serve de alimento espiritual apenas aos misantropos, aos céticos cujo cepticismo se baseia na ignorância e aos indiferentes que procuram uma justificação para a sua indiferença. É uma velha verdade, apodrecida e moribunda, é uma imundície para porcos. Esta verdade foi reduzida a nada pelo trabalho dos destacamentos de vanguarda dos construtores da nova cultura da União dos Sovietes. Vejo e sei muito bem a que ponto esta «verdade» estraga o trabalho das pessoas honestas, mas não sou de opinião que se acalente e alimente esta «verdade» das pessoas que a história humilhou.

Perguntais : «Existem descontentes entre os operários e os camponeses e a que se deve o seu descontentamento?» Naturalmente, existem descontentes e seria um milagre se, em treze anos de trabalho, 160 milhões de homens tivessem alcançado a satisfação completa das suas necessidades e dos seus desejos.

O descontentamento explica-se justamente pelo facto de, em treze anos de trabalho, o aparelho do poder não estar ainda suficientemente em condições de satisfazer rapidamente as necessidades culturais da massa dos trabalhadores. Ainda faltam muitas coisas e há ainda muitas pessoas que resmungam e que se queixam.

Poder-se-ia qualificar as queixas como cômicas, porque são prematuras e não refletidas, mas eu não lhes chamaria assim, pois sente-se uma sólida confiança na força do poder para satisfazer todas as necessidades do país.

Naturalmente, a parte dos camponeses ricos que esperavam que a revolução fizesse deles grandes proprietários fundiários e lhes entregasse os camponeses pobres está descontente e resiste mesmo ao trabalho do poder dos Sovietes.

Não é preciso dizer que esta parte dos camponeses está contra a coletivização, que está a favor da economia individual, etc., o que levaria inevitavelmente à ressurreição das formas capitalistas de vida. Mas, o papel que desempenham os camponeses ricos já se perdeu, a sua resistência à economia coletiva não tem futuro e só continua pela força da inércia. Os destacamentos mais ativos da massa operária e camponesa não se queixam, trabalham. Eles sabem perfeitamente que o poder é eles mesmos; que tudo aquilo de que têm necessidade, tudo aquilo que eles querem só pode ser satisfeito pela sua energia.

É unicamente esta consciência da sua própria força e do seu poder absoluto que dá origem à emulação socialista, ao trabalho vigoroso e às outras manifestações indiscutíveis da atividade criadora e do heroísmo do trabalho; é pela força desta consciência que toda uma série de empresas terminaram o cumprimento do seu plano quinquenal em dois anos e meio.

Os operários compreendem a coisa principal que lhes é necessário compreender: o poder está nas suas mãos.

Nos Estados burgueses, as leis são feitas lá no alto, nos parlamentos, e são decretadas exclusivamente para consolidar o poder da classe que comanda. A legislação da União dos Sovietes nasce nas estruturas de base, nos Sovietes das aldeias, nos comités de fábricas e de oficinas e, observando a marcha de uma lei qualquer, pode facilmente ver-se que cada uma delas não visa apenas satisfazer as necessidades reais da massa trabalhadora, mas também testemunha claramente o crescimento cultural desta massa.

Toda a massa operária e camponesa da União dos Sovietes começa a compreender que o processo do seu enriquecimento material e do seu desenvolvimento cultural é artificialmente entravado pela Europa capitalista hostil.

Esta compreensão ajuda naturalmente ao crescimento da sua consciência política assim como da consciência da sua própria força.

Se os intelectuais da Europa e da América, em vez de pôr o ouvido à escuta dos mexericos, de acreditar nos traidores, refletissem séria e honesta mente na importância histórica do processo que se desenvolve na União dos Sovietes, compreenderiam que o sentido deste processo é a assimilação por um povo de 160 milhões de habitantes do valor indiscutível da cultura humana, compreenderiam que este povo trabalha não apenas para si, mas para toda a humanidade, mostrando-lhe que os milagres que a vontade inteligentemente organizada cria.

Terminamos com esta questão: os intelectuais da Europa e da América querem uma nova carnificina mundial, que reduzirá ainda mais o seu número e os tornará ainda mais fracos e mais selvagens? A massa operária e camponesa da União dos Sovietes não quer fazer a guerra, quer criar um Estado onde todos serão iguais, mas em caso de ataque, ela defender-se-á como um todo único e vencerá, porque a história trabalha para ela.



1 O Aname (sul pacificado) era o nome do protetorado chinês sobre uma parte do território que forma hoje o Vietname, de 618 a 939, antes da independência do Dai-Viet. Depois, a palavra continuou a ser empregada pelos chineses para designar o Vietname; o seu uso foi depois retomado pelos ocidentais para designar o Vietname no seu conjunto. Por último, o nome serviu para designar o protetorado francês de Aname de 1883 a 1945, no centro da Indochina francesa,chamando-se o norte do Vietname Protetorado francês de Tonkim e o sul Cochinchina francesa. O termo «Vietname» no sentido do seu uso moderno impôs-se depois de 1945 (http://fr.wikipedia.org/wiki/Annam). [NT]

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