A face real da UE ou o logro do «modelo social»


 
Desemprego, precariedade e pobreza na União Europeia
A face real da UE ou o logro do «modelo social»

por Carlos Nabais




 
 
"Na UE, mais de 26 milhões de pessoas estão desempregadas; 23,4 por cento dos jovens na UE estão desempregados; 8,3 milhões de jovens abaixo dos 25 anos não têm qualquer actividade; 19 por cento das crianças estão ameaçadas pela pobreza; oito por cento das pessoas vivem em situação de grave privação material; 15 por cento das crianças abandonam a escola sem chegar a frequentar o ensino secundário; 24,2 por cento das pessoas (120 milhões) encontram-se em risco de pobreza; os trabalhadores pobres representam um terço dos adultos em idade activa em risco de pobreza; o número de sem-abrigo na UE chega, por noite, a 410 mil pessoas. "

Ao longo da sessão, subordinada ao lema «Desemprego, precariedade, pobreza – a face real da União Europeia» e dirigida por Ângelo Alves, membro da Comissão Política e da Secção Internacional do PCP, foi reafirmada a necessidade de uma ruptura com o actual processo de integração capitalista que abra caminho a uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos.

Como salientou logo na abertura a deputada e membro CC do PCP, Inês Zuber, «a vida real demonstra que o chamado “modelo social europeu” ou vertente social da UE não são mais do que construções de aparência para tentar legitimar um processo que acumula cada vez mais poder no grande capital europeu e nas grandes potências».

«A realidade», frisou a deputada, «mostra que nada há de social na UE». E os números galopantes do desemprego, da precariedade e da pobreza provam-no à exaustão.

Essa realidade foi ilustrada com exemplos diversificados ali trazidos pelos três convidados estrangeiros que participaram no debate.

Ramón Vázquez Díaz, deputado da Alternativa de Esquerda Galega no Parlamento da Galiza e representante da Esquerda Unida, considerou que a crise, apresentada como uma espécie de maleita inevitável, não é a causa das políticas de austeridade, mas que foram estas políticas que a causaram.

Lembrou a este propósito que as actuais dificuldades decorrem dos sucessivos tratados, a começar pelo de Maastricht (1992), que, entre outros, proibiu os bancos centrais de transferirem liquidez para os estados, obrigando-os a financiarem-se junto da banca privada a juros especulativos.

Por esta via, o capitalismo, na sua crise, atravessa «uma fase de acumulação por desapossamento». «Isto não é uma crise, é uma vigarice, um roubo.

É um fascismo financeiro que está a transformar-se num fascismo fáctico. Caso não se tomem medidas, corremos o risco de entrar no fascismo como fase superior do capitalismo», disse Ramón Vázquez parafraseando Lénine.


Escalada autoritária


O dia a dia dos trabalhadores na Grécia é também marcado por um aumento sem precedentes do desemprego (27%), redução de salários e retirada de direitos sociais e laborais.

Em paralelo, como salientou Panagiotis Rentzleas, membro do secretariado de apoio aos deputados no Parlamento Europeu do Partido Comunista da Grécia, assiste-se a uma escalada do autoritarismo por parte do Governo, seja através da repressão de sucessivos movimentos grevistas, com recurso a requisições civis abusivas, seja através de medidas brutais de que é exemplo mais recente o encerramento da rede de radiotelevisão ERT, cujo sinal foi cortado em poucas horas por decreto.

O fecho da TV e rádio públicas não só lança no desemprego quase 2700 trabalhadores como constitui «um duro golpe contra o direito à informação e contra as liberdades cívicas». Rentzleas sublinhou ainda que após esta bárbara decisão há o «perigo iminente de o Governo fechar outras instituições e organizações públicas estratégicas como a Hellenic Defence Systems, grupo industrial público de armas e munições, onde laboram milhares de trabalhadores».

A destruição de milhões de postos de trabalho nos países da União Europeia serve um dos propósitos centrais do capitalismo: arrasar direitos conquistados e embaratecer os custos da mão-de-obra.

A evolução do emprego na Irlanda, relatada por Kathryn Reilly, senadora do Sinn Fein, é assaz reveladora. Neste país, o desemprego mantém-se em níveis historicamente elevados. Contudo, os últimos números apontam para uma ligeira redução, ou seja uma taxa de 13,7 por cento contra os 14,9 por cento atingidos em Dezembro de 2011.

«O Governo acha que isto é uma boa notícia. É verdade que nos últimos 12 meses houve um aumento de 20 mil pessoas com emprego. Mas uma análise atenta mostra que estes números são tudo menos bons».

Na realidade, neste período, «o número de pessoas com emprego a tempo inteiro caiu em 9400. As que trabalham a tempo parcial aumentaram em cerca de 24 200, sendo que 17 mil destas estão oficialmente numa situação de subemprego».

«Esta é uma tendência muito perigosa. Em vez de um aumento real do emprego, o que vemos é um aumento do número de pessoas com salários baixos, a tempo parcial e com empregos precários».

«Estes números», acrescentou Kathryn Reilly, «seriam muito piores não fosse o facto de 1600 pessoas estarem a emigrar a cada semana que passa. Entre Abril de 2011 e o mesmo mês de 2012, emigraram 87 mil pessoas, a maioria jovens em busca de emprego no Canadá e na Austrália».

A completar este quadro está o aumento da pobreza, incluindo pobreza infantil, dos suicídios, da insolvência das famílias (uma em cada quatro não tem meios para pagar a hipoteca da habitação). «É esta a face humana das políticas da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional», concluiu a senadora do Sinn Fein.


A semântica do capitalismo


João Ferreira, deputado no PE e membro do CC do PCP, lembrou-nos que o dicionário define a palavra «austeridade» como «carácter ou qualidade do que é austero», «rigor de disciplina; severidade», «ausência de enfeites ou ornamentos».

Todavia, referiu, «para o capitalismo, a palavra adquiriu um outro sentido. Eufemisticamente, a “austeridade” passou a sintetizar a resposta do sistema ao agravamento da sua crise estrutural.

«Uma resposta que comporta, como não poderia deixar de ser, toda a agressividade, toda a violência, toda a desumanidade que caracterizam o capitalismo.

«Uma resposta que não é nova na sua essência nem nos objectivos que persegue. Perante dificuldades crescentes de realização de mais-valia, inexorável consequência do desenvolvimento do capitalismo e da baixa tendencial da taxa de lucro, tenta-se a todo o custo restaurar as condições de rentabilidade do capital.

«Desde logo, aumentando a exploração. Desvalorizando a força de trabalho, reduzindo os custos unitários do trabalho. Também destruindo e desvalorizando capital. O crescimento do desemprego e sua manutenção em patamares elevados é simultaneamente resultado desta destruição de capital e condição do aumento da exploração.

«Há também que alargar as áreas em que se pode exercer o processo de acumulação de capital. Retirar à esfera pública e submeter ao mercado ainda mais sectores da vida económica e social. Atacar e desmantelar serviços públicos. Liberalizar, privatizar. Privatizar e mercantilizar até parcelas da própria Natureza.

«Este é o fulcro da resposta das instituições internacionais do capitalismo à crise, desde pelo menos os anos 70. A “austeridade” é, por tudo isto, uma nova expressão para um velho conceito», disse o deputado que, na sua intervenção, se debruçou sobre a evolução negativa dos diversos indicadores sociais (ver caixa).


Ricos cada vez mais ricos


Ao mesmo tempo que milhões são lançados na pobreza, assiste-se a uma crescente concentração da riqueza. «Os ricos estão cada vez mais ricos», afirmou a antiga deputada ao PE, Ilda Figueiredo, membro do CC do PCP, lembrando que «Portugal é um dos países com maior concentração da riqueza nos grupos de topo da distribuição de rendimentos».

Assim, em 2010, no nosso País, os 20 por cento mais ricos detinham mais de 42 por cento do total da riqueza nacional. A concentração é ainda proporcionalmente maior no que se refere aos cinco por cento mais ricos, detentores de 17 por cento da riqueza.

Do lado oposto, há hoje em Portugal «mais de dois milhões e 700 mil pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza, ou seja, um agravamento, na ordem das 700 mil pessoas no espaço de três anos», salientou Ilda Figueiredo, que ali denunciou a operação de propaganda em que se saldou o Ano Europeu Contra a Pobreza, proclamado pela UE em 2010.

Na altura, «a UE fez um conjunto de iniciativas, promoveu muitos debates, pôs em marchas diversos programas, com pouco dinheiro, claro, mas o suficiente para criar a ideia na opinião pública de que estava empenhada na luta contra a pobreza».

Passados três anos constata-se que tudo não passou de «demagogia», disse a ex-deputada, recordando que as recomendações do Parlamento Europeu sobre a criação do rendimento mínimo garantido, relatório pelo qual foi responsável, nunca foram seguidas pelos estados-membros.

O Parlamento propunha que o mínimo garantido correspondesse a 70 por cento do rendimento mediano de cada país. «Em Portugal isto significaria cerca de 428 euros por mês e por pessoa, prestação que seria acompanhada do acesso aos serviços públicos de educação, de saúde e até se discutia se este acesso devia ou não ser extensível à cultura».

«O PE acabou por aprovar o tal rendimento mínimo garantido, mas sem carácter obrigatório para os países, o que logo à partida deitava por terra tudo aquilo que se tinha discutido, decidido e proposto».

Além disso recusou a alteração das políticas que estão na base das actuais medidas de austeridade, designadamente do pacto de estabilidade e crescimento, que impôs os mesmos critérios nominais a todos os países sem ter em conta a sua economia e o nível de desenvolvimento.

Desde então, apesar de nunca ter alcançado o valor recomendado pelo PE, o rendimento social de inserção já foi diminuído duas vezes e hoje nem sequer é igual para todas as pessoas. «Numa família sem rendimentos, o primeiro adulto recebe cerca de 170 euros, o segundo já só recebe metade, e as crianças, um quarto daquele valor. Isto é as quatro pessoas recebem menos do que devia receber uma, segundo a recomendação do PE».


O caminho do desastre


No debate tomaram ainda a palavra cerca de uma dezena de participantes que abordaram vários aspectos da situação nacional e, em particular, no que se refere ao distrito de Braga.

Foi o caso de Adão Mendes, membro da Organização Regional de Braga do PCP, que analisou o declínio do Vale do Ave; de Joaquim Daniel, coordenador da USB, que falou sobre a situação social no distrito; de Alberto Regufe, do Sindicato dos Têxteis e Vestuário do Minho e Trás-os-Montes, que defendeu o aumento do salário mínimo amplamente praticado pelas empresas do sector; de Mário David Soares, professor e dirigente sindical, que reflectiu sobre o papel da Educação e o combate à pobreza; de Sérgio Sales, da Interjovem, que abordou a precariedade e o desemprego juvenil; de Arminda Timóteo, assistente social, que deu exemplos vivos da pobreza na infância; de Luís Sousa, da Inter-Reformados, que focou o problema da pobreza na terceira idade; de José Cunha, da Comissão Concelhia de Guimarães do PCP, que interveio sobre o direito à habitação.

Antes do encerramento, intervieram também Bárbara Seco, membro da DORB e dirigente do MDM, Ana Maria Magalhães, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Desempregados, e José Torcato, vereador da CDU na CM de Guimarães.


Há uma alternativa patriótica e de esquerda


A encerrar os trabalhos João Frazão, membro da Comissão Política responsável pela Organização Regional de Braga do PCP, depois de traçar um breve balanço sobre os números alarmantes do desemprego e da pobreza na UE, salientou que a actual crise «traz à evidência as limitações históricas do capitalismo, desse sistema de exploração brutal dos trabalhadores e dos povos».

Todavia, referiu, esta crise «é potenciada pelas sucessivas medidas de austeridade impostas a partir de fora» e «aceites pelas burguesias nacionais em cada um dos países».

«É uma crise que tem como objectivo e é ampliada pela opção de acentuação da exploração dos países e dos povos e de concentração da riqueza», afirmou João Frazão, sublinhando que «há uma alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao nosso povo e que é possível pela intervenção, pela vontade, pela participação e pelo voto do nosso povo».

«Uma política que resgate o país da dependência, que recupere os seus recursos e sectores estratégicos, que devolva aos trabalhadores e ao povo os seus direitos.

«Uma política alternativa patriótica e de esquerda», que coloque os recursos do País «ao serviço do crescimento da economia».


Devastação social


Na UE, mais de 26 milhões de pessoas estão desempregadas; 23,4 por cento dos jovens na UE estão desempregados; 8,3 milhões de jovens abaixo dos 25 anos não têm qualquer actividade; 19 por cento das crianças estão ameaçadas pela pobreza; oito por cento das pessoas vivem em situação de grave privação material; 15 por cento das crianças abandonam a escola sem chegar a frequentar o ensino secundário; 24,2 por cento das pessoas (120 milhões) encontram-se em risco de pobreza; os trabalhadores pobres representam um terço dos adultos em idade activa em risco de pobreza; o número de sem-abrigo na UE chega, por noite, a 410 mil pessoas.

Os valores médios escondem variações que vão dos cinco por cento de desemprego na Alemanha e na Áustria aos 27 por cento na Grécia e em Espanha ou aos 18 por cento em Portugal. Entre os jovens até aos 25 anos estes números disparam para os 63 por cento na Grécia, 56 por cento em Espanha, 43 por cento em Portugal e 41 por cento em Itália.

O trabalho a tempo parcial – situação em que se encontram mais de 30 por cento das mulheres trabalhadoras na UE – subiu em 2012 e atinge os 19 por cento, quase um quinto da população empregada. Nalguns países, como é o caso da Holanda, aproxima-se dos 50 por cento.

Em países como Portugal, Espanha ou Polónia, cerca de um em cada quatro trabalhadores tem contrato a prazo.

As condições de vida, medidas pelo rendimento mediano disponível das famílias, regrediram na maioria dos estados-membros. As quebras mais acentuadas verificaram-se na Grécia, na Bulgária, na Letónia, em Espanha e em Portugal.

O primeiro trimestre de 2013 trouxe novas quebras nos custos unitários do trabalho. Eslovénia, Espanha, Chipre e Portugal foram os países onde essa quebra foi mais acentuada em termos percentuais. Em Portugal, os salários estão em queda há oito trimestres consecutivos.

Em muitos países, as quebras no rendimento das famílias e nos salários superam, em termos relativos, a redução do produto, evidenciando um processo de redistribuição da riqueza disponível a favor do capital.

Em 2011, as taxas de fertilidade caíram em 24 dos 27 estados-membros, o que leva o Eurostat a falar numa «recessão de bebés» na Europa.

Há realidades ainda não inteiramente traduzíveis em estatísticas oficiais, como a das crianças que em Portugal ou na Grécia, por exemplo, chegam todos os dias às escolas com fome.

Acentua-se a emigração forçada dos que não encontram no seu país condições de sustento. Em Portugal, foram mais de 250 mil, na sua maioria jovens, só nos últimos dois anos.

A esperança média de vida vem regredindo em vários países da UE, caso da própria Alemanha, particularmente entre a população mais pobre.



Das intervenções de Inês Zuber e João Ferreira

 
 
Fonte: Avante
 
 
 

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