Iraque invadido - Tribunal Mundial sobre o Iraque

Decisão final

3.ª Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque


A 3.a Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque, reunida em Lisboa em 26 de Março de 2011, ouvido o testemunho presencial da Dr.ª Haifa Zangana e considerando ainda os resultados de investigações realizadas por organizações credíveis de âmbito mundial e os contributos de organizações iraquianas actuando no terreno, aprova a seguinte declaração:

A actual situação no Iraque, oito anos depois da invasão conduzida pelas forças dos Estados Unidos e seus aliados, baseada em mentira sobre existência de armas de destruição maciça, mostra que está por criar o regime democrático prometido pelos invasores. Apesar da realização de alguns actos eleitorais, a soberania plena do país continua por restituir. Não obstante a transferência formal de poderes para o governo de Bagdad, as instituições criadas e mantidas à sombra da ocupação não representam o povo iraquiano. Se é verdade que o regime anterior não era democrático, assiste-se hoje a uma grave regressão no respeitante aos direitos das pessoas.

O processo político conduzido pela Autoridade Provisória da Coligação é marcado por divisões sectárias e por uma partilha de poder, muitas vezes brutal, feita segundo critérios confessionais que não apenas torna os órgãos do Estado inaptos para defenderem os interesses colectivos e nacionais da população sem discriminações, como ainda faz deles instrumentos de violência sobre os grupos sociais tidos por adversários.

Neste quadro, é preocupante a situação das mulheres, nomeadamente no que respeita aos ‘crimes de honra’ e à introdução e incentivo de práticas de casamento a termo e de poligamia. A esmagadora maioria das criançasestá impossibilitada de aceder à educação e sujeita a todo o tipo de abusos.

A continuada utilização de armas químicas e radioactivas, nesta ocupação, e cujas horríveis consequências se vão prolongar por várias gerações, configura um crime contra a humanidade.

Em face desta situação, a Audiência Portuguesa

Reitera as decisões das anteriores audiências, realizadas em 2005 e em 2008, de condenar a invasão e a ocupação do Iraque, bem como o apoio prestado pelos sucessivos governos de Portugal aos agressores, e de reconhecer o direito do povo iraquiano à resistência, sob todas as formas, contra os ocupantes e seus cúmplices e o seu direito a escolher as soluções políticas adequadas à recuperação da sua soberania, com imediata retirada das tropas de ocupação, e à institucionalização de um regime legitimado pelo povo;

Responsabiliza a coligação invasora pelo pagamento de indemnização de guerra ao povo iraquiano;

Apoia a reclamação, aliás repetida nas manifestações recentes que decorreram por todo o Iraque, de constituição de um parlamento, de um governo e de um sistema judiciário efectivamente representativos que respondam às exigências prementes da população, designadamente,

- medidas de ataque ao desastre humanitário, bem reflectido na privação generalizada de meios de vida, de cuidados de saúde e de instrução, na desprotecção dos órfãos e das viúvas e no abandono dos refugiados

- fim da partilha sectária e confessional dos órgãos do poder

- fim do arbítrio e o respeito pelos direitos dos cidadãos

- fim das violências exercidas sobre a população, nomeadamente sobre mulheres e crianças, pelas forças militares e de segurança ou com a sua cumplicidade: detenções arbitrárias, tortura, submissão a práticas retrógradas e humilhantes, assassinatos impunes, linchamentos e violações

- utilização justa dos rendimentos do petróleo para benefício da população;

Apoia a proposta, feita por organizações iraquianas junto do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, de constituição de um órgão independente de defesa dos direitos humanos do povo iraquiano e de um/a relator/a das Nações Unidas para os direitos humanos no Iraque;

Alerta os órgãos representativos do Estado Português para a catastrófica situação humanitária e para a sistemática violação dos direitos humanos que se vive no Iraque, e sublinha ser incumbência incontornável do Governo o desenvolvimento de todos os esforços políticos e diplomáticos para que sejam respeitados os direitos básicos da população iraquiana e assegurado condigno acolhimento dos refugiados/as iraquianos/as;

Recorda à Representante Especial do Secretariado das Nações Unidas para a Crianças e os Conflitos, à Representante Especial do Secretariado das Nações Unidas para as Violações Sexuais e a Violência Sexual, à Representante da ONU Mulheres, ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e particularmente ao Alto Comissário António Guterres, a sua responsabilidade pela adopção de medidas adequadas para defender, respectivamente, as crianças, as mulheres e os refugiados iraquianos, dentro e fora do país;

Apela à Comunicação Social que não esqueça a situação no Iraque, nomeadamente os graves crimes cometidos contra mulheres e crianças;

Apela às organizações portuguesas, partidárias, sindicais, cívicas, de defesa dos direitos humanos, designadamente às organizações de mulheres, para que denunciem a intolerável situação em que vive a população iraquiana, as suas mulheres e as suas crianças e se solidarizem por todos os meios possíveis com o povo iraquiano que luta por reverter o desastre em que o Iraque está mergulhado.

Os Jurados,


Alípio de Freitas (professor)


Ana Benavente (professora, investigadora, ex-SE Educação e ex-deputada do PS)


Diana Andringa (jornalista)


Eduarda Dionísio (professora)


Fernanda Mestrinho (jurista, jornalista, Associação Portuguesa de Mulheres Juristas)


Helena Carrilho (advogada, Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses)


Isabel Lourenço (tradutora)


João Loff Barreto (advogado)


Jorge Figueiredo (economista)


José Charters Monteiro (arquitecto)


José Gonçalves da Costa (juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça)


Judite Almeida (professora, Sindicato dos Professores do Norte)


Luanda Cozetti (cantora)


Margarida Vieira (funcionária pública, Associação Abril)


Natacha Amaro (Movimento Democrático de Mulheres)


Paula Santos (deputada do PCP)


Regina Marques (Movimento Democrático de Mulheres)


Sandra Silvestre (activista do BE, dirigente da Acção para a Justiça e Paz.)

Susana Sousa Dias (cineasta)

FONTE: TRIBUNAL IRAQUE
 
O MAFARRICO VERMELHO

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O complexo militar industrial e a energia nuclear

Tortura nas prisões colombianas: sistematismo e impunidade revelam uma lógica de Estado

Campo de Concentração do Tarrafal - o Campo da Morte Lenta