Ucrânia : Odessa não esquece

Odessa não esquece
por Luís Carapinha


"Indubitavelmente a matança por muitos apelidada de Khatyn de Odessa, em referência à aldeia bielorrussa incendiada em 1943 pelos nazis, exibe as marcas do regime antidemocrático e terrorista no poder em Kiev, graças ao apoio dos EUA e UE."


Cumpriu-se o primeiro aniversário dos sangrentos acontecimentos de 2 de Maio em Odessa que culminaram com o incêndio e a chacina na Casa dos Sindicatos, ceifando a vida de mais de 40 antifascistas ucranianos. A funesta data foi assinalada sob mordaça e forte aparato militar na cidade herói do Mar Negro, de reconhecidas tradições revolucionárias – por ali passou a revolução russa de 1905-07 e após a Revolução de Outubro, em Janeiro de 1918, foi proclamada a efémera República Soviética de Odessa. Sinal dos tempos que a Ucrânia atravessa, pela primeira vez desde o fim da II Guerra não se realizou a tradicional manifestação do 1.º de Maio. 

Ainda assim, tiveram lugar concentrações que reuniram comunistas e antifascistas ucranianos. Nas vésperas do 9 de Maio o poder saído do golpe de Estado da Maidan, em Fevereiro de 2014,teme novas expressões populares de repúdio da ditadura nacionalista oligárquica vigente. A Junta de Kiev que não hesitou em lançar uma guerra fratricida no Donbass – por agora semi-suspensa em regime de baixa-média intensidade mercê do acordo de cessar-fogo de Minsk II –, comporta-se em Odessa como um poder ocupante.

A 2 de Maio de 2014 uma chusma de grupos apoiantes da Maidan e arruaceiros, em que pontificavam membros de estruturas neonazis que funcionaram como tropa de choque do golpe de 2014, caso das «forças de autodefesa da Maidan» e do «sector de direita», realizaram uma marcha incendiária nas ruas de Odessa. Armados com bastões, machados, coktails molotov e armas de fogo, aos brados de «glória à Ucrânia» (lema das organizações nacionalistas de Stepan Bandera, cúmplices do ocupante nazi e responsáveis por inúmeras atrocidades na II Guerra, que o parlamento ucraniano proclamou recentemente como «combatentes da liberdade»), «por uma Ucrânia unida», «morte aos inimigos» e palavras de ordem anti-russas, os integrantes da coluna fascista, muitos não residentes em Odessa, provocaram desacatos e confrontos com os participantes de uma concentração antimaidan. 


Perante a inoperância e passividade das forças da ordem, uma onda de violência varre as ruas de Odessa. É selvaticamente atacado o acampamento das forças antifascistas, situado no parque contíguo à Casa dos Sindicatos. No local, que funcionava como centro de agitação e recolha de assinaturas em prol da realização de um referendo sobre a federalização e o estatuto da língua russa, os agressores destroem e queimam as tendas. Os opositores da Junta procuram refúgio na Casa dos Sindicatos, que acaba por se transformar numa armadilha. A horda neofascista investe com extrema violência e crueldade contra os partidários antifascistas sitiados. São arremessadas garrafas incendiárias. As chamas propagam-se rapidamente aos pisos inferiores e o fumo invade o edifício. Há imagens que mostram disparos contra os resistentes que se encontram no interior em chamas. Muitos tentam escapar para os andares superiores e saltam para a morte pelas janelas. A corja enfurecida arremete contra aqueles que logram abandonar o prédio em chamas. Durante a matança não se vê a polícia e a acção dos bombeiros é retardada. Há indícios da utilização de substâncias tóxicas desconhecidas; várias vítimas apresentavam a face carbonizada, sem queimaduras no corpo ou vestuário.

Entre os que caíram em Odessa a 2 de Maio há homens e mulheres, gente de todas as idades (o mais velho com 70 anos e o mais novo com apenas 17 era militante da juventude comunista, de seu nome, Vadim Papura). Entre os mortos há um deputado da Assembleia Distrital de Odessa, eleito pelo Partido das Regiões.

Mais tarde sabe-se que grupos de «extermínio» operaram no interior da Casa dos Sindicatos, o que corrobora as fortes suspeitas de ser ter tratado de uma provocação premeditada, envolvendo o poder golpista na Ucrânia. Nas vésperas do 2 de Maio esteve em Odessa Andriy Parubiy, actual vice-presidente da Rada e anterior comandante das «forças de autodefesa da Maidan», um dos principais suspeitos da operação de liquidação dos «defensores da Maidan» de 18-20 de Fevereiro em Kiev que antecedeu a consumação do golpe de Estado.

Indubitavelmente a matança por muitos apelidada de Khatyn de Odessa, em referência à aldeia bielorrussa incendiada em 1943 pelos nazis, exibe as marcas do regime antidemocrático e terrorista no poder em Kiev, graças ao apoio dos EUA e UE.


Lembre-se que após o triunfo do golpe de Estado, a Crimeia havia decidido a reintegração na Federação Russa, e no Donbass e vastas regiões do Leste e Sul da Ucrânia crescia a indignação e revolta. A 7 de Abril de 2014, depois da visita do director da CIA a Kiev, o presidente interino da Junta declarava o início da «operação antiterrorista». Em Kharkov o regime procede a detenções em massa. Ignorando o resultado das negociações de Genebra de 17 de Abril a Junta inicia a 24 de Abril o assalto à cidade de Slaviansk com tanques e helicópteros. O vice-presidente dos EUA, Biden, visitara Kiev nos dias 21 e 22 de Abril.

Depois da chacina de Odessa, realizam-se a 25 de Maio as eleições presidenciais que a declaração da Cimeira Ucrânia-UE que teve lugar há dias classifica de «livres» e «justas». O vencedor, Porochenko, prometera a paz, mas aprofundou a guerra. Foram as derrotas militares em território do Donbass que obrigaram o poder de Kiev a sentar-se à mesa das negociações. Enquanto isto os responsáveis do massacre de Odessa continuam impunes. As investigações oficiais tramitam entre a falsidade e a incongruência, rumo ao silêncio. Porém, o hediondo crime e os mártires de 2 de Maio de Odessa não serão esquecidos pela Ucrânia que resiste e luta.






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