A destruição do emprego - Um crime de lesa-pátria

A destruição do emprego - Um crime de lesa-pátria
por Anselmo Dias

"O número total de desempregados tem de ter em conta esse valor acrescido daqueles que à data já estavam desempregados bem como de todos aqueles que, por razões demográficas, chegaram, quer ao patamar da população activa, quer aos inactivos. 
Se tivermos em conta todas estas variáveis concluiremos que o número total de desempregados não corresponde aos 698 300 «inventariados» pela engenharia estatística do Governo de Passos Coelho no final de 2014 mas sim a cerca de um milhão, ou para sermos mais precisos a 1 200 000 desempregados."

Não obstante as sucessivas alterações terem descaracterizado o texto inicial da nossa Constituição, a verdade é que – embora com os danos provocados pelas revisões promovidas pelo PS, PSD e CDS-PP –, ainda continua a contemplar normas associadas ao 25 de Abril e ao processo revolucionário que se lhe seguiu.

Uma dessas normas refere expressamente o «direito ao trabalho» e à obrigação do Estado na «...execução de políticas de pleno emprego», normativos considerados pelo actual Governo como meras «utopias» pois, segundo essa gente, quem cria trabalho são as empresas e não o Estado.

Um Estado humanista que coloque a economia ao serviço do Homem; um Estado democrático que adeqúe os investimentos à coesão social e que coloque o emprego como uma das questões nucleares da acção governativa; um Estado progressista, respeitador do texto fundador da actual Constituição; esse Estado, para essa gente que está no Governo, é uma aberração no contexto de uma sociedade formatada à livre iniciativa e, como tal, não lhe cabe o direito de criar emprego.

É, pois, este caldo de cultura ideológica contra a Constituição e contra os valores de Abril que explica a dimensão dramática da destruição de emprego cujos dados extraídos do INE constituem um libelo acusatório às políticas de reconstituição monopolista em curso. 

Emprego com direitos e salários mais elevados

Os dados que a seguir são referidos dizem respeito ao número de pessoas empregadas entre duas datas: final dos anos de 2004 e 2014.

Tais dados não quantificam o número de desempregados, nem sequer a dimensão da destruição de emprego.

Vejamos, então:

– Em 2004 havia 5 133 900 pessoas empregadas;

– Em 2014 havia 4 491 600 pessoas empregadas.

Entre um ano e outro houve um saldo negativo de 642 300, valor influenciado pela catastrófica destruição de emprego e pela moderada criação de postos de trabalho. Este valor corresponde ao número total de desempregados? Não, não corresponde.

O número total de desempregados tem de ter em conta esse valor acrescido daqueles que à data já estavam desempregados bem como de todos aqueles que, por razões demográficas, chegaram, quer ao patamar da população activa, quer aos inactivos.

Se tivermos em conta todas estas variáveis concluiremos que o número total de desempregados não corresponde aos 698 300 «inventariados» pela engenharia estatística do Governo de Passos Coelho no final de 2014 mas sim a cerca de um milhão, ou para sermos mais precisos a 1 200 000 desempregados.

Mas, insistimos, este não é o elemento que queremos salientar neste artigo.

O que queremos salientar diz respeito ao universo daqueles que há dez anos estavam empregados e aqueles que no final de 2014 tinham emprego. O que se verificou entre aquelas datas? Verificou-se, como já atrás referimos, uma regressão no número de pessoas empregadas, não obstante o número de jovens que passaram do estatuto de inactivos para o estatuto de população activa.

De acordo com os dados disponíveis no final do 2014 a população empregada estava assim dividida:

– agricultura, produção animal, floresta e pescas: 348 500 empregados;

– indústria, construção civil, energia e água: 1 074 990 empregados;

serviços: 3 068 200 empregados.

– Estes dados indicam que entre finais de 2004 e 2014 houve uma diminuição do emprego no sector produtivo, em cerca de 786 000 postos de trabalho, dos quais 520 000 na actividade industrial e na construção civil.

Em contrapartida, no mesmo lapso de tempo, houve um aumento no emprego no sector terciário em cerca de 144 000 postos de trabalho.

A este respeito salientamos duas questões:

– as mulheres, que em 2044 representavam 45,9 por cento do emprego total, passaram para os actuais 48,6 por cento;

– na última década, no plano do emprego, houve uma quebra na mão-de-obra masculina em 467 000 postos de trabalho, enquanto nas mulheres essa quebra foi inferior, na ordem dos 175 mil postos de trabalho.

Em conclusão: a economia portuguesa na perspectiva do emprego está cada vez mais terciarizada.

sendo responsável por cerca de 68 por cento do emprego total do País.

Falamos de um sector fortemente influenciado por serviços de limpeza, segurança, comércio a retalho, hotelaria e turismo, sem esquecer os call-center, tudo isso associado, em parte, aos baixos salários e ao trabalho precário e muito influenciado pelo trabalho feminino – muito mais mal pago do que o trabalho dos homens – e por trabalho sem direitos.

O País precisa de uma prática governativa que respeite a Constituição e de uma economia com um forte e influente Sector Empresarial do Estado, com empresas bem capitalizadas, dimensionadas e apetrechadas com ciência e tecnologia que compaginem a nossa produção às nossas necessidades (consumo interno e exportação), e que, de uma forma planificada, substitua a capacidade super instalada nos sectores industriais e de serviços onde se pratica salários de miséria.

O País precisa de uma democracia política tendente a substituir as importações de bens com alto valor acrescentado por produção nacional, objectivo impossível de conseguir pela política daqueles que promoveram a actuação da troika, subalternizando os interesses do País aos interesses dos credores.

O nosso País tem de pôr termo à grande assimetria na relação de trocas, consubstanciada na exportação de bens com baixos custos unitários e na importação de bens com elevados custos unitários e, sobretudo, o nosso País deve reassumir a sua soberania por forma a que a política seja a política emanada da vontade colectiva dos portugueses e não aquela decidida em Bruxelas com o ámen dos Migueis de Vasconcelos contemporâneos.

Tal objectivo não é, contudo, possível de atingir com essa gente que esteve e que está no Governo. Nem com os agiotas, nem com os traidores e, muito menos, com a política de direita.

A prova provada da afirmação atrás referida consta da recente Proposta de Programa Nacional de Reformas elaborada pelo Ministério das Finanças.

Com efeito, nos cálculos relativos à evolução do emprego aquele Ministério prevê o seguinte crescimento: 0,6 por cento em 2015; 0,8 por cento em 2016; 0,9 por cento em 2017; 0,9 por cento em 2018 e um por cento em 2019.

A serem verdade tais previsões, teríamos em 2019 um número similar de empregados ao verificado em 1999. Exactamente: 1999, ou seja, um recuo, na melhor das hipóteses de 20 anos!

Eis, na sua plenitude, uma das gravosas heranças da política de direita (agora levada a cabo pelo executante de serviço, o Governo PSD-CDS/PP, mas que responsabiliza, de igual modo, o PS), política a que o povo português se deve opor, juntando-se pela ruptura e pela exigência da formação de um governo patriótico e de esquerda que dê corpo a uma verdadeira alternativa patriótica e de esquerda, como frontal e publicamente reitera o PCP.

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Fontes:

– Estatísticas do Emprego, INE;

– Proposta de Programa Nacional de Reformas, Ministério das Finanças.



Fonte: Avante



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