Economia Verde - O capitalismo mesmo tingido de verde não mudará a sua natureza agressiva e exploradora

Economia Verde – Como privatizar a polinização das plantas
por Vladimiro Vale



O conceito Economia Verde é de facto um eufemismo que esconde um esquema ardiloso para justificar a aplicação das regras do capitalismo ao ambiente e à natureza.

Como em qualquer esquema ardiloso, parte da identificação de problemas (neste caso ambientais) reais e graves e coloca objectivos nobres à cabeça, para depois começar a urdir a teia do engano, que neste caso é a da ingerência externa, a do condicionamento do desenvolvimento de países e a de aprofundamento de instrumentos que querem aplicar ao ambiente as regras de funcionamento do capitalismo.

O conceito parte da ideia inicial de que destruímos a natureza porque não a valorizamos, para depois, à boa maneira capitalista, partir para misturar valor com preço e concluir que para conservar e proteger a natureza e as suas funções temos que lhes atribuir preço e colocá-las nos mercados.


Como é óbvio as conclusões são «marteladas» para passar ao lado da mais que evidente irracionalidade e insustentabilidade do capitalismo e da sua natureza que o torna incapaz de resolver os problemas da humanidade, e esconder que é o capitalismo que destrói a capacidade produtiva local aumentando os ciclos de produção, que aumenta fluxos brutais de energia e matéria para satisfazer as suas necessidades, que coloca em causa o ambiente, a soberania dos povos e a sua segurança alimentar em nome do lucro de alguns.


Para entender melhor o conceito de Economia Verde temos que conhecer o seu principal difusor, Pavan Sukhdev, conselheiro especial e chefe da Green Economy Iniciative (Iniciativa Economia Verde) – um banqueiro do Deutsche Bank, em licença sabática com destacamento de serviço na UNEP (United Nations Environment Programme, Programa Ambiental das Nações Unidas). «Sukhdev descreve-se como um “capitalista total” e diz que o nosso problema não é termos capitalismo a mais é termos capitalismo a menos.»
(1)

Sukhdev, num artigo que fez publicar na Forbes Índia (2), faz a apologia de um estudo (TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity) que conclui pelas benesses em atribuir preço «aos benefícios que a natureza providencia» e calcula que «o valor dos serviços que se perdem ao nível planetário – incluindo purificação da água, polinização das colheitas e regulação climática – é de 2 a 3 triliões de dólares».

Os seguidores deste conceito aí estão: «A Secretária Britânica para o Ambiente, Caroline Spelman, já estima que o valor social e económico de uma árvore, num meio urbano é de 38 000 Libras. Sendo que a Grã-Bretanha quer que outros países criem auditorias ambientais para determinar o valor (preço) do seu mundo natural. Presumivelmente, assim que o mundo tenha um preço, pode-se comprar e vender».
(3)

Num relatório do
EcosystemMarketplace.com, podemos ler a descrição brutalmente franca do que é que andam atrás quando falam da Economia Verde:
«dado o seu enorme impacto nas nossas vidas diárias, é incompreensível que não prestemos mais atenção e mais dólares aos serviços dos ecossistemas. Os ecossistemas fornecem triliões de dólares em água potável, protecção de cheias, ar puro, polinização, controlo de doenças – para mencionar apenas alguns. Estes serviços são essenciais para manter as condições de vida e são fornecidos pelo maior sector do mundo. Maior em valor e em escala que os sectores eléctrico, do gás natural e maior do que o sector da água pode alguma vez sonhar ser. E a infraestrutura que gera esses serviços é simplesmente: ecossistemas saudáveis. Como proteger esta infraestrutura enormemente valiosa e os seus serviços? Da mesma maneira que fazemos com a electricidade, gás ou água potável. Pagamos por eles.»
(3)

Quem escreve coisas deste tipo utiliza, parágrafo sim parágrafo não, formulações do tipo «e são os pobres quem mais é prejudicado», mas não consegue esconder a ânsia do capital em deitar as suas garras a tudo.

Não querem apenas privatizar os bens materiais que podem ser retirados da natureza, querem ir mais longe e privatizar as funções e processos da natureza. Avançar na mercantilização da Natureza, atribuindo aos valores naturais um valor económico meramente mercantil, encarado-os como bens transaccionáveis ou substrato para bens transaccionáveis. Chamam-lhes serviços ambientais, atribuem-lhes um preço e colocam-nos no mercado.

Traduzido por miúdos, querem privatizar a capacidade da atmosfera reciclar carbono assim como querem privatizar a capacidade dos insectos de polinizarem as colheitas, chegando a estimar o preço da polinização por insectos na Amazónia em 190 biliões de dólares.

As palavras escritas por José Saramago nos Cadernos de Lanzarote adquirem uma actualidade assustadora: «privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos.»

A ideia é garantir lucros aos grupos financeiros e grandes capitalistas, não pela criação de produtos reais mas com a criação de uma máquina bilionária de geração de activos financeiros fictícios, em tudo semelhantes aos gerados pelos mercados especulativos bolsistas, expostos às imprevisíveis variações do sistema que os cria. Bastaria recordar a sucessão de bolhas financeiras especulativas e crises à escala mundial, dos últimos 20 anos, para perceber que se está a alimentar um novo monstro financeiro.

Foi ao abrigo do conceito Economia Verde que se criaram os mecanismos decorrentes do protocolo de Quioto, que mercantilizam o ambiente e colocam a capacidade da Terra de reciclar Carbono nas mãos das mesmas corporações que estão a delapidar recursos e a degradar o ambiente, consolidando uma política de privatização da atmosfera e de transferência de custos e responsabilidades para as populações e povos do mundo.

É o exemplo das transacções de quotas de carbono que querem agora transferir para todas as áreas do ambiente inclusivamente para a conservação de natureza e preservação da biodiversidade.

Como o PCP denunciou aquando da Conferência de Copenhaga, em 2009, as soluções de mercado para regular a emissão de CO2 já provaram a sua ineficácia. O Esquema Europeu de Transacções (ETS), introduzido em 2005, não conduziu à desejada redução de emissões de gases de efeito de estufa, bem pelo contrário. A experiência europeia de transacção de quotas de carbono desmente claramente a virtuosidade da regulação pelo mercado e demonstra a ineficácia e perversidade dos seus instrumentos.

Na posição do Partido dizia-se também que «depois deste falhanço, seria de esperar uma reavaliação dos instrumentos de intervenção, no entanto aquilo que é apontado como solução nesta conferência é um aprofundamento destes mecanismos decorrentes do protocolo de Quioto. Estima-se que, a curto prazo, a bolsa de carbono poderá representar um mercado de mais de 700 mil milhões de dólares».

Estes mecanismos assumem um carácter ainda mais injusto na medida em que os países industrializados, que mais contribuem e contribuíram para a dita acumulação de carbono na atmosfera, querem agora cobrar a factura aos chamados países em desenvolvimento. Até quando falam em «transferência de tecnologia» para países menos desenvolvidos escondem mecanismos de constituir novas formas de dominação, de acentuação da dependência e de neocolonialismo.

Já em 2012, o PCP também denunciou que a Comissão Europeia propunha, no âmbito da Cimeira Rio+20, a inclusão do, entre outros, do FMI, nas instituições internacionais com competências para acompanhar a aplicação das conclusões da cimeira e o seu financiamento, o que deixa antever uma ânsia de ingerência nos países em desenvolvimento e confirma as preocupações de aprofundamento das experiências de mercado nesta área e que apontam para a tentativa de consolidação de uma política de privatização da atmosfera com a consequente transferência de custos e responsabilidades para as populações e povos do mundo.

No mesmo documento era evidente a aposta da Comissão Europeia em instrumentos para a «transição para uma economia ecológica» baseados no mercado, como as licenças de emissão negociáveis, as eco taxas, entre outras. Um documento com abundantes referências ao sector privado, ao mercado e à canalização de instrumentos de especulação para esta área. A Comissão Europeia chega a escrever que o investimento público deve ser mobilizado de maneira a «criar condições com vista a reduzir os riscos para o investimento privado». Ou seja, nesta como em outras áreas, o capital quer que os lucros sejam privados e que os prejuízos sejam públicos!

É paradigmático o texto de apresentação do SENDECO2 – Sistema Electrónico de Negociação de Licenças de Emissão de Dióxido de Carbono – que promete uma negociação fácil, segura e transparente e «um mercado sem riscos devido à garantia da contrapartida central, para que as instalações emissoras de dióxido de carbono, e tal como estabelece o Plano Nacional de Atribuição aprovado pelo Governo, possam livremente comercializar Licenças de Emissão e Créditos de Carbono de forma igualitária, segura, transparente e eficiente.» (4) Cá está: lucros privados (sem riscos é claro), prejuízos públicos.

O Fundo Português de Carbono, lançado em 2006, e o Programa de Apoios ao desenvolvimento em Portugal (2008) financiam projectos ditos de redução de gases com efeito de estufa. Com um orçamento de 30 M€ até 2012, vão financiando projectos de grandes empresas. Uns, pela dimensão tão diminuta têm que ser vistos como formas de limpar a face destas empresas, outros incentivam a eucaliptização de áreas florestais, uma vez que empresas que plantem florestas ganham créditos de carbono, sem que se tenha em conta os efeitos colaterais do incentivo da monocultura.

O Fundo português já «transaccionou» licenças com a Letónia e estão em preparação projectos com Moçambique, Angola e Timor-Leste, numa lógica de uma empresa de um país compra créditos de carbono a outro país e continua a poluir libertando essa quantidade de CO2 que pagou. Ou seja, os créditos de carbono funcionam como licenças para poluir para os mais ricos.

Em Portugal os sucessivos governos PS, PSD e CDS procedem com o habitual seguidismo relativamente a todos os ditames do directório do capital. Na área de conservação da natureza, o Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, que estabelece um novo regime económico e financeiro, já permite a privatização da gestão das áreas classificadas, permitindo a possibilidade de amplas e importantes regiões do país serem geridas e exploradas de acordo com os interesses de privados. Para poder sustentar estes privados, o mesmo Decreto-Lei permite, ao ICNB (Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade), a fixação e cobrança de taxas a residentes, por serviços prestados, e até aos visitantes, pelas visitas.

Aqui temos a Economia Verde a funcionar no seu melhor. Enquanto penalizam os residentes pela sua vida normal, num conjunto de áreas protegidas do país, continua a ser facilitado o loteamento para empreendimentos habitacionais de luxo, enquanto se proíbem as actividades tradicionais e se dificulta o turismo de massas, por oposição ao chamado «turismo de qualidade», que nada mais é do que a concentração da propriedade do sector turístico e hoteleiro nos grandes grupos económicos e financeiros. Tal como o PCP denunciou no encontro/audição sobre áreas protegidas, realizado em Julho de 2010: «A gestão territorial não é feita de acordo com o impacto ambiental da actividade, mas apenas de acordo com a natureza da actividade.» Duma penada, criam-se áreas de negócio, penalizam-se os residentes das áreas protegidas, afastando-os e tratando-os como indesejáveis, e restringe-se o acesso ao património natural a alguns quando se deveria democratizar. Isto é a Economia Verde.

Tal como o PCP tem vindo a dizer só com uma profunda ruptura política que assente numa perspectiva patriótica e de esquerda se constrói um Estado capaz de gerir e proteger a natureza e as áreas protegidas de acordo com os princípios e comandos constitucionais e, acima de tudo, capaz de colocar a riqueza natural do país, ao serviço do povo e do desenvolvimento nacional e não ao serviço do desenvolvimento dos interesses privados que vêem nos recursos naturais apenas o substrato para actividades lucrativas, independentemente da sua real utilidade ou racionalidade ou mesmo do seu impacto negativo junto da conservação dos recursos.

Os combustíveis fósseis satisfazem actualmente 85% das necessidades energéticas a nível mundial. É necessário diminuir esta dependência, aumentando a eficiência energética, desenvolvendo alternativas energéticas de domínio público, que não ponham em causa a segurança alimentar das populações – como é o caso dos agro-combustíveis, é fundamental investir em Investigação & Desenvolvimento. Esta dependência não se combate destruindo transporte público como têm feito os sucessivos governos.

As emissões que contribuem para o efeito estufa são um problema grave. Por isso é que temos que defender a produção local, reduzindo a amplitude dos ciclos de produção e consumo, travar a liberalização do comércio mundial, factor de incentivo no aumento do consumo energético e de emissão de gases com efeito de estufa, para além do mais com graves consequências no plano económico e social.

A limitação da produção de gases que contribuem para o efeito estufa tem que ter em conta uma justa distribuição dos esforços por sectores e países. A atribuição de licenças transaccionáveis provou a sua ineficácia na redução da produção destas emissões e tem o efeito perverso de condicionar os países menos desenvolvidos.

Temos que proteger os ecossistemas naturais, terrestres e marinhos, e a recuperar os ecossistemas degradados, dado o importante papel que desempenham no ciclo do carbono e nos equilíbrios naturais. Para tal é preciso romper com a lógica de destruição ao sabor dos grandes interesses privados. Só a democratização da gestão e do usufruto dos recursos naturais, o incentivo de uma participação efectiva das populações, e uma política orientada para a promoção e elevação da qualidade de vida das populações pode travar a tendência de degradação e destruição do património natural de Portugal.

A luta por um mundo mais respeitador do ambiente está inseparavelmente ligada à luta para reduzir as injustiças sociais e à luta por uma sociedade que se eleve acima das leis da economia de mercado. Os problemas da natureza não se resolvem enganando-a para fazer lucro. Existe uma frase latina que nos diz: A raposa muda de pelo não muda de costumes.

 
O capitalismo mesmo tingido de verde não mudará a sua natureza agressiva e exploradora.

 

Notas

(1) http://www.irishtimes.com/newspaper/weekend/2011/0827/1224303043791.html (2) http://forbesindia.com/article/environment-special/pay-per-use-making-sustainable-profits/33110/1#ixzz21Eimjxs2 (3) http://climateandcapitalism.com/2012/07/16/rio20-proves-capitalism-wontsave-planet/
(4) http://www.sendeco2.com/pt/sendeco2.asp


Fonte: Revista O Militante Nº 320 - Set/Out 2012 • Economia


Mafarrico Vermelho

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