"Cuba não se rende ao Capitalismo"
"Cuba não se rende ao Capitalismo"
Entrevista no Avante N.º 1923 .
Prosseguir e reforçar a solidariedade com a sua Revolução Socialista, afirmam Ângelo Alves e Carlos Chaparro em entrevista ao Avante! sobre a sua recente visita a Cuba.
Quais foram os principais objectivos da visita da delegação do PCP?
Ângelo Alves: O primeiro foi, naturalmente, estreitar os laços de amizade e cooperação entre o PCP e o PCC e abordar aspectos das relações bilaterais. O segundo, foi aprofundar aspectos da situação internacional e trocar ideias sobre questões relativas ao movimento comunista e revolucionário internacional. Finalmente, permitiu-nos uma visão mais aprofundada da realidade social, económica e política e das medidas em curso de actualização do modelo económico socialista cubano.
Ficaram com uma ideia mais clara sobre essa actualização do modelo económico cubano?
Ângelo Alves: Sim, e devido à abertura dos camaradas foi possível abordar as medidas que estão em discussão. A impressão que trazemos é a de que, contrariamente ao que se ventila em Portugal, Cuba não está a tomar medidas avulsas resultantes de um qualquer desespero económico e muito menos terá iniciado uma «rendição» ao capitalismo.Da informação que nos foi dada, pode-se afirmar que o que se está a passar é um processo natural no contexto de uma revolução socialista que o quer continuar a ser.
O que está em curso é um amplo e ambicioso processo de reflexão e decisão, iniciado há já vários anos, sobre a necessidade do fortalecimento da economia, factor que os camaradas consideram fundamental para manter a médio e longo prazo as importantes conquistas da revolução socialista, para elevar as condições de vida do seu povo e para garantir a independência e soberania de Cuba.
As medidas em consideração são inúmeras, afectam toda a sociedade e visam desenvolver as forças produtivas, modernizar o sector produtivo, aumentar a capacidade produtiva da economia, a sua eficiência e produtividade. Simultaneamente pretende-se acabar com factores que estão a entravar o desenvolvimento da economia cubana como a dupla circulação monetária, a economia informal, a burocracia e o excessivo paternalismo do Estado que em algumas situações leva ao laxismo e mesmo à corrupção.
A maior parte das medidas foram já apontadas no V Congresso do Partido Comunista de Cuba realizado em 1997, tais como o reordenamento da economia de modo a aumentar a produção e a produtividade e assim inverter a tendência negativa da balança comercial; a libertação de recursos para aumentar o nível de vida dos cubanos aplicando o princípio Socialista de «a cada um segundo o seu trabalho»; a realocação da mão-de-obra disponível combatendo o sobredimensionamento de alguns sectores e canalizando mão-de-obra para áreas produtivas fundamentais como a Agricultura, a Construção, a Indústria, mas também preenchendo necessidades na área das conquistas essenciais da revolução como a Saúde e a Educação. Simultaneamente está em curso uma reflexão sobre a organização administrativa, seja do território, do Estado, das empresas, do exército, assim como, noutro plano, da própria organização do Partido. A palavra de ordem é simplificar, eliminar gastos desnecessários e tornar mais eficientes todas as estruturas económicas, políticas e administrativas.
Carlos Chaparro: Basicamente, Cuba está a realizar, desde uma perspectiva social e revolucionária, o balanço da evolução da sua economia, a fazer a crítica e a autocrítica que são necessárias, a identificar as virtudes do modelo económico mas também as suas insuficiências e erros, e a tentar, num quadro económico nacional e internacional exigente, tomar as medidas necessárias para garantir a sustentabilidade do seu sistema económico, social e político.
E os 500 000 desempregados de que tanto se fala?
Carlos Chaparro: Aliás, uma parte destas medidas já está em curso num sector considerado como «assunto de segurança nacional»: a agricultura. Os camaradas consideram que cerca de 70% das importações de bens alimentares são evitáveis se desenvolverem a sua agricultura e a tornarem mais eficiente. Então, o que está em curso é toda uma reorganização e modernização do sector agrícola em que coexistem já o sector estatal, o cooperativo e o trabalho por conta própria, e os resultados têm sido positivos. Mas atenção, o Estado cubano não privatizou nem a agricultura, nem a terra! Aquilo que aqui na Europa se apelidou de «entrega de terras a privados» é tão só o princípio que nos é tão querido de «a terra a quem a trabalha», com a concessão de um total de 1 milhão de hectares de terra que não estava a ser explorada a quem se comprometa a trabalhá-la. Concessão que a qualquer momento pode ser retirada se se comprovar que não há produção.
Uma maior abertura à iniciativa privada não poderá fazer emergir uma camada social desinteressada no aprofundamento do socialismo?
Reuniram com a Central dos Trabalhadores Cubanos e União dos Jovens Comunistas. Qual o papel destas estruturas neste processo?
Que questões estão a ser levantadas e que soluções se apresentam no debate em curso?
Ângelo Alves: Eu diria que as questões são aquelas que é normal serem levantadas num processo desta envergadura. As pessoas interrogam-se sobre várias coisas, e naturalmente sobre a sua vida, mas têm uma possibilidade que é negada, por exemplo, aos trabalhadores portugueses, que é a de ter uma participação directa na definição e na aplicação das medidas, e isso transmite confiança a quem como nós observou o processo de discussão. Há uma consciência no povo de que se tem de superar atrasos, insuficiências e problemas, e melhorar o funcionamento da economia. As pessoas têm noção das dificuldades decorrentes de factores como o impacte das catástrofes naturais que assolaram a ilha, a crise económica internacional que também está a afectar Cuba, nomeadamente no turismo, e, claro, o bloqueio dos EUA que em cálculos recentes revela um impacte directo de, no mínimo, mais de 100 000 milhões de dólares. Entendem portanto a necessidade das medidas em discussão. As soluções são muitas e variadas e por exemplo numa fábrica de charutos que visitámos o resultado das medidas será o aumento de mais de uma centena e meia de novos postos de trabalho. Num plano geral, haverá por exemplo formação profissional para quem mude de profissão e há a intenção de aumentar o salário médio para o dobro, de modo a garantir que este cobre todas as necessidades essenciais do povo. Mas para isso a produção terá de aumentar. Como nos foi dito, o processo foi iniciado, tem balizas e princípios bem definidos, e tem como objectivo final tornar mais sustentável o sistema socialista e simultaneamente responsabilizar o conjunto da população pelo sucesso das medidas. Mas é um processo cujos resultados só serão possíveis de analisar daqui para a frente. Os camaradas cubanos são os primeiros a dizer que será necessário ir medindo a cada passo se os objectivos estão a ser alcançados.
E que papel têm os comunistas neste debate?
Ângelo Alves: O Partido Comunista tem um papel muito importante na unidade do povo cubano e no estímulo ao funcionamento da democracia, e é esse o seu principal papel. Como nos foi afirmado num interessante encontro com um comité do poder popular de bairro, o Partido não interfere nos processos eleitorais, nem no funcionamento dos diferentes órgãos de poder popular. Mas, como referi, este processo vai muito além do Partido, envolve toda a população. Aliás, como se verificou em processos anteriores e igualmente exigentes como o Período Especial. Se há dado que se destaca de todos os que recolhemos, é o da ampla participação popular na construção do socialismo em Cuba e essa é uma razão mais para termos confiança no futuro de Cuba, prosseguirmos e reforçarmos a solidariedade com aquele povo e a sua Revolução Socialista.
texto original em http://pcp.pt/cuba-n%C3%A3o-se-rende-ao-capitalismo
Comentários
Postar um comentário