Argentina - Regresso ao passado

Argentina
Regresso ao passado
por "Avante"
"A coligação «Cambiemos» que venceu as eleições está apostada em tudo fazer para mudar, sim, mas para o passado mais negro da Argentina. Como referiu em recente artigo o argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prémio Nobel da Paz em 1980, as promessas de acabar com a pobreza, uma das bandeiras da campanha eleitoral da coligação, estão reduzidas a zero: em poucos dias o novo governo «desvalorizou os salários em 45 por cento, permitiu aumentos em bens essenciais, suspendeu-se a publicação conjunta de estatísticas, baixou os impostos aos que mais têm e despediu massivamente milhares e milhares de funcionários públicos – no que pode ser imitado pelo sector privado – para impor o medo. E enquanto reprimem os que protestam, o ministro da Economia ameaça dizendo aos trabalhadores e sindicatos que devem avaliar se preferem pedir aumentos ou manter os postos de trabalho»."

Prisões, repressão e despedimentos em massa estão na ordem do dia na Argentina. Um mês depois da tomada de posse do presidente Mauricio Macri, o país está à beira de se transformar num Estado policial.

Milagro Sala, líder histórica do movimento popular Tupac Amaru recentemente eleita para o Parlamento do Mercosul, foi presa no sábado, 16, numa operação policial envolvendo cerca de 40 oficiais que lhe invadiram a casa. A prisão arbitrária da dirigente indígena abalou o país, sendo vista como um exemplo da perseguição e da opressão do governo Macri contra os povos indígenas e os movimentos sociais da Argentina. Os membros da comunidade Tupac Amaru montaram um acampamento em frente ao palácio do governo do departamento de Juyjuy exigindo a libertação de Milagro, considerada um símbolo de «luta, solidariedade e defesa de direitos». Também a bancada progressista do Parlasul reagiu de imediato, divulgando uma nota de repúdio.

Este caso é «apenas» mais um na sucessão de acontecimentos que vêm pautando a actuação do governo de Macri desde que tomou posse, a 10 de Dezembro de 2015, na sequência da vitória tangencial alcançada na segunda volta das presidenciais, a 22 de Novembro.

Poucas horas depois de assumir a presidência, Macri «anunciou um monumental pacote de medidas que beneficiam os mercados financeiros especulativos, entidades bancárias e os grandes produtores agrícolas, em detrimento dos salários dos trabalhadores e aposentados», denuncia o escritor e jornalista argentino Guadi Calvo em artigo publicado no Portal Vermelho a 13 de Janeiro. Como faz notar Calvo, o presidente não se ficou por aí. Nos escassos dias do seu mandato, Macri «abusou do temível instrumento constitucional chamado Decreto de Necessidade de Urgência (DNU), que só pode ser usado em ocasiões muito específicas pelo Executivo». Para se ter uma noção do que isso significa, basta dizer que a anterior mandatária, Cristina Kirchner, recorreu a esse expediente 29 vezes em oito anos de mandato, enquanto Macri emitiu 261 decretos apenas entre 10 e 30 de Dezembro último, muitos dos quais para despedir funcionários públicos. Ainda segundo Guadi Calvo, a «onda de despedimentos tanto de cargos estatais, como de empresas privadas, percorre como um fantasma o país inteiro e neste escasso novo tempo já causou mais de 35 mil despedimentos, na maioria por questões políticas». 

Repressão brutal 

A drástica regressão que está a ocorrer na Argentina faz-se sentir a todos os níveis, pondo em causa os mais elementares direitos democráticos. Isso mesmo se verificou no início de Janeiro, na cidade de La Plata, quando uma manifestação de funcionários municipais despedidos foi brutalmente reprimida pela polícia, a exemplo do que já havia sucedido, dias antes, com os trabalhadores de uma empresa avícola, que protestavam exigindo o pagamento de salários em atraso, e tiveram o ingrato privilégio de serem os primeiros a ser atacados com gases lacrimogéneos e balas de borracha, depois de mais de uma década.

A coligação «Cambiemos» que venceu as eleições está apostada em tudo fazer para mudar, sim, mas para o passado mais negro da Argentina. Como referiu em recente artigo o argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prémio Nobel da Paz em 1980, as promessas de acabar com a pobreza, uma das bandeiras da campanha eleitoral da coligação, estão reduzidas a zero: em poucos dias o novo governo «desvalorizou os salários em 45 por cento, permitiu aumentos em bens essenciais, suspendeu-se a publicação conjunta de estatísticas, baixou os impostos aos que mais têm e despediu massivamente milhares e milhares de funcionários públicos – no que pode ser imitado pelo sector privado – para impor o medo. E enquanto reprimem os que protestam, o ministro da Economia ameaça dizendo aos trabalhadores e sindicatos que devem avaliar se preferem pedir aumentos ou manter os postos de trabalho».

Entre os inúmeros atropelos à lei sancionados por Macri conta-se ainda a tentativa de forçar a destituição da Procuradora Geral da Nação, nomeada pelo parlamento; a medida inédita de nomear por decreto presidencial dois juízes do Supremo Tribunal de Justiça; e o fim da Lei de Imprensa com o objectivo – nas palavras de Esquivel – de «priorizar a liberdade de empresa sobre a liberdade de imprensa».


Fonte:  "Avante"




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