A (des)União Europeia

A (des)União Europeia
por ÂNGELO ALVES

por JOÃO FERREIRA



"A tese de que «A gestão capitalista da crise, pela via do agravamento da exploração e o que a acompanha é, em si mesma, prelúdio de novas crises»1 aplica-se também à realidade do processo de integração capitalista. A resposta da UE à sua crise, por via do aprofundamento dos seus três pilares, espoletou uma sucessão de crises, no fundo expressões diversas de uma mesma crise, que se intensificam e alimentam mutuamente.

Olhemos apenas aos últimos meses. Longe de estar superada a chamada crise da moeda única e os seus efeitos devastadores – crise que estilhaçou os mitos e a propaganda sobre o Euro e a UE, pondo em evidência a dinâmica de divergência e desigualdade que caracteriza esses processos – e ainda não refeita do chamado «caso grego» – com tudo o que significou de clarificação do carácter profundamente antidemocrático da UE e da impossibilidade de desenvolvimento de políticas progressistas no quadro do Euro – aí temos já a chamada crise dos refugiados. A propaganda do «espaço de liberdade, solidariedade, tolerância e de respeito pelos direitos humanos» é destroçada pelas imagens dos cadáveres no Mediterrâneo e pelos muros e cercas de arame farpado (em sentido literal e não figurado) erguidos ao longo das fronteiras entre Estados-membros."

"Ao contrário do que insistentemente alguns querem fazer crer, os problemas e as dificuldades com que a UE se debate não resultam de características particulares de lideranças conjunturais, mas sim da própria natureza do processo de integração, dos seus pilares políticos e ideológicos, plasmados nos seus tratados, nas suas políticas, na sua orientação e actividade."


A realidade tem vindo a confirmar o acerto e a justeza das análises do PCP relativamente à natureza e evolução da União Europeia (UE), confirmando-a como um processo de integração capitalista que tem como pilares fundamentais o neoliberalismo, o federalismo e o militarismo.

Quatro vectores de contradição

Trata-se de um processo que, como a história se tem encarregado de provar, corresponde às necessidades do grande capital «europeu» na fase imperialista do desenvolvimento do capitalismo. Daí ter sido moldado visando, como é hoje muito visível, a construção de um edifício de poder económico, político e militar cuja configuração final é a de uma potência imperialista.

Contudo, este processo carrega no seu bojo, desde o início, contradições que são inerentes ao próprio desenvolvimento do capitalismo e das suas estruturas de articulação e integração. Essas contradições centram-se essencialmente em quatro vectores:

De classe: entre o grande capital, que dirige o processo e concentra capital e poder econômico, e o trabalho, que o perde por via do aumento da exploração, da destruição de direitos sociais e laborais, dos processos de privatização e da destruição dos sistemas públicos de redistribuição social (saúde, educação, segurança social);

Democrático e de soberania: entre um processo de concentração de poder político, da sua submissão ao grande capital e da sua centralização em centros de decisão supranacionais distantes do controlo popular, e o direito e aspiração dos povos à participação democrática, à definição dos seus próprios caminhos de desenvolvimento e ao controlo democrático das instituições de poder político nacionais. Entre um directório de potências «munido» de «instituições europeias» moldadas aos seus interesses, e os Estados nacionais, sobretudo os da chamada «periferia», amarrados em coletes-de-forças que eternizam a sua dependência, condicionam o seu desenvolvimento económico e os transformam em semi-colónias dentro da potência imperialista.

Civilizacional e de legitimidade: entre uma propaganda de décadas assente nas «liberdades e democracia», na «defesa dos direitos humanos», na «solidariedade», «coesão», «paz», «cooperação» e «apoio ao desenvolvimento» com que se tentou garantir o apoio popular ao processo de integração, e a realidade das políticas dentro do espaço da UE e desta relativamente ao resto do Mundo que se caracterizam cada vez mais por um carácter desumano, antidemocrático, intervencionista, neocolonial e belicista.

De rivalidade inter-imperialista: entre grandes potências que lideram o processo de integração capitalista, que se articulam num directório de potências mas que competem pelas suas posições de domínio dentro e fora do espaço europeu e entre o «bloco» UE e outras potências imperialistas, como os EUA. Binômios de concertação/rivalidade de dois «níveis», que se relacionam entre si, e em que, como a dita política externa e de segurança da UE comprova, prevalece a variável de concertação mas em que as rivalidades se vão aprofundando na relação directa do grau de integração e do aprofundamento da crise.

Estes elementos confluem numa crise «sistêmica», profunda, persistente e que não nasceu agora. Ao longo da história do processo de integração foram várias as crises em que este foi mergulhando pela sua própria dinâmica. Contudo, à magnitude da crise do capitalismo no plano mundial e à sua expressão no continente europeu corresponde, «naturalmente», um rápido aprofundamento da crise do processo de integração capitalista que comporta elementos qualitativamente distintos face a momentos anteriores. Estamos, portanto, perante uma crise na e da UE e são alguns dos seus elementos que este artigo tenta abordar.

«Soluções» ou desintegração?

Ao longo das últimas seis décadas, as crises foram, elas próprias, ditando a configuração e dinâmica do processo de integração. A dicotomia de impasse/superação marcou sempre a história deste processo. As «soluções» passaram invariavelmente por «saltos em frente» – ou por via do aprofundamento e/ou por via do alargamento. «Soluções» que não atenuaram os vectores de contradição, antes os aprofundaram, e que não resolveram qualquer problema, quanto muito dissimularam, mitigaram ou adiaram esses problemas, «exigindo», sempre e até agora, que a concertação entre as principais potências prevalecesse sobre divergências e rivalidades.

Foi com base nessa necessidade e capacidade de concertação – que teve expressão política e ideológica no que poderíamos chamar de «consenso de Bruxelas» entre direita e social-democracia – que se difundiu e consolidou a ideia de um processo de integração (chamado não inocentemente de «construção europeia») inevitável e irreversível.

Contudo, a realidade acaba sempre por se impor. E se a concertação inter-imperialista nunca foi, nem nunca é, por definição, um dado adquirido, os tempos que vivemos não só comprovam essa tese como nos indicam que essa concertação é a cada dia que passa, cada vez mais difícil de ser verificada, sempre e em todos os campos.

É significativo que hoje se considere abertamente a possibilidade de uma desintegração, já não «apenas» da Zona Euro/União Econômica e Monetária (UEM) mas da própria UE. Se até aqui, os impulsionadores do processo admitiam que este poderia parar mas nunca regredir, hoje vêem-se confrontados com cenários não totalmente inverosíméis de desagregação. O referendo previsto para 2017 no Reino Unido, sobre a sua permanência ou saída da UE, sendo ele mesmo um processo contraditório, é expressão desta evolução.

A gestão da crise na e da UE

A tese de que «A gestão capitalista da crise, pela via do agravamento da exploração e o que a acompanha é, em si mesma, prelúdio de novas crises»1 aplica-se também à realidade do processo de integração capitalista. A resposta da UE à sua crise, por via do aprofundamento dos seus três pilares, espoletou uma sucessão de crises, no fundo expressões diversas de uma mesma crise, que se intensificam e alimentam mutuamente.

Olhemos apenas aos últimos meses. Longe de estar superada a chamada crise da moeda única e os seus efeitos devastadores – crise que estilhaçou os mitos e a propaganda sobre o Euro e a UE, pondo em evidência a dinâmica de divergência e desigualdade que caracteriza esses processos – e ainda não refeita do chamado «caso grego» – com tudo o que significou de clarificação do carácter profundamente antidemocrático da UE e da impossibilidade de desenvolvimento de políticas progressistas no quadro do Euro – aí temos já a chamada crise dos refugiados. A propaganda do «espaço de liberdade, solidariedade, tolerância e de respeito pelos direitos humanos» é destroçada pelas imagens dos cadáveres no Mediterrâneo e pelos muros e cercas de arame farpado (em sentido literal e não figurado) erguidos ao longo das fronteiras entre Estados-membros.

A chamada «crise dos refugiados» é consequência directa das políticas da UE e da NATO de ingerência e guerra em várias regiões do globo, com destaque para o Médio Oriente e Norte de África. Mas a UE está confrontada com outras consequências da sua chamada «política externa e defesa». Os ataques terroristas de Paris, com tudo o que acarretam, são o exemplo mais eloquente e a reacção da UE acarretará pesadas consequências para os povos da Europa se não travada. Mas esse não é o único exemplo. As preocupações crescentes com a chamada «segurança energética», bem patentes nos documentos do Conselho e resoluções do Parlamento Europeu, são inseparáveis do envolvimento da UE no projeto imperialista de confrontação e cerco à Federação Russa e que tem no caso ucraniano um ponto central.

Ao contrário do que insistentemente alguns querem fazer crer, os problemas e as dificuldades com que a UE se debate não resultam de características particulares de lideranças conjunturais, mas sim da própria natureza do processo de integração, dos seus pilares políticos e ideológicos, plasmados nos seus tratados, nas suas políticas, na sua orientação e actividade.

Esses problemas e dificuldades estão longe de estar resolvidos. Ou de ter sequer uma perspectiva de resolução. Esse reconhecimento, imposto pela realidade, é hoje praticamente unânime. É neste contexto que importa travar uma decidida batalha pela consciencialização das massas acerca da natureza do processo de integração, do seu carácter irreformável e da necessidade de o derrotar por via de rupturas com esses pilares e políticas.

Concentração de poder e crise política

Confirma-se a natureza das instituições da UE como instrumentos de domínio político do grande capital. Os escândalos «Luxleaks» e «Volkswagen» são apenas dois exemplos recentes que evidenciam o grau de promiscuidade existente entre o poder político e o poder económico, com subordinação do primeiro ao segundo.

Foi o grande capital europeu, por via do directório de potências hegemonizado pela Alemanha, quem determinou o caminho de «reação» à crise do Euro iniciado em 2010 – com os programas de intervenção UE-FMI, a aprovação do mecanismo do Semestre Europeu e da legislação relativa à Governação Económica, a elaboração e ratificação do Tratado Orçamental.

Este caminho – insiste-se e sublinha-se: proposto e vigorosamente defendido pelas organizações representativas do grande patronato europeu, em documentos que vieram a anteceder propostas legislativas da Comissão Europeia – ainda não foi concluído. Traduz-se num aprofundamento neoliberal que exigiu e exige, para poder ser imposto aos povos, uma inaudita concentração do poder político no seio da UE e um forte ataque à soberania dos Estados.

Esta constatação remete-nos para os vectores de crise da UE acima mencionados: traduz uma crise de legitimidade política, de apoio popular, e é parte de um fenómeno mais amplo de crise dos sistemas de representação política.

A concentração de poder no directório de potências, o federalismo e o ataque às soberanias nacionais visam criar melhores condições para forçar o aprofundamento do neoliberalismo. O aprofundamento da concentração e centralização do capital exige a concentração e centralização do poder político. Esta última é condição para a viabilização do primeiro. Mas esta equação tem vários problemas. Quanto mais arrogante e centralizado se torna o poder político e quanto mais violento é o processo de exploração, mais visíveis se tornam as contradições, menos espaço existe para a farsa democrática das instituições europeias, mais evidente se torna o papel dirigente do grande capital e das grandes potências e a quase total identidade de políticas entre social-democracia e direita, por mais que o tentem disfarçar.

Este lastro de degradação política tem e terá ainda mais consequências. Os impulsionadores do processo de integração capitalista já se debatem com o notório afastamento das chamadas «opiniões públicas» do chamado «projecto europeu». Os sistemas políticos nacionais são percorridos por complexos processos que, independentemente de fundas contradições e particularidades nacionais, configuram importantes abalos no tradicional status quo político da alternância convergente entre direita e social-democracia.

As expressões dessa que é no fundo uma crise dos sistemas de representação burguesa ao nível nacional e do sistema de poder transnacional são várias e contraditórias. Três dos elementos mais visíveis hoje são, por um lado, o complexo processo de reorganização e reestruturação da social-democracia (de que o processo grego será a expressão mais avançada mas não única), os contornos quase fascizantes que assumem algumas políticas da direita tradicional e o crescimento da extrema-direita e ressurgimento do fascismo.

Esta crise política e de legitimidade, que decorre – é importante sublinhar – num contexto de gravíssima crise social, é susceptível de criar e aprofundar grandes e graves contradições, cujo desfecho não é inteiramente previsível mas que poderão mesmo levar a reconfigurações na estrutura de poder da Zona Euro e da própria UE. No entanto, e apesar destas contradições, quer social-democracia, quer direita, tentam por várias formas manter o controlo, consolidar e aprofundar o processo e contrariar a tendência de desagregação – é o que tenta fazer o chamado Relatório dos Cinco Presidentes, mais uma vez com um «salto em frente».

O Euro: Que futuro?

As mais recentes previsões económicas (Outono 2015), dentro de um quadro geral de estagnação/crescimento anémico na UE, apontam para perspectivas ainda mais pessimistas dentro da Zona Euro, face ao resto dos países da UE que dispõem de moeda própria. Sinal evidente de que a crise na Zona Euro está longe de ser uma página virada.

Não há no médio-prazo perspectivas de novas adesões. Recorde-se que, com excepção do Reino Unido e da Dinamarca – que decidiram ficar permanentemente fora do Euro – todos os restantes Estados-membros que ainda não entraram no Euro – Bulgária, Croácia, República Checa, Hungria, Polónia, Roménia e Suécia –, de acordo com o Tratado de Maastricht deverão aderir à moeda única um dia (não lhes foi imposto prazo concreto todavia), sendo condição para que o façam que cumpram os chamados critérios de convergência. Ora, com uma ou duas excepções, os países em questão não cumprem os ditos critérios na sua integralidade por opção deliberada, optando assim por se manterem fora do Euro, com moeda própria e todas as prerrogativas que lhe são inerentes, incluindo a possibilidade de prosseguirem uma política monetária própria, de acordo com as suas necessidades e interesses. Aliás, alguns destes países têm mesmo vindo a utilizar activamente a política monetária para mitigar alguns dos efeitos da crise.

Mais do que nos perguntarmos se o Euro tem futuro, importa questionarmo-nos sobre que futuro espera as economias da periferia da Zona Euro, Portugal incluído, dentro do Euro.

A experiência grega foi certamente muito elucidativa, vindo confirmar a tese de que não é possível, no quadro do Euro e das regras que lhe estão associadas, suster e inverter de forma sustentada e duradoura o ciclo de dependência, subordinação e empobrecimento da periferia.

Ao longo de mais de uma década e meia, o Euro confirmou a sua natureza de classe, confirmou-se como um projecto de domínio do grande capital europeu, que serviu e serve ao capital nacional que àquele se associa numa posição dependente, e com ele converge do ponto de vista dos interesses de classe.

A nível europeu, alarga-se a consciência (ainda insuficiente) de que o Euro cria um quadro de constrangimento quase absoluto ao desenvolvimento de políticas alternativas, e em especial políticas progressistas, que dêem corpo a projectos de desenvolvimento soberano.

Forças e personalidades de vários países (incluindo algumas que eram, até há bem pouco tempo, denodados federalistas) reconhecem agora que o Euro «se tornou o instrumento de dominação política da oligarquia europeia, escondido atrás do Governo alemão (...)», afirmando que «esta Europa só produz violência dentro e entre as nações: o desemprego em massa, dumping social feroz»2. Este tipo de posições, vindas de sectores que durante largos anos pugnaram pela «reforma» e «democratização» do processo de integração capitalista, traduzem, independentemente de contradições, superficialidades e inconsistências próprias destes sectores, o alargamento da percepção sobre as consequências do Euro e sobre a necessidade de romper com este instrumento. Alguns teorizam mesmo sobre a necessidade de constituição daquilo a que chamam «Frentes de Libertação Nacional contra o Euro», capazes de conduzir, a partir de cada país, um «desmantelamento organizado» (ou uma «saída organizada») do Euro e a «reconstrução económica». Ou seja, e por outras palavras, reconhecem aquilo que há muito o PCP vem defendendo, a importância da questão nacional e do marco nacional de luta na construção de uma outra Europa.

São posições e evoluções que importa acompanhar, num quadro em que se mantém a importância de promover o diálogo e a cooperação, no plano institucional, designadamente no âmbito do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu, das forças que são susceptíveis de serem chamadas à luta por uma alternativa progressista, de esquerda, e pela derrota dos intentos dos sectores mais agressivos e reaccionários do capital.

Para lá do Euro

Pese embora a sua importância e papel central no processo de integração capitalista, seria errado confinar a análise crítica da integração capitalista à moeda única.

No campo económico pelo menos dois outros instrumentos (que aqui não cabe desenvolver) assumem um papel determinante: o mercado único e a desregulação e liberalização crescente do comércio internacional. Um e outro estão intimamente inter-relacionados. De tal forma que a liberalização do comércio mundial – e, em particular, o passo de gigante que nesse domínio se quer dar com o acordo transatlântico de livre comércio entre a UE e os EUA (o TTIP) – é apontada como um impulso para completar o que falta ainda fazer no mercado interno, nomeadamente no domínio dos serviços. Travadas que foram as intenções de liberalização dos serviços no mercado interno com a derrota da famigerada Directiva Bolkestein, pretende-se agora que entre pela janela atlântica o que pela força da luta dos trabalhadores e dos povos não entrou pela porta de Bruxelas.

Alargamento?

Como vimos, a resposta à crise na e da UE está nesta fase a ser feita pela via do aprofundamento. Já quanto ao alargamento – objectivo nunca abandonado, prosseguindo a velha consigna da «Europa do Atlântico aos Urais», e até agora sempre coordenado com a expansão da NATO, tudo aponta para que esse processo se mantenha em «banho-maria», como aliás o reconheceu o próprio presidente da Comissão Europeia no seu programa 2014-2019.

A recente cimeira UE-Turquia merece certamente cuidada atenção e análise. Mas quanto ao alargamento, apesar de o assunto ter sido abordado e de se ter acordado imprimir um novo impulso no processo de adesão da Turquia, tal dever-se-á mais à necessidade de justificar no imediato a «cooperação reforçada» UE-Turquia do que propriamente a uma perspectiva realista de concretização dessa adesão a médio prazo.

Essa cooperação projecta-se em domínios como a gestão das migrações ou, em termos genéricos, no alinhamento turco com a política externa e de vizinhança da UE, incluindo nas suas vertentes de «segurança e defesa», que acentua o pilar militarista da UE e a sua articulação com a NATO.

Paz, democracia, direitos, uma outra Europa

À deriva neoliberal e federalista da UE associa-se, no plano interno, uma deriva securitária e autoritária e, no plano externo, uma deriva militarista e intervencionista. Os recentes atentados terroristas de Paris servem esta estratégia de cerceamento das liberdades no plano interno e de crescente agressividade no plano externo. Evolução indissociável do ascenso da extrema-direita e de forças de cariz assumidamente fascista em vários países.

O caso francês é exemplar e alarmante, com a Frente Nacional a ser guindada a primeira força na primeira volta das últimas eleições regionais. Situação que é indissociável do posicionamento e actuação do presidente Hollande e do Partido Socialista Francês, da profunda crise social em França ou, num quadro mais geral, da já referida profunda crise da social-democracia europeia.

Mas o caso francês está longe de ser único, ele remete para a necessária reflexão, prevenção e luta contra o fascismo como «saída» violenta, associada à guerra, da crise do capitalismo. O lastro para o reforço da extrema-direita foi criado durante anos e é agora acentuado com a crise social e a generalização de conflitos. Políticas económicas, de exploração, neocoloniais, de guerra e ingerência estão na base do crescimento da extrema-direita. A forma como a UE lida com o tema da imigração demonstra muito bem a forma como paulatinamente concepções de extrema-direita foram ganhando «espaço institucional». Os imigrantes são tratados como suspeitos, potenciais criminosos, cidadãos a expulsar, dando espaço, crédito e força aos sectores fascizantes mais agressivos que ganham expressão eleitoral, em países como a França, Holanda, Grécia, Hungria, Áustria, Suécia, Finlândia, entre outros. Aliás, a União Europeia não só permite a criação do lastro para o crescimento da extrema-direita, como estimula e apoia, na sua «vizinhança», forças abertamente fascistas, como é o caso da Ucrânia.

Confirma-se a tese de que o «aprofundamento da exploração e opressão capitalistas alimenta a acção das forças e grupos fascistas»3 e que este tipo de forças encontra no retrocesso e desestruturação social, na opressão dos sentimentos nacionais e no carácter abertamente reaccionário das políticas da direita e da social‐democracia, campo fértil para a propagação da sua ideologia de ódio racial e social.

Neste contexto, a luta contra o fascismo e a luta pela paz caminham lado a lado. A Europa está traumatizada pelos atentados terroristas de Paris e com razão. Eles são um terrível símbolo, uma espécie de síntese, da profunda crise de civilização que se vive na Europa e no Mundo. Para combater o terrorismo é necessário ir às suas causas. É necessário denunciar as suas verdadeiras razões e o apoio que vários países europeus (como a França) têm dado ao terrorismo, nas suas múltiplas formas, incluindo o terrorismo de Estado.

Mas não só, a verdadeira luta contra o terrorismo passa por profundas transformações sociais, pela democracia, contra a UE do grande capital, da guerra, da intolerância, da exploração e da opressão dos povos. Passa pela construção de um outro quadro de cooperação na Europa, pela construção de uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos, de paz, cooperação, progresso e justiça social. Isso pressupõe, obrigatoriamente, rupturas profundas que confluam na derrota do processo de integração capitalista consubstanciado na União Europeia e a afirmação soberana do direito ao desenvolvimento económico e social dos Estados e povos europeus.


Notas:

(1) Resolução Política do XIX Congresso do PCP.

(2) Manifesto «Por um Plano B para a Europa».

(3) Resolução Política do XIX Congresso do PCP.

(*) Artigo elaborado pelos camaradas Ângelo Alves, membro da Comissão Política do Comité Central, e João Ferreira, membro do Comité Central e deputado ao Parlamento Europeu







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