Água: Uma batalha de todos os dias

Uma batalha de todos os dias
por Jorge Cordeiro
 
 
"No quadro da inadiável ruptura com a política de direita é preciso pôr termo ao processo de mercantilização de direitos básicos e essenciais à vida. É preciso dar combate à apropriação privada da água e da sua gestão, defendendo o seu carácter público, salvaguardando o poder de decisão e controlo nacional sobre este sector estratégico. É preciso garantir políticas que assegurem a todos os cidadãos o direito a um abastecimento de água de qualidade e a preços socialmente justos. É preciso garantir o respeito pelo papel e competências do poder local, combater a privatização do grupo Águas de Portugal, reverter o processo de expropriação das autarquias."

Não é uma força de expressão dizer-se que a questão da água é vital para cada ser humano, um direito inerente à vida. Mas esse direito é também uma questão de democracia, de soberania, de segurança ambiental, de protecção da natureza e de desenvolvimento. A água não é, ou não devia ser, um bem comerciável, uma mera mercadoria para gerar lucro.

Mas é precisamente por a água se constituir como um bem indispensável à vida que o capitalismo, a começar pela intervenção dos seus principais centros e instituições financeiros internacionais, apoiada por políticas e governos ao seu serviço, tem visto aí uma imensa fonte de negócio. Factor de domínio, de vulnerabilidade das políticas de soberania e controlo público, de fonte de lucro à custa das economias de milhões de consumidores e da própria sobrevivência de milhões de seres humanos, os centros do capitalismo, do Banco Mundial à Organização Mundial do Comércio, encorajam e promovem o processo de privatização. 

Em nome do lucro 

Também em Portugal, décadas de política de direita e de integração capitalista europeia inscreveram nas políticas nacionais os mesmos propósitos e a mesma estratégia de favorecimento da penetração do capital privado neste sector. Uma estratégia que sem alteração tem prosseguido pela mão de sucessivos governos do PS, PSD e CDS, na base de um processo que tem na criação dos sistemas multimunicipais e nos Planos Estratégicos de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais peças essenciais. Um processo concebido com cinco objectivos essenciais: expropriar as competências hoje detidas pelos municípios ao nível do abastecimento de água e saneamento; promover a concentração dos sistemas garantindo-lhes a dimensão indispensável a um processo de privatização; possibilitar a afectação do património municipal aos sistemas; agilizar e operacionalizar a canalização de milhares de milhões de euros de fundos comunitários numa antecipada operação de transferência de recursos públicos para futuros operadores privados; favorecer numa fase intermédia a actualização de tarifários susceptíveis de assegurar as margens de rentabilidade necessárias para uma exploração privada dos sistemas.

Um plano gizado para garantir o crescimento rápido de uma holding – no caso a empresa Águas de Portugal – primeiro, pela imposição de mega-sistemas que concentram captações e tratamentos em áreas excessivamente extensas, obrigando a processos de transporte e adução de enorme distância e a exaustivos tratamentos químicos em detrimento de uma política de aproveitamento de recursos de água subterrânea, e mais recentemente, com a estratégia de fusão e verticalização e a alteração ao estatuto da entidade reguladora. É em nome da ideia de que o negócio será tanto mais valioso quanto maior o capital social das empresas, maior o número de clientes garantidos e maior o volume da facturação que se explica o fio condutor das opções e políticas prosseguida por sucessivos governos. 

Travar a privatização 

O caminho seguido conduzirá não apenas à alienação do controlo público sobre um bem essencial à vida como a sua irremediável deposição nas mãos de capital estrangeiro. Um caminho que seguramente servirá o fomento do negócio privado na exploração lucrativa da água à custa da sua sobre-exploração e degradação mas que é absolutamente contrário aos interesses e direitos das populações. Ainda o processo vai no seu início e já se sentem as consequências. Em inúmeras zonas do País são muitos os portugueses que sentem já no seu bolso o peso crescente da factura da água resultante de aumentos tarifários brutais que acompanham os processos subordinados à lógica privatizadora da água. 

No quadro da inadiável ruptura com a política de direita é preciso pôr termo ao processo de mercantilização de direitos básicos e essenciais à vida. É preciso dar combate à apropriação privada da água e da sua gestão, defendendo o seu carácter público, salvaguardando o poder de decisão e controlo nacional sobre este sector estratégico. É preciso garantir políticas que assegurem a todos os cidadãos o direito a um abastecimento de água de qualidade e a preços socialmente justos. É preciso garantir o respeito pelo papel e competências do poder local, combater a privatização do grupo Águas de Portugal, reverter o processo de expropriação das autarquias. As populações têm nas próximas eleições para as autarquias, com o apoio à CDU, uma oportunidade para dar força à luta em defesa da água pública.



Fonte: Avante



Mafarrico Vermelho
 

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