Clara Zetkin - Revolucionária internacionalista

Clara Zetkin - Revolucionária internacionalista
Conhecer e dar a conhecer Clara Zetkin é uma tarefa revolucionária. Porque as suas ideias estavam enraizadas na vida e na luta das massas trabalhadoras. Porque o seu carácter persistente e audaz sempre se revelou em todas as causas por que se bateu. Porque nada, nem perseguições policiais, nem a prisão, a fez desviar dos objectivos supremos da sua luta. Porque as suas análises, inseridas na luta de classes, contêm aspectos enriquecedores da análise marxista-leninista da história. E porque, nas suas próprias palavras, o seu mestre é «a ideia do socialismo internacional».


Contra o fascismo e contra a guerra



Se é certo que a actividade revolucionária de Clara Zetkin se centrou na luta pela emancipação das mulheres, não é menos certo que ela exerceu simultaneamente uma intensa actividade, particularmente na luta contra os flagelos do seu e do nosso tempo – o imperialismo, a guerra e o fascismo.

No seu relatório A luta contra o fascismo, apresentado em Junho de 1923 na 3.ª Assembleia plenária alargada do Comité Executivo da Internacional Comunista (do qual fazia parte), Clara Zetkin revela um profundo conhecimento da situação existente na Itália nos anos conturbados do fascismo – fenómeno político cujas teorias se tinham multiplicado ao longo dos anos sem que tivesse sido objecto de uma análise aprofundada. Desvendou questões fundamentais como a decomposição da economia capitalista e do Estado burguês; a traição dos dirigentes reformistas do movimento operário – causa do atraso da revolução mundial; o desencanto provocado pela política de coalisão dos socialistas reformistas, paga a alto preço não só pelos operários e empregados, mas também por outras classes e camadas – de que resultou a perda de confiança nesses dirigentes e até no próprio socialismo.

Porém, para Clara Zetkin, mais do que a traição dos dirigentes reformistas, o que engendra a decepção é o facto de «ver o proletariado aceitar esta traição, vê-lo continuar a suportar sem se revoltar, o jugo capitalista. E mesmo a suportar passivamente uma sorte mais penosa do que no passado». A sua crítica não poupa os partidos comunistas (com excepção do partido comunista russo), que, afirma, «muitas vezes na sua acção não foram suficientemente enérgicos, a sua actividade insuficiente e a sua influência nas massas muito fraca e muito superficial», o que levou os proletários desiludidos a juntarem-se às fileiras fascistas.

Para Clara Zetkin, a Itália oferecia então «o exemplo clássico do fascismo e do seu desenvolvimento», que aqui encontrou terreno favorável em virtude do desmantelamento e fraqueza da sua economia. Todos os efeitos trágicos da guerra mundial (1914-18) caíram sobre a economia e as finanças. O governo tinha passado para as mãos dos capitalistas agrários e financeiros, sob a conduta de Giolitti. Temendo a classe operária, este governo considerou que mais valiam os fascistas do que os socialistas. Fundando o «bloco da ordem» de todos os partidos burgueses incluindo as organizações fascistas, deixou o caminho aberto ao fascismo, que assim pôde crescer e prosperar, tendo à sua espera um chefe predestinado, Mussolini, um aventureiro sem escrúpulos, trânsfuga do socialismo pacifista que se tornou um fanático propagandista da guerra. No Outono de 1914 clamava «A guerra ou a República», prometendo que a guerra traria ao povo o paraíso na terra. Depois de ter chafurdado no mar de sangue da guerra mundial com a burguesia industrial, com esta desejava fazer da Itália um Estado capitalista moderno. Depois da guerra, em 1919, organizou em Milão o primeiro «fascio di combattimento», associação de antigos combatentes cujo programa pretendia garantir o desenvolvimento da nação e zelar para que os heróis das trincheiras e os trabalhadores colhessem os frutos da guerra. Os «fasci» organizaram-se em algumas cidades, travando um combate encarniçado contra as organizações operárias revolucionárias porque estas, falando em luta de classes, «dividiam e enfraqueciam a nação».




Falsas promessas, corrupção e terror




Constatando que não dispunha de força suficiente para dominar a classe operária e obrigá-la, explorando-a ainda mais, a trabalhar para o desenvolvimento da economia capitalista, Mussolini recorreu a um programa demagógico e a um duplo aparelho de corrupção e de terror. Assim surgiram as «corporações nacionais» (sindicatos fascistas que englobavam operários, empregados e patrões duma profissão ou indústria) e os «squadre» (organizações militares saídas dos grupos encarregados de «expedições punitivas» contra os camponeses e de bandos de «condenados de direito comum que foram reagrupados em organizações permanentes de mercenários».

Clara Zetkin analisa alguns traços essenciais desse programa, desmascarando a hipocrisia de Mussolini e as suas falsas promessas no plano político, social e militar.




A traição da social-democracia




Sob a influência da luta gloriosa dos operários e camponeses russos na Revolução de Outubro 1917, os operários metalúrgicos italianos, no Verão de 1920, deram início à ocupação de fábricas. No entanto – afirma Clara Zetkin – «Os responsáveis reformistas do partido socialista recusaram-se cobardemente a alargar essa ocupação na luta política pelo poder. Confinaram o combate dos operários à luta puramente económica sob a direcção dos sindicatos (...)», «traíram os escravos revoltados assinando com os patrões um compromisso vergonhoso, contando com a notável colaboração do governo, particularmente de Giolitti. Os dirigentes da esquerda do partido socialista – núcleo do futuro partido comunista – eram ainda inexperientes no plano político e insuficientemente formados para poder dominar a situação, na teoria e na prática (...)». «As ocupações das fábricas terminaram com uma grande derrota do proletariado, que se deixou ganhar pelo desânimo, pela dúvida e pusilanimidade. Milhares de trabalhadores afastaram-se do partido e dos sindicatos. Muitos caíram na indiferença e na apatia, outros aderiram a organizações burguesas. O fascismo ganhou um número crescente de dirigentes e simpatizantes entre os operários desiludidos (...)».

Clara Zetkin assinala como «particularmente importante o despertar de fracções do proletariado que tinham sido inebriadas e intoxicadas pelo fascismo» para a luta contra a política fascista. Os operários de vários estaleiros navais, os operários de diversas cidades e de diversas grandes indústrias intensificaram a luta. As ocupações de fábricas repetiram-se em vários locais. Para Clara Zetkin: «Tais factos mostram que são sobretudo os operários que retomam consciência dos seus interesses e deveres de classe».





Alerta contra «um monstro em agonia»



Clara Zetkin recusou-se a considerar o fascismo como um «bloco de granito» contra o qual se quebrariam todos os esforços, como afirmavam os reformistas: «Os reformistas vêem no fascismo a expressão da força e do poder inabalável do domínio burguês de classe e consideram que seria vão e temerário para o proletariado empenhar-se nesta luta. Só resta, pois, ao proletariado afastar-se calma e modestamente, não irritar o tigre ou o leão burguês, lutando por se libertar e assegurar a sua ditadura, em suma, só lhe resta renunciar ao presente e ao futuro...».

Não é este o caminho nem para a classe operária nem para os comunistas. Daqui o seu vibrante alerta contra o perigo fascista: «E enquanto na Itália o proletariado se desliga do fascismo, e que, mais forte, mais consciente e mais seguro de si, retoma a luta em defesa dos seus interesses, uma luta de classes revolucionária pela sua liberdade, os camaradas italianos, os proletários, não devem esperar que o fascismo, que no plano ideológico e político caminha para a sua perda, lance contra eles o mais cínico e brutal terror! É preciso estarem prontos! Um monstro na agonia é ainda capaz de dar golpes mortais!»

Na análise de Clara Zetkin «O fascismo é actualmente a expressão mais forte, mais concentrada, a expressão clássica da ofensiva geral da burguesia mundial. É uma necessidade elementar abatê-lo». E atribui esta tarefa ao proletariado no seu conjunto e também da sua vanguarda revolucionária, os comunistas.

Clara Zetkin salienta também a natureza internacional do fascismo: «É claro que o fascismo apresenta características diferentes segundo os países, em função das situações concretas específicas de cada um. Ele tem no entanto duas características constantes: por um lado, um programa pseudo revolucionário que de maneira extremamente hábil se apoia em correntes de opinião, nos interesses e aspirações das mais vastas massas sociais e, por outro lado, no emprego do terror mais brutal».

Clara Zetkin acentua a necessidade de agir: «Cometeríamos um grande erro se a análise histórica do fascismo nos incitasse a não fazer nada, a deixar de nos armar e de nos bater contra ele. É verdade que o fascismo está condenado a desagregar-se no seu interior, que ele só pode ser provisoriamente instrumento de luta de classes da burguesia, que só provisoriamente pode reforçar, legalmente ou não, o poder do Estado burguês contra o proletariado. No entanto, seria fatal esperar o fim deste processo de decomposição; o nosso primeiro dever é, pelo contrário, precipitar este processo por todos os meios».




«É preciso abater o fascismo»




A 30 de Agosto de 1932, quando Clara Zetkin sobe à tribuna do Parlamento alemão e aí profere o discurso de abertura na qualidade de deputada decana, a situação no país era extremamente grave e perigosa. Clara Zetkin cita os milhões de desempregados, a fome e a miséria crescentes. Alerta para os perigos de uma 2.ª Guerra Mundial, atiçada pelos países do Ocidente, no seu desejo de destruir num mar de chamas a União Soviética e a construção do socialismo. Avalia o poder político na Alemanha, então nas mãos de um chamado «gabinete presidencial», sem o consentimento do Parlamento, constituído por homens de mão do grande capital monopolista e dos grandes agrários, e do qual os generais da Reichswehr são o elemento motor. E acusa este governo de espezinhar os direitos das massas na sua luta contra a miséria e de proteger os interesses dos grandes agrários endividados, dos industriais falidos, dos tubarões da finança, dos armadores, especuladores e traficantes sem escrúpulos.

Quanto à política externa, ela é determinada pelos apetites imperialistas comprometendo as relações com a União Soviética, o único Estado que, pela sua política de paz sincera e o seu progresso económico, pode oferecer aos trabalhadores alemães um verdadeiro apoio. (...)

Clara Zetkin condena a traição da social-democracia reformista, que se coloca, em teoria e na prática, no terreno podre da ordem social burguesa. As eleições gerais de Setembro 1930 colocaram o SPD como partido mais votado seguido do partido nazi. Porém, o SPD optou por manter no governo o gabinete de Bruing, que foi seguido pelo governo de von Papen, o mesmo que aconselhou o presidente von Hinderburgo a nomear Hitler como conselheiro em Janeiro de 1933. Foi a chamada política do «mal-menor». Clara Zetkin critica esta política porque reforçou nas forças reaccionárias a consciência do seu poder e por não ter conseguido impedir o maior de todos os males: habituar as massas à passividade, pedindo-lhes que renunciem a utilizar a força de que dispõem fora do Parlamento. Depois de afirmar que o papel do Parlamento na luta de classes do proletariado também assim fica reduzido, Clara Zetkin formula esta tese que continua a ter plena validade nos nossos dias: «Hoje, dentro de certos limites, é possível utilizar o Parlamento para a luta dos trabalhadores, mas unicamente se ele se apoiar sobre poderosas acções de massas fora dos seus muros».

«Nesta batalha trata-se antes de tudo de abater o fascismo, que quer aniquilar a ferro e sangue as manifestações de classe dos trabalhadores, sabendo bem, como os nossos inimigos, que a força do proletariado não depende do número de lugares no Parlamento, que ela está ancorada nas suas organizações políticas, sindicais e culturais. (...) Mas a demonstração de força do povo trabalhador fora do Parlamento não deve limitar-se ao derrube do governo inconstitucional; deve ir para além desse objectivo limitado e preparar-se para derrubar o Estado burguês e o seu fundamento: a economia burguesa.

Clara Zetkin afirma que a luta das massas trabalhadoras contra a miséria que agora as oprime é ao mesmo tempo uma luta pela sua total libertação. É uma luta contra o capitalismo, que explora e avilta, e pelo socialismo, que resgata e liberta.

E termina o seu discurso com um vibrante apelo: «É neste objectivo luminoso que as massas devem constantemente fixar o seu olhar, sem se deixarem perturbar pelas ilusões da democracia libertadora e sem se deixarem amedrontar pela brutalidade do capitalismo, que procura a sua salvação num novo genocídio universal, nos assassinatos fascistas e na guerra civil».

A vida mostrou a justeza do apelo de Clara Zetkin para derrubar o fascismo. Ele sobreviveu na Itália, contando com o apoio dos grupos monopolistas, com a solidariedade dos seus comparsas internacionais, entre os quais Salazar, Franco e Hitler e também com a acção divisionista dos socialistas reformistas. Só no final da 2.ª Guerra Mundial, que fez cerca de 50 milhões de vítimas – entre as quais 20 milhões de cidadãos soviéticos –, o fascismo sofreu uma derrota histórica.

Mais tarde, em Portugal, a tarefa para derrubar o fascismo foi empreendida com êxito pelo PCP, com particular participação teórica e prática de Álvaro Cunhal, que apontou o caminho da luta popular de massas para o derrubamento do fascismo. O que aconteceu graças à luta incansável da classe operária e dos trabalhadores em geral, à luta heróica dos comunistas, vítimas preferenciais da repressão fascista ao longo de meio século, até à Revolução vitoriosa de 25 de Abril de 1974.



Texto publicado originalmente na Revista O Militante Nº 291 , no sítio www.omilitante.pcp.pt

O Mafarrico Vermelho 

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