Soberania e independência nacional - Uma questão central do nosso tempo

Soberania e independência nacional - Uma questão central do nosso tempo
Por Pedro Guerreiro

Revista O Militante - Nº 317 - Mar/Abr 2012 • Tema




Face ao aprofundamento da crise do capitalismo – que resulta da agudização das suas insanáveis contradições –, este lança-se numa sistemática e ampla ofensiva contra os direitos e as conquistas sociais históricas dos trabalhadores, a soberania dos povos e a independência dos Estados.

Sem a opressão da democracia, da soberania e independência nacionais, o imperialismo – o capitalismo na sua fase monopolista – não poderia impor o seu domínio político e económico, assegurar a exploração e a gigantesca transferência da riqueza criada pelo trabalho para o capital monopolista.

Sem salvaguarda da soberania e independência nacionais não será possível assegurar a ruptura com os instrumentos de exploração e opressão do imperialismo e levar a cabo um efectivo processo de transformação social – isto é, a questão de classe e a questão nacional andam de braço dado no caminho da conquista da emancipação dos trabalhadores e dos povos.

A experiência histórica da luta do movimento operário, dos trabalhadores e do povo português, a Revolução portuguesa – os seus avanços e recuos –, comprovam a intrínseca relação entre a questão de classe e a questão nacional, entre a emancipação social e a emancipação nacional.

No seu Programa adoptado no VI Congresso (1965), o PCP caracterizou o regime fascista como a «ditadura terrorista dos monopólios associados ao imperialismo estrangeiro e dos latifundiários»
(1) e a luta contra a ditadura fascista como tendo um cunho anti-monopolista e anti-imperialista, apontando o caminho da revolução democrática e nacional como parte integrante da luta pelo socialismo.

Comprovando que Portugal não era um país independente e que as principais riquezas e sectores básicos da economia se encontravam sob o domínio ou influência de monopólios estrangeiros, o PCP sublinhou a importante tese de que «a dependência económica é acompanhada pela dependência política»
(2) e, consequentemente, pela perda da soberania e independência nacionais – concluindo que, apesar de ser ainda uma potência colonial, Portugal era ao mesmo tempo um país dependente.

A conquista da verdadeira independência de Portugal e a instauração e viabilidade de um regime democrático exigiam e colocavam como um dos objectivos a libertação de Portugal do domínio imperialista, o que permitiria «pôr ao serviço do povo e da nação parte considerável das riquezas nacionais […] nas mãos dos monopólios estrangeiros, impedir a drenagem para o estrangeiro do valor criado pelo trabalho nacional, aumentar os investimentos nacionais, desenvolver a economia numa base nacional e independente, liquidar na vida económica e política portuguesa a influência, supervisão e comando das potências imperialistas»
(3).

A Revolução libertadora e democrática, iniciada a 25 de Abril de 1974, acabou com o fascismo, pôs fim às guerras coloniais, liquidou o capitalismo monopolista de Estado, realizou profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais no País, melhorou as condições de vida dos trabalhadores e do povo, contribui para a conquista da independência dos povos submetidos ao colonialismo português, pôs fim ao isolamento internacional de Portugal e à sua inteira submissão ao imperialismo e abriu caminho a uma política externa de paz, de amizade e de cooperação

As amplas e profundas transformações democráticas e o projecto de desenvolvimento patriótico e internacionalista iniciado pela Revolução de Abril foram alcançados porque esta se alicerçou e foi a expressão da livre e soberana vontade dos trabalhadores e do povo português e da afirmação da independência nacional – aliás, consagradas na Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de Abril de 1976.

Se a Revolução de Abril demonstra o carácter indissociável e complementar das dimensões política, económica, social, cultural e da soberania e independência nacionais para a conquista de profundas transformações democráticas e sociais, o processo contra-revolucionário que se lhe seguiu, pelas razões inversas, não lhe fica atrás.

Ao longo dos últimos 36 anos, o processo contra-revolucionário, na sua obra de destruição das conquistas de Abril desenvolve-se em cinco direcções fundamentais: a restauração do capitalismo monopolista de Estado; o agravamento da exploração dos trabalhadores; a perversão do regime democrático; a promoção e reposição de valores obscurantistas ou retrógrados; e a crescente dominação do capital estrangeiro sobre a economia portuguesa e a limitação da soberania e independência nacionais.

No processo de reconstituição do capitalismo monopolista, a submissão aos interesses do capital estrangeiro, às grandes potências capitalistas, ao imperialismo, assume uma particular importância.

Apesar de ter diversificado as relações externas do país – incluindo o estabelecimento de relações com a URSS e outros países socialistas –, a Revolução de Abril não conseguiu libertar Portugal de importantes posições do capital estrangeiro e das ingerências e pressões económicas, financeiras, diplomáticas e militares do imperialismo, que activamente incentivou e apoiou o PS, o PPD, o CDS e todas as forças reaccionárias e conservadoras quer para o desencadeamento, quer na sustentação do processo contra-revolucionário.

Como é sublinhado no Programa do PCP «Portugal – Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI», aprovado no XIV Congresso (1992), «a aceitação, como opção estratégica, de limitações à soberania e à independência nacionais foi inspirada pelo propósito de acelerar o processo de liquidação das conquistas da revolução de Abril e de restaurar o capitalismo monopolista e de acorrentar Portugal ao sistema capitalista internacional e traduziu-se designadamente em múltiplas orientações e decisões que nos domínios da integração de Portugal na CEE, da participação do País em outras organizações internacionais, e nos planos económico, militar, cultural e de política externa e de segurança criaram novos e mais agravados laços de dependência e subordinação».
(4)

Alertava-se então para que se «o Mercado Comum (nomeadamente a circulação livre de mercadorias e capitais) já continha para Portugal, dado o seu atraso relativo, elementos desfavoráveis ao desenvolvimento e novas limitações à independência. A evolução num sentido federalista da integração europeia nos planos económico, político e militar, ameaça transformar Portugal num Estado subalternizado e periférico, cuja política poderá passar a ser crescentemente decidida, mesmo que contra os interesses portugueses, por instâncias supranacionais dirigidas no fundamental pelos Estados mais fortes e mais ricos e pelas empresas transnacionais». (5)

Se analisarmos o período que antecipou a adesão de Portugal à CEE, em 1986, e os 26 anos que se lhe seguiram, podemos comprovar que a concretização e avanço da política de direita em Portugal vão de braço dado com o processo de integração capitalista europeia e seu respectivo aprofundamento, sendo a segunda um alicerce fundamental da primeira.

O processo de integração capitalista europeia que se precipitou, desde 1986, numa incessante escalada federalista, neoliberal e militarista – não deixando de constituir uma autêntica «fuga em frente» face às suas insanáveis e cada vez maiores contradições –, é determinado e dirigido pelas grandes potências capitalistas em função das necessidades e interesses dos seus grupos monopolistas.

Acto único (1986), Tratado de Maastricht (1992), Tratado de Amesterdão (1997), Tratado de Nice (2001) e o Tratado de Lisboa (2007), tiveram como objectivo reforçar os instrumentos políticos, económicos e militares do processo de integração capitalista europeia, como: o «Mercado Único», a «Política Agrícola Comum», a «Política Comum de Pescas», a «União Económica e Monetária» (com o seu Euro, Pacto de Estabilidade e Banco Central Europeu), a «Política Externa e de Segurança Comum» ou a«Política de Defesa e de Segurança Comum» (que definem a UE como pilar europeu da NATO).

Como comprova a evolução da União Europeia, cada novo avanço neste processo – nas suas indissociáveis vertentes federalista, neoliberal e militarista, que, sublinhe-se, se alicerçam e reforçam mutuamente – consolidam uma «construção» que tem como objectivo garantir e sustentar o domínio político e económico dos monopólios e das grandes potências capitalistas na Europa, demonstrando que, na sua essência, esta não é reformável – «do ponto de vista das condições económicas do imperialismo, isto é, da exportação de capitais e da partilha do mundo pelas potências coloniais «avançadas» e «civilizadas», os Estados Unidos da Europa, sob o capitalismo, ou são impossíveis, ou são reaccionários».
(6)

Tratado após Tratado, a UE reforçou-se como instrumento de classe do capitalismo monopolista e das grandes potências capitalistas da Europa, como pólo imperialista dirigido para a intensificação da exploração, para o domínio político e económico, para a agressão militarista.

A propósito da UE e quanto às diferentes formas sob as quais se manifesta e exerce o domínio imperialista, recordem-se as pertinentes e actuais chamadas de atenção de Lénine: «ao falar da política colonial da época do imperialismo capitalista, é necessário notar que o capital financeiro e a correspondente política internacional, que se traduz na luta das grandes potências pela partilha económica do mundo, originam abundantes formas transitórias de dependência estatal. Desta época são típicos não só os dois grupos fundamentais de países – os que possuem colónias e as colónias –, mas também as formas variadas de países dependentes que, de um ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática.»
(7), salientando, que «a subordinação mais lucrativa e «cómoda» para o capital financeiro é uma subordinação que traz consigo a perda da independência política dos países e povos submetidos». (8)

Constatando-se que «a internacionalização da economia, a profunda divisão internacional do trabalho, a crescente cooperação entre Estados e os processos de integração correspondem […] a realidades e tendências de evolução não exclusivas do capitalismo. [E que] Em função da sua orientação, características e objectivos, tais processos podem servir os monopólios e as transnacionais, ou podem servir os povos» (9), forçosamente se conclui que, pelo seu carácter de classe, a finalidade da UE é servir os interesses dos monopólios – que têm na UE o seu melhor instrumento de domínio – e não os dos trabalhadores e dos povos.

Cada etapa no processo de integração capitalista europeia, cada aprofundamento das suas políticas, teve e terá profundas e gravosas consequências para os trabalhadores e o povo português, representando maiores imposições e condicionamentos e acrescidas dependência e submissão de Portugal aos interesses do capital financeiro e dos grandes grupos económicos.

Portugal enfrenta actualmente uma nova e séria ameaça com a proposta do dito «Tratado sobre a Estabilidade, a Coordenação e a Governação na União Económica e Monetária».

Se ratificado, este novo tratado representará um significativo ataque à soberania e independência nacionais, pois o seu objectivo é o reforço dos instrumentos de ingerência e de controlo da política económica do país (nomeadamente, das suas políticas orçamental, fiscal e de emissão de dívida) por parte das grandes potências e do capital financeiro, isto é, um gravíssimo e inaceitável passo na progressão das políticas e da ingerência da UE – hoje ostensivamente concretizadas através do pacto de agressão (instrumento que se institucionalizaria) – e a condenação do país a uma permanente e intolerável tutela, à dependência e ao subdesenvolvimento.

A contradição maior e o carácter de classe e não democrático da UE têm a sua raiz num projecto que, centralizando o poder em instituições supranacionais dominadas pelas grandes potências e cujas políticas servem os interesses dos monopólios, está em conflito aberto com as necessidades e os anseios dos trabalhadores e a soberania dos povos dos diferentes países que a compõem.

A resposta adequada ao domínio das grandes potências e à imposição dos interesses dos grandes grupos financeiros e económicos não passa pela ilusão do reforço ou criação de mais instituições supranacionais onde, de uma ou doutra forma, tal domínio e interesses irão prevalecer.

Só através da afirmação e pleno exercício da soberania nacional é possível rejeitar imposições e condicionalismos externos que agridem os interesses dos trabalhadores e dos povos e salvaguardar a democracia, isto é, o direito soberano de cada povo a decidir do seu presente e futuro, de determinar de forma autónoma e livre as suas políticas económicas, de garantir a utilização e promoção das potencialidades produtivas de cada país, de realizar uma política de paz e cooperação com todos os povos.

Neste quadro, ganha evidência a importância do marco nacional como campo fundamental da luta dos trabalhadores e dos povos em prol da democracia e da soberania, em prol de transformações sociais.

Recorde-se que já no «Manifesto do Partido Comunista», Marx e Engels sublinhavam que «pela forma, embora não pelo conteúdo, a luta do proletariado contra a burguesia começa por ser uma luta nacional. O proletariado de cada um dos países tem naturalmente de começar por resolver os problemas com a sua própria burguesia.»
(10); tendo Engels acrescentado que «sem a sua autonomia e unidade restituídas a cada nação europeia, nem a união internacional do proletariado nem a cooperação pacífica e inteligente destas nações para fins comuns poderiam consumar-se» (11). Teses que, apesar das diferenças quanto ao momento histórico de há 150, mantêm toda a sua actualidade.

Aliás, como comprova a nossa história recente, o maior contributo que o povo português pode dar para uma Europa de cooperação, de progresso e de paz é a retoma e concretização do projecto de desenvolvimento democrático, patriótico e internacionalista iniciado pela Revolução de Abril.

Para o PCP, a resolução dos graves problemas do país e a resposta às necessidades e anseios dos trabalhadores e do povo português impõem a ruptura com a política de direita e a conquista de uma política patriótica e de esquerda, que crie as condições e abra caminho à concretização de uma democracia avançada, parte constitutiva da luta pelo socialismo.

A ruptura com a política de direita impõe a ruptura com cada uma e todas as suas dimensões, como, aliás, é preconizado na proposta de democracia avançada que o PCP propõe.

A ruptura com a política de direita impõe a ruptura com os seus alicerces, designadamente com a UE e o seu rumo federalista, neoliberal e militarista cada vez mais ostensivo.

Só com a plena afirmação e exercício da soberania nacional será possível libertar Portugal das autênticas grilhetas que são as políticas da UE e recuperar os instrumentos fundamentais (políticos, económicos, monetários,…) para assegurar o desenvolvimento económico do país ao serviço dos trabalhadores e do povo e uma política externa de paz e cooperação.

Tal pressupõe, face à UE, a exigência da «consagração institucional da possibilidade da reversibilidade e da alteração de acordos e tratados que regem a integração europeia, ajustando o estatuto de cada país à vontade do seu povo e à sua real situação, incluindo o direito à decisão soberana sobre a desvinculação da UE»
(12).

A soberania e independência nacionais são uma questão central do nosso tempo, uma questão com comprovada e acutilante actualidade. A luta em defesa da soberania e independência nacionais são, face ao imperialismo, uma expressão da luta de classes, assumindo um incontornável conteúdo internacionalista e pondo em evidência a importância determinante do marco nacional para a luta de transformação social e a emancipação dos povos.

A experiência histórica da luta do movimento operário, dos trabalhadores e do povo português pela sua emancipação, a Revolução portuguesa – os seus avanços e recuos –, comprovam que a soberania e independência nacionais são condição para a salvaguarda da democracia; condição para o desenvolvimento do país e a concretização dos interesses e aspirações do povo português; condição para a livre escolha dos caminhos de cooperação entre países soberanos e iguais em direitos na Europa, de uma relação solidária e de paz com todos os povos do mundo; condição para o fim da exploração do homem pelo homem; para o socialismo.

Notas
(1) Programa do PCP, 3.ª edição, Edições «Avante!», Lisboa, 1974, p. 22.

(2) Idem, p. 55.

(3) Idem, p. 58.

(4) Programa e Estatutos do PCP, Edições «Avante!», Lisboa, 2005, p. 24.

(5) Idem, p. 26.

(6) V. I. Lénine, «Sobre a palavra de ordem dos estados unidos da Europa», in Obras Escolhidas em três tomos, 1.º tomo, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1977, p. 570.

(7) V. I. Lénine, O imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 2000, p. 87.

(8) Idem, p. 84.

(9) Programa e Estatutos do PCP, Edições «Avante!», Lisboa, 2005, p. 27.

(10) K. Marx-F. Engel, Manifesto do Partido Comunista, Edições «Avante!», Lisboa, 1999, p. 47.

(11) Idem, p. 30.

(12) Resolução Política do XVIII Congresso do PCP, p. 24.


Pedro Guerreiro é membro do CC do Partido Comunista Português

Fonte: Revista O Militante - Nº 317 - Mar/Abr 2012 • Tema    


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