"Reformismo, Doença Infantil do Fascismo"
"Reformismo, Doença Infantil do Fascismo"
por João Vilela, no blog Cravo de Abril
por João Vilela
por João Vilela, no blog Cravo de Abril
"o processo de desenvolvimento da social-democracia, esta revela tendências fascistas que não a impedem, contudo, de noutras situações políticas se comportar como uma espécie de Fronda contra o Governo burguês na condição de partido da oposição». Isto porque «na sua condução sistemática de uma política contra-revolucionária, a social-democracia opera em dois flancos: a ala direita da social-democracia, descaradamente contra-revolucionária, é essencial para negociar e manter contacto direto com a burguesia; a ala esquerda é essencial para uma burla subtil da classe operária. ""O reformismo é um elemento extraordinariamente perigoso para a humanidade, porque ele gera, uma a uma, as condições que tornam o fascismo possível. A luta contra ele não é apenas uma querela teórica. É uma luta pela sobrevivência."
O desaparecimento das teses do VI Congresso da Internacional Comunista significou uma perda histórica para o movimento revolucionário aos mais variados títulos. Não seria possível elencar todos os aspectos em que tal perda se repercutiu. Um que é particularmente relevante é o da linha recta entre o pensamento reformismo e o fascismo.
O Programa da Internacional Comunista saído desse Congresso - e cuja tradução seria fundamental - começa por recordar o comportamento da fase final (e mais insuportavelmente reacionária e traidora) da Segunda Internacional a quando da eclosão da I Guerra Mundial: a adoção de teses social-chauvinistas, isto é, o encarrilamento dos trabalhadores para a adesão ao esforço de guerra da sua burguesia nacional, e não à sua luta contra a guerra mundial; a traição às sublevações proletárias da Hungria, da Baviera, da Alemanha, com o esmagamento das mesmas pelas armas dos próprios partidos social-democratas (a morte dos espartaquistas alemães pelos Freikorps subvencionados por um Governo do SPD é o exemplo maior); a adesão às campanhas militares do imperialismo contra o País dos Sovietes, em formação; as posições racistas para com os trabalhadores das colônias, em defesa da sua burguesia nacional, como, muito particularmente, fez o Partido Trabalhista britânico; a lista é infindável.
Mas mais do que um extenso requisitório contra a social-democracia, importava perceber os motivos dessa atitude por parte dela.
O Programa levanta uma pista curiosa quando afirma que «[n]o processo de desenvolvimento da social-democracia, esta revela tendências fascistas que não a impedem, contudo, de noutras situações políticas se comportar como uma espécie de Fronda contra o Governo burguês na condição de partido da oposição». Isto porque «na sua condução sistemática de uma política contra-revolucionária, a social-democracia opera em dois flancos: a ala direita da social-democracia, descaradamente contra-revolucionária, é essencial para negociar e manter contacto direto com a burguesia; a ala esquerda é essencial para uma burla subtil da classe operária. Jogando com slogans pacifistas, e por vezes até com palavras de ordem revolucionárias, a «esquerda» da social-democracia age, na prática, contra os trabalhadores, particularmente em situações agudas de crise (...), pelo que é a mais perigosa facção social-democrata. Servindo os interesses da burguesia dentro da classe operária e sendo totalmente favorável à conciliação de classes, a social-democracia, em determinados períodos, é compelida a a representar o papel de um partido de oposição, e até a fingir que defende os interesses de classe do proletariado na sua luta nas fábricas. Tenta, deste modo, ganhar a confiança de uma secção da classe trabalhadora e posicionar-se de forma a poder trair o mais vergonhosamente os interesses fundamentais da classe, particularmente durante batalhas decisivas».
Ou seja, nos termos do Programa, a social-democracia serviu, naquele então, como uma charneira: um fracção dos seus elementos alinharam decididamente com os interesses da burguesia, tomando partido por posições retinta e indisfarçadamente antipopulares.
Ao mesmo tempo, outro sector ficou junto dos trabalhadores com o objectivo de encarrilar as suas lutas para becos sem saída, traindo-os à última da hora. Como surge, daqui, o fascismo? Dois pontos são levantados pelo Programa: primeiro, o fascismo é descrito como «um sistema de ditadura directa, ideologicamente marcado pela 'ideia nacional'», que não pode deixar de nos remeter para o social-chauvinismo apresentado acima. Mas muito mais que isso: É indicado que «o fascismo faz um esforço para permear a classe operária recrutando entre os seus estratos mais recuados para as suas fileiras, explorando o seu descontentamento e aproveitando-se da inação social democrata». Mais se indica que «a combinação de social-democracia, corrupção activa, e terror branco, em conjunção com agressividade imperialista extremada no plano da política externa, são as características fundamentais do fascismo».
Quer isto dizer: a emergência do fascismo, nos termos do VI Congresso da IC, está intimamente relacionada com com o capitulacionismo social-democrata, o exaspero por ele gerado entre os trabalhadores, e com as ilusões de tipo chauvinista que a social-democracia semeou junto da classe. Ao que se soma um detalhe especialmente relevante: o Congresso identifica como causas materiais do surgimento do fascismo «a instabilidade das relações de produção capitalistas, a existência de elementos sociais desclassizados em número significativo, a pauperização de largos sectores da pequena burguesia urbana e da intelectualidade, o descontentamento do minifúndio, e, finalmente, a ameaça de acção proletária», situação em que se impunha a já citada «ditadura directa» com características demagogicamente antiparlamentares e corportativas. Isto significa o abandono das ficções pretensamente representativas do Estado burguês e a assunção, plena e sem rebuço, da sua única a exclusiva função de repressão do proletariado e garantia do domínio capitalista.
Ora, este fenômeno ocorria diante de uma social-democracia que tinha sido artífice da «prática da pretensa "democracia industrial", que de facto significa a completa subordinação ao capital concentrado; adoração do Estado imperialista e particularmente dos seus falsos rótulos de democrata; participação activa na construção de órgãos policiais do Estado imperialista, exército, gendarmeria, e judicatura de classe». Mais: de uma social-democracia que tinha aceite «a defesa do Estado contra o assalto do proletariado comunista revolucionário, e o papel de carrasco em períodos revolucionários». A social-democracia que, para defender a ordem pública (burguesa), as instituições (burguesas), e as conquistas no plano parlamentar e demoliberal (também burguês) das organizações de classe dos trabalhadores, não tinha qualquer armamento crítico para sequer perceber o problema do fortalecimento do aparelho de Estado para defesa de um «interesse nacional» nunca explicado (mas muito facilmente alicerçado em sentimentos chauvinistas). O reformismo democratista, com a sua neutralização idealista do Estado e a atribuição de poderes mágicos supraclassistas à sua estrutura, diante do fascismo, vê-se diante de uma vaga indefensável.O fascismo nasce, também, do desarmamento que a social-democracia promovera neste âmbito.
É pois difícil de não admitir a tese de que há um papel fortíssimo do reformismo no surgimento do fascismo: tendo semeado o chauvinismo na cabeça das massas, a tese da neutralidade do aparelho de Estado, e a ficção da existência de nações; tendo ainda guiado os trabalhadores e as suas lutas por um trajeto fadado a derrotas consecutivas, que expuseram sobretudo os elementos menos preparados ideologicamente, no seio das massas, à demagogia fascista; tendo depois de tudo isto participado activamente no sufoco de insurreições populares por toda a parte, a social-democracia deixou terreno humoso e fértil para que fascismo nele crescesse, e não foram raros os casos em que o exerceu, sem pudor nem rebuço, contra o proletariado em ascensão. O reformismo é um elemento extraordinariamente perigoso para a humanidade, porque ele gera, uma a uma, as condições que tornam o fascismo possível. A luta contra ele não é apenas uma querela teórica. É uma luta pela sobrevivência.
Fonte: blog Cravo de Abril
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