A diáspora portuguesa


Emigração
Causas e consequências
por Anselmo Dias


"Para essa gente que está no Governo – e para os seus mandantes –, a emigração, em termos globais, serve um propósito ideológico para vender a imagem do chamado «empreendedorismo», do desafio à capacidade individual de cada um na procura de soluções e na valorização do «self-made-man» que «prospera» e «enriquece no estrangeiro», ou seja, mentiras sobre mentiras. 
Com os casos de «sucesso» – que existem –, muitos dos quais à custa de muito trabalho e sacrifícios, não se pode iludir a realidade em que vive e trabalha a maioria dos(as) portugueses(as) no estrangeiro"
O empobrecimento da população cujo consumo próprio tem um peso expressivo no PIB havia de dar no que deu: um dramático crescimento do desemprego

Quem, nos anos de chumbo do fascismo, no contexto da pobreza, da repressão a todos os níveis e da guerra colonial não se lembra dos milhares e milhares de concidadãos que através do «salto» ou por via legal se viram obrigados a emigrar?


Foram muitos milhares aqueles que, então, deixaram a nossa pátria tendo, em 1966, atingindo o seu máximo valor, estimado na altura em cerca de 120 000 portugueses.


Na década de sessenta – 1960/9 –, estima-se que a emigração, em termos de média anual, andava à volta de 64 000 emigrantes.

Pois bem, nos últimos três anos, 2011 a 2013, foram obrigados a deixar a sua terra, a sua família, os seus amigos e os seus afectos cerca de 350 500 portugueses, o que corresponde a uma média anual de 116 800 compatriotas.

Este valor é, para a gente que se alimenta do lucro, da ganância e da exploração, não só uma fria e mera estatística como um agradável «tubo-de-escape» à contestação social que de Norte a Sul grassa pelo País e da qual se destaca as grandiosas manifestações promovidas pela CGTP.

Para a classe dominante, no êxodo da população portuguesa, não contam:
  • as lágrimas da despedida, o afastamento dos filhos e dos pais;
  • o desenraizamento social;
  • a angústia para aceder a um emprego com direitos, a uma casa para habitar e a serviços públicos de qualidade e, muito menos, as alterações nos padrões de cidadania associada à estada num país estrangeiro, cujas leis, cultura e vivências diferem, em muitos casos, das nossas.
Para essa gente que está no Governo – e para os seus mandantes –, a emigração, em termos globais, serve um propósito ideológico para vender a imagem do chamado «empreendedorismo», do desafio à capacidade individual de cada um na procura de soluções e na valorização do «self-made-man» que «prospera» e «enriquece no estrangeiro», ou seja, mentiras sobre mentiras.

Com os casos de «sucesso» – que existem –, muitos dos quais à custa de muito trabalho e sacrifícios, não se pode iludir a realidade em que vive e trabalha a maioria dos(as) portugueses(as) no estrangeiro, de que se destaca:
  • a exploração e a precariedade de que são alvo;
  • os níveis de vida elevadíssimos nos principais países de acolhimento;
  • a assumida acção do nosso Governo no mau funcionamento – e até destruição –, dos serviços diplomáticos e consulares, entre outros, que deviam ser garantidos pelo Estado português, como o ensino da nossa língua e a divulgação na nossa cultura.
A verdade é outra.

A verdade é que a emigração nos tempos que correm, como no passado, é predominantemente influenciada por razões econômicas e sociais, com especial destaque para o emprego, ou seja, para o ganha pão no dia-a-dia.

A verdade é que, hoje, a emigração constitui, mais do que no passado, a delapidação de recursos humanos em muitos casos altamente especializados, comprometendo a própria capacidade nacional, além de constituir uma outra forma de extorsão na justa medida em que falamos de pessoas formadas em Portugal mas cujo contributo para a economia se processa noutros países.

A verdade é que, com a crise do capitalismo a atingir já não só os chamados países periféricos mas também as grandes potencias do centro da Europa, o aumento da emigração para esses países fortalece a campanha ideológica das forças de extrema-direita, racistas e xenófobas e, por essa via, aumenta a pressão para a tomada de medidas não só restritivas contra os emigrantes, incluindo a expulsão, com já se vislumbra em certos sectores do Reino Unido, Alemanha, Suíça, entre outros.

O emprego (as principais causas da emigração)

A emigração pode ter várias causas. Pode resultar do desejo associado ao conhecimento de outras terras e de outras gentes. Pode resultar na ligação ao exercício da actividade cultural e científica. Pode haver motivos apenas de natureza relacional.

Enfim, haverá várias razões, embora nenhuma delas tenha a importância que tem a questão do desemprego e do emprego sem direitos e com baixos salários.

Vejamos este último caso.

Em 2008, aquando do início da vigente crise do sistema capitalista, havia, em Portugal, 5 176 300 pessoas empregadas.

Com as medidas de regressão social destinadas a pôr a salvo o dinheiro dos credores, o nosso País, sob a tutela estrangeira com a cumplicidade dos governos PS/PSD/CDS-PP, foi obrigado a um conjunto de medidas todas elas tendentes ao empobrecimento da população por via:
  • das reduções salariais;
  • das reduções no valor das pensões e das prestações sociais;
  • do aumento escandaloso dos impostos, designadamente do IRS.
O empobrecimento da população cujo consumo próprio tem um peso expressivo no PIB havia de dar no que deu: um dramático crescimento do desemprego.

Esta realidade tem efeitos divergentes:
  • para a generalidade da população é um facto dramático;
  • para o actual Governo é uma bênção porque as suas consequências coincidem com os seus objectivos ideológicos.
Com efeito, para o actual Governo, o desemprego, por via da oferta e procura, tende a reduzir a capacidade reivindicativa dos trabalhadores, reduz o custo do trabalho, cria ansiedade naqueles que para sobreviver vendem a sua força de trabalho e potencia a demagogia que a direita faz na clivagem entre os «privilegiados» que têm um emprego e aqueles que desesperadamente o procuram.

O desemprego é, pois, um instrumento de acção política, quantificado, no plano estatístico, em 614 800 entre finais de 2008 e 2013.

As maiores vítimas desta catástrofe social foram as pessoas inseridas naquilo que tipifica a nossa estrutura empresarial, ou seja: construção civil, indústria com reduzida incorporação tecnológica, agricultura, comércio, serviços de baixa qualidade, transportes, alojamento e restauração, entre outros sectores de menores dimensões.

Os maiores sectores afectados foram a construção civil, a indústria e a agricultura que, no lapso de tempo atrás referido, perderam 584 3400 postos de trabalho.

Quantas destas pessoas emigraram?

E quantas delas não tendo emigrado perderam a casa hipotecada ao banco, passaram por privações na alimentação e no acesso à saúde? Sim, quantas?

E quantas delas, com filhos, deixaram de pagar as propinas, deixaram de comprar roupa e brinquedos?

Eis tantas perguntas quantas as repostas que o nosso povo deve exigir do Governo.

Os dados acima referidos dizem respeito ao total do desemprego, incluindo o trabalho individual e o emprego dos micro, pequenos e médios empresários e seus familiares.

Quanto ao trabalho por conta de outrem o panorama não é diferente.

Em 2008 havia 3 953 100 trabalhadores por conta de outrem no sector privado da economia.

Em 2013 havia 3 606 700 trabalhadores por conta de outrem ou seja, menos 346 400 postos de trabalho, número, curiosamente, equivalente à emigração verificada entre 2011 e 2013.

Embora não tenhamos presente nenhum estudo que, ano após ano, faça a equiparação do total dos desempregados com o número total de emigrantes, tudo indica que há uma relação quase unívoca entre uma realidade e outra, ou seja, a dimensão da perda de trabalho explica a dimensão da emigração.

A este respeito pergunta-se: saídos de Portugal para onde foram os nossos compatriotas?

Os países de acolhimento da diáspora portuguesa

De acordo com os dados constantes nos Registos Consulares reportados a 31/12/2003 é possível constatar que os portugueses estão por todo o lado, salvo nas regiões em guerra aberta ou declarada e nas regiões cuja pobreza não só não apela à presença de estrangeiros, como, ela própria, potencia a emigração.

A diáspora portuguesa é muito vultosa, balizada entre cinco milhões e 5,5 milhões, número correspondente aos nascidos em Portugal a que se juntam os familiares constituídos a partir da emigração.

Excluindo esta última situação, o Banco Mundial estima em cerca de 2,3 milhões a dimensão da emigração portuguesa.

Perante tais valores informamos que optamos pela primeira estatística, da responsabilidade dos serviços consulares, os quais não coincidem totalmente com o «Relatório da Emigração, 2013» da responsabilidade do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, cujos dados fazem lembrar, no plano da taxa de desemprego, as diferenças entre a estatística minimizada do INE e a estatística ligeiramente superior do Banco de Portugal.

Aquele «Relatório» do Governo elaborado em 2013 contém elementos relativos apenas a 13 países, cujos dados causam muita perplexidade.

Vejamos, a título de exemplo, o caso de França:

O Governo diz (página 137 do «Relatório») que em 2010 havia naquele país 588 276 de residentes nascidos em Portugal, número que havia superado o do ano anterior em 3276 novos emigrantes.

Entretanto, de acordo com os dados dos Registos Consulares, inseridos no Observatório da Emigração, é referido o seguinte:
  • em 2010, havia 790 798 residentes em França nascidos em Portugal;
  • em 2012, havia 817 138 residentes em França nascidos em Portugal;
  • em 2013, no conjunto total da emigração em França (nascidos e familiares constituídos após a emigração) havia 1 243 419 portugueses.
Vejamos um outro caso, o da Suíça:

O Governo diz (página 184 do «Relatório») que em 2012 havia 194 840 residentes nascidos em Portugal, número que havia superado o do ano anterior em 11 854 novos emigrantes.

Entretanto, de acordo com os dados dos Registos Consulares inseridos no Observatório da Emigração, é referido o seguinte:
  • em 2011 havia 204 989 residentes na Suíça nascidos em Portugal;
  • em 2012 havia 210 327 residentes na Suíça nascidos em Portugal;
  • em 2013, no conjunto total da emigração na Suíça (nascidos e familiares constituídos após a emigração) havia 283 679 portugueses.
O que fazer com valores tão assimétricos?

Exigir que todos nós, nos termos da Artigo 49.º da Constituição, tenhamos acesso a «...ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos», como, notoriamente, é o caso da emigração.

É verdade que a estatística é um dado estático reportado a um determinado dia de um determinado ano.

Também é verdade que a emigração é um elemento dinâmico ao longo dos 365 dias do ano, influenciado pela mobilidade dos emigrantes, pelo reagrupamento familiar, pelo nascimento de filhos, pelos óbitos e, em vários casos, pela mudança de nacionalidade e pelo regresso ao país de origem.

Tudo isto conjugado altera a estatística, mas não a altera tão profundamente como aquela reflectida nos exemplos atrás referidos.

Mas voltemos aos dados dos registos consulares.

De acordo com esses elementos é possível concluir que a emigração portuguesa, embora dispersa por muitos países, é, contudo, muito concentrada.

Com efeito cerca de ¾ dessa emigração está concentrada em apenas 15 países, que passamos a enumerar por ordem decrescente:
  • Europa: França, Suíça, Reino Unido, Alemanha, Luxemburgo, Bélgica e Espanha;
  • América do Sul: Brasil e Venezuela;
  • América do Norte: EUA e Canadá;
  • Ásia: Macau;
  • África: Angola e África do Sul;
  • Oceânia: Austrália.
Pelos dados disponíveis verificamos que há dois efeitos divergentes quanto à emigração mais recente.

Com efeito, verifica-se:
  • um aumento generalizado do número de emigrantes para os países da Europa Ocidental, com especial destaque para Reino Unido com valores superiores a 7% entre 2011 e 2012. Com aumentos balizados ente os 6% e os 7% temos, entre outros, a Alemanha, a Bélgica e a Suíça. Angola junta-se a esses países embora os números disponíveis não sejam suficientemente credíveis.
  • uma diminuição do número de emigrantes entre os 5% e os 6% em Espanha e nos EUA e de cerca de 12% na África do Sul. As diminuições mais vultosas verificam-se no Brasil com cerca de 35% no decurso de 2000 a 2010, embora, recentemente, tenha havido um novo fluxo emigratório para este país.
Há casos curiosos em torno de portugueses que não nasceram em Portugal:
  • em Macau, os dados disponíveis dizem que nesse território, em 2012, residiam 127 991 portugueses, dos quais apenas 2626 haviam nascidos em Portugal, ou seja, 2%;
  • em Angola, num universo de 115 595 portugueses, apenas cerca de 1/3 havia nascido em Portugal;
  • na África do Sul essa percentagem sobe aos 43%.
A actividade laboral dos emigrantes portugueses

Para se compreender a actividade laboral dos nossos emigrantes é preciso, em primeiro lugar, saber aquilo que em Portugal era a sua actividade predominante, bem como as habilitações escolares e profissionais.

Por aquilo que resulta do confronto entre o que faziam em Portugal e aquilo que passaram a fazer no estrangeiro há uma quase identificação.

As actividades predominantes da emigração portuguesa nos principias países europeus são as seguintes:
  • trabalhadores não qualificados;
  • operários, artífices e trabalhadores similares;
  • pessoal dos serviços e vendedores;
  • operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem.
Tais actividades, em termos médios, oscilam ente os 70% e os 80%, dependendo de cada país.

Por exemplo, no Luxemburgo, cerca de 34% dos trabalhadores têm o estatuto de «trabalhadores não qualificados».

No Reino Unido essa percentagem corresponde a 29% e na Suíça ela fixa-se nos 21%.

Quanto aos «operários, artífices e trabalhadores similares», quer no Luxemburgo, quer na Suíça a percentagem corresponde a cerca de 26%.

E quanto às funções de topo, o que acontece?

Acontece que no Luxemburgo aqueles que exercem a função de «quadros superiores e dirigentes de empresa» não representam mais do que 1,9% do conjunto total da actividade laboral dos nossos emigrantes, valor que, na Suíça, sobe aos modestos 3%.

O valor mais elevado, de acordo com os dados disponíveis, no que concerne ao exercício das funções mais elevadas na emigração portuguesa acontece no Reino Unido.

Com efeito, neste país:
  • 7,3% correspondem a quadros superiores e dirigentes superiores de empresa;
  • 10,4% correspondem a especialistas das profissões intelectuais e científicas;
  • 6,9% correspondem a técnicos e profissionais de nível intermédio.
O governo de «sua majestade» sabe bem o que está a fazer. Está a recrutar técnicos, licenciados, mestres e doutorados de «borla» formados à custa do dinheiro dos contribuintes portugueses, recrutamento abençoado pelo Governo de Passos Coelho quando este, contrariando a «pieguice nacional», exortou os nossos jovens a emigrar.

Os problemas dos emigrantes portugueses

Com atrás vimos – salvo algumas excepções –, a esmagadora maioria dos nossos emigrantes exercem no estrangeiro, como exerciam em Portugal, profissões localizadas na base da pirâmide organizativa das empresas, a que acresce um outro factor desfavorável, ou seja, em termos médios o nível académico e profissional dos nossos emigrantes é inferior ao dos países onde procuram emprego.

É certo que aumentou o número de licenciados em busca de emprego fora das nossas fronteiras, designadamente no âmbito da saúde humana e da engenharia dos quais, nesta última área profissional, de acordo com a respectiva Ordem, terão saído de 2000 engenheiros em apenas dois anos e meio.

Mas também é certo que quase 2/3 dos nossos emigrantes tinham, quanto muito, o Ensino Básico e, até, menos.

Por esta razão não é de estranhar que muitos emigrantes portugueses, não obstante receberem salários nominais mais elevados do que em Portugal, sejam confrontados com baixos níveis de vida dado o elevado custo de vida vigente em muitos países, sobretudo da Europa Ocidental.

Recentemente o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Paris referiu que, e passamos a citar «...temos aproximadamente 30% da nossa comunidade a viver no limiar da pobreza ou abaixo do limiar da pobreza».

Acrescentemos a isto a extorsão levada a cabo por empresas de aluguer de mão-de-obra algumas das quais sem existência legal que ludibriam os nossos emigrantes, vítimas, em muitos casos, de salários em atraso, trabalho extraordinário não pago, quer em países como o Reino Unido, quer na Alemanha, quer em países mais distantes como sejam em África ou nos países do Golfo Arábico.

A par destes problemas laborais os emigrantes são confrontados com uma estrutura diplomática e consular inadequada à dimensão e à complexidade dos problemas do dia-a-dia da nossa diáspora, com especial destaque para os problemas de natureza administrativa, do ensino da língua portuguesa e divulgação e projecção da nossa identidade história e cultural, ou seja, à revelia do Artigo 9.º da Constituição que refere como tarefa fundamental do Estado«assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa».

Também aos trabalhadores portugueses e suas famílias a viverem no estrangeiro se coloca, cada vez com mais urgência, a necessidade de uma ruptura com actual política de destruição e empobrecimento e de pôr fim ao danoso rotativismo, ora do PS, ora do PSD com ou sem o CDS-PP, na governação do País.

Só a construção de uma política patriota e de esquerda que desenvolva a economia nacional, crie postos de trabalho com direitos e assegure o respeito constitucional do direito à saúde, à educação e à segurança social, pode impedir os nossos compatriotas, a nossa juventude, de abandonarem o seu País e mobilizá-los na construção de um Portugal que abra perspectivas de um futuro melhor.


Fonte: Avante



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